A decisão da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), que manteve a suspensão da cobrança da chamada “Taxa de Seca” — ou Low Water Surcharge (LWS) — pelas empresas que operam na região amazônica, acende um alerta sobre a forma como estamos tratando a previsibilidade e a sustentabilidade das operações de navegação no país.
A navegação na Amazônia é, por natureza, desafiadora. A variação dos níveis dos rios é um fenômeno cíclico, previsível e amplamente documentado. Todos os anos, durante o segundo semestre, o regime de estiagem impõe restrições severas à operação dos navios, reduzindo calados, limitando horários de navegação e elevando custos logísticos de forma significativa.
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A “Taxa de Seca” não é um artifício ou um privilégio. É uma ferramenta contratual legítima e transparente, utilizada há décadas no transporte fluvial e marítimo, que busca compensar os custos extraordinários enfrentados pelos armadores para manter o abastecimento das regiões afetadas, mesmo em condições adversas.
No ano passado, graças à iniciativa do setor privado — terminais e empresas de navegação —, foi viabilizada a manutenção do fluxo logístico para a região, o que só foi possível com a aplicação da sobretaxa. Sem ela, o transporte regular para Manaus teria sido inviável, com sérios impactos para os usuários. Produtos essenciais, como alimentos, medicamentos, combustíveis e insumos industriais, poderiam não chegar a tempo aos centros urbanos da Amazônia. Isso representaria prejuízos para o comércio local, para a indústria instalada e, principalmente, para a população, que depende quase integralmente da navegação para o transporte de bens de consumo e produtos de primeira necessidade.
Neste ano, ainda que o nível do Rio Amazonas não tenha atingido os patamares críticos das estiagens de 2023 e 2024, persistem dificuldades em trechos estratégicos da hidrovia. Em vários pontos, as dragagens preventivas não foram executadas, obrigando os navios a operarem com restrição de carga. São medidas que reduzem eficiência e aumentam o risco operacional — exatamente o cenário que a LWS visa mitigar.
O mais preocupante, porém, é o procedimento adotado pela ANTAQ, que, ao acatar o pedido de uma associação comercial regional, impôs uma cautelar sem ouvir previamente as empresas de navegação afetadas. A decisão também adota um critério técnico equivocado: condicionar a cobrança da taxa ao nível do Rio Negro medido pela régua de Manaus, um indicador localizado que não reflete as condições de navegabilidade do Rio Amazonas e de seus afluentes.
A Marinha do Brasil, por meio de suas Capitanias e das batimetrias realizadas em diferentes pontos da bacia, é quem detém as informações mais precisas sobre a segurança da navegação. Ignorar esses dados e adotar um parâmetro único, arbitrário e insuficiente compromete o rigor técnico que deve pautar qualquer decisão regulatória.
Há ainda um componente de insegurança jurídica que preocupa o setor. As empresas atuam em plena conformidade com as regras da ANTAQ: comunicam a intenção de aplicar a taxa com 30 dias de antecedência, prestam informações transparentes aos clientes e operam sob rígido controle da autoridade marítima. Intervir nesse processo, de forma cautelar e sem diálogo técnico, transmite ao mercado a mensagem de que as decisões regulatórias podem variar conforme pressões momentâneas — algo incompatível com um ambiente de negócios estável e previsível.
A cabotagem brasileira tem dado passos firmes em direção à eficiência, à transição energética e à ampliação de sua participação na matriz logística nacional. Mas esses avanços exigem segurança regulatória e coerência institucional.
Decisões como a que suspende a “Taxa de Seca” vão na contramão desses princípios. Em vez de proteger o usuário, acabam comprometendo a sustentabilidade das operações e, paradoxalmente, a própria continuidade do serviço durante os períodos críticos.
A ABAC reafirma seu compromisso com o diálogo técnico e transparente. É essencial que as discussões sobre tarifas, limitações de navegabilidade e medidas excepcionais sejam pautadas por dados, evidências e pela escuta de todos os agentes envolvidos.
O que está em jogo não é apenas uma taxa, mas a confiança em um sistema regulatório capaz de equilibrar o interesse público com a viabilidade econômica das operações que sustentam o transporte marítimo na Amazônia e no Brasil.
Julian Thomas é Diretor-Presidente da ABAC






