Em um país de dimensões continentais e de vocação marítima evidente, fortalecer o transporte aquaviário é uma decisão estratégica. Entre os instrumentos que sustentam esse setor, o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) ocupa lugar central. Criado para financiar o desenvolvimento da marinha mercante e da indústria naval brasileira, o AFRMM tem sido, ao longo das décadas, um dos mecanismos mais eficazes de estímulo à logística nacional, à geração de empregos e à modernização da frota.
Os resultados falam por si. O impacto social é expressivo: a arrecadação do AFRMM contribuiu, em média, para a geração de 81 mil empregos diretos e indiretos por ano, abrangendo desde a indústria naval e a marinha mercante até toda a cadeia produtiva que orbita em torno do transporte marítimo. Mais que uma taxa, trata-se de um instrumento de desenvolvimento, responsável por garantir a manutenção e a renovação das embarcações, além de estimular a adoção de novas tecnologias aplicadas ao modal aquaviário, tanto na cabotagem quanto na navegação interior.
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O efeito disso vai muito além dos portos. Cada embarcação construída ou modernizada representa empregos em estaleiros, movimentação na indústria de insumos, inovação tecnológica e, sobretudo, redução de impactos ambientais, à medida que frotas mais eficientes e modernas emitem menos poluentes. Em suma, o AFRMM fortalece o modal marítimo e contribui para uma matriz de transporte mais equilibrada, sustentável e menos poluente.
No entanto, esse pilar vive hoje sua maior crise. O problema não está na arrecadação — que se mantém robusta —, mas na liberação dos recursos devidos às empresas de navegação brasileiras, processo conhecido como ressarcimento. A ausência de um fluxo previsível e eficiente na devolução desses valores tem criado um ambiente de profunda incerteza para o setor.
Essa irregularidade compromete operações essenciais, como o pagamento de financiamentos, a execução de docagens obrigatórias e a construção de novas embarcações. Na prática, significa colocar em risco a continuidade de atividades vitais para a economia nacional. Sem previsibilidade, as empresas enfrentam dificuldades para planejar, investir e manter suas operações em dia. O impacto é direto: projetos são adiados, frotas envelhecem e parte dos investimentos migra para o exterior, onde há maior segurança jurídica e estabilidade financeira.
O resultado é um paradoxo. O Brasil, que detém uma das maiores costas navegáveis do planeta, vê-se incapaz de aproveitar plenamente o potencial de seu transporte marítimo por entraves burocráticos e pela falta de um sistema de gestão eficiente dos recursos que ele mesmo arrecada. A continuidade desse cenário pode gerar um efeito cascata: redução da competitividade, retração de investimentos e enfraquecimento da indústria naval nacional.
Para reverter essa situação, é urgente restabelecer a previsibilidade e a eficiência na gestão do AFRMM. O primeiro passo é garantir que os repasses ocorram de forma regular, transparente e ágil, como determina a legislação vigente. A adoção de um cronograma público de ressarcimentos seria uma medida simples e eficaz para devolver ao setor a confiança necessária ao planejamento de longo prazo.
Além disso, o cumprimento rigoroso das regras e prazos previstos em lei é fundamental. A realização imediata e preferencial dos ressarcimentos não é um favor às empresas, mas uma obrigação do Estado para com uma política pública que comprovadamente dá resultados. Somente com a liberação ágil e previsível dos recursos será possível garantir que o AFRMM continue cumprindo sua missão: financiar a renovação da frota, estimular a indústria nacional e promover um transporte mais eficiente e sustentável.
O AFRMM é, portanto, muito mais do que uma taxa. É um instrumento de política industrial e ambiental que gera emprego, renda, inovação e desenvolvimento. Abandoná-lo à ineficiência burocrática seria desperdiçar uma das poucas políticas públicas de longo prazo que de fato funcionam no país.
Superar os entraves atuais e restaurar a estabilidade do fluxo financeiro do AFRMM não é apenas uma reivindicação do setor naval. É uma necessidade estratégica para o Brasil, que precisa de uma logística mais moderna, de uma indústria mais forte e de uma economia mais sustentável.
Garantir que o AFRMM volte a cumprir plenamente seu papel é assegurar que o país continue navegando na direção certa — rumo a um futuro mais eficiente, competitivo e verde.
Luis Fernando Resano é Diretor-Executivo da ABAC (Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem)







