Artigo - “Histórias de um casamento” ou o que vem depois do fim: uma análise da Aliança Global “2M”

O filme que dá nome a este breve ensaio não é sobre o início de uma relação, mas sobre as descobertas e as consequências de um término. Na película, repleta de diálogos potentes e reflexivos, acompanha-se Nicole (Scarlett Johansson) e Charles (Adam Driver) ressignificando a relação que tinham e lidando com os desdobramentos de um divórcio, sobretudo em razão dos frutos decorrentes desse vínculo.

Da mesma forma, o presente texto tampouco focará no início de uma associação, mas no seu término. Adiante, serão tecidas breves considerações sobre os impactos da ruptura da aliança global entre a Maersk e a MSC – 2M – sobretudo em razão dos ativos – tangíveis ou não – resultantes Dessa relação.

Recentemente, veículos de comunicação em geral repercutiram o fim da parceria que ocorrerá, em 2025, entre a MSC e a Maersk, duas das maiores empresas de transporte marítimo do globo. Segundo o comunicado institucional conjunto, o mercado sofreu profundas alterações desde 2015, data em que a parceria foi firmada, razão pela qual o fim da aliança global 2M permite que as companhias, de maneira autônoma, persigam estratégias individuais de crescimento1.

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O acionamento da cláusula contratual referente ao aviso prévio de dois anos no caso de não haver intenção em manter o vínculo jurídico suscita uma série de reflexões. Para os fins a que este artigo se propõe, serão analisadas duas delas.

O primeiro desdobramento desse “divórcio” está na própria aliança em si. Como é de conhecimento geral, desde a década de 90 tornou-se comum a cooperação entre duas ou mais transportadoras marítimas acerca de questões operacionais com abrangência mundial. Mais especificamente, tais companhias pactuam uma série de acordos do tipo Slot Charter Agreement (SCA) e Vessel Sharing Agreement (VSA) em rotas de comércio por todo o mundo.

Para que se tenha dimensão de quão significativos são essas cooperações, a International Transport Forum, vinculada à OCDE, estima que as três maiores alianças globais (2M, Ocean Alliance e THE Alliance), as quais reúnem oito das maiores empresas do setor, sejam responsáveis por 80% de todo o mercado de transporte de contêiner no mundo2.

Para as companhias, os benefícios dessa cooperação são evidentes: há considerável ganho de escala e o aumento da área de cobertura. Segundo a literatura, outros benefícios identificados são: (i) maximização das sinergias operacionais, (ii) entrada mais rápida em novas rotas de comércio, (iii) limitação da competição, (iv) racionalização de ativos e da infraestrutura, (v) compartilhamento de risco operacional, dentre outros3.

Contudo, atualmente, discute-se até que ponto as vantagens desse modelo associativo são percebidas nos elos subsequentes da cadeia, incluindo o consumidor final. Segundo alguns estudos, apesar de ganhos notórios de eficiência – os exemplos acima ratificam que há racionalidade econômica nesse arranjo – há certos riscos que não podem ser negligenciados, tanto para concorrentes quanto para importadores e terminais portuários4.

Por todas essas razões, em um futuro próximo, é crível supor que o fim da 2M impactará significativamente a dinâmica do transporte marítimo. Algumas provocações válidas, dentre as muitas possíveis, são: (i) MSC e Maersk seguirão de modo autônomo ou criação de novas alianças, (ii) haverá competição vigorosa pelas mais de 40 rotas anteriormente exploradas de modo conjunto ou (ii.a) decidirão não competir por determinados trechos e (iii) quais os impactos concretos do fim da 2M para a (iii.a) qualidade do serviço e (iii.b) preço do frete.

Certamente, a resposta para essas perguntas dependerá de uma análise empírica acerca do comportamento mercado – bem como dos demais elos da cadeia – quanto aos efeitos do fim da 2M. Por exemplo, apesar de ser uma hipótese remota, pode ser que Maersk e MSC, isoladamente, não consigam exercer pressão competitiva nas demais alianças globais, o que resultará na criação de um duopólio com impacto negativo para o consumidor final.

Outra questão, igualmente sensível, mas que pode estar no ponto cego de alguns interessados no tema, diz respeito às participações societárias detidas pela Maersk e MSC em terminais portuários diversos pelo mundo.

A verticalização do setor, mediante participação dos armadores em terminais portuários, com objetivos economicamente justificáveis5, tornou-se uma constante nas últimas décadas. Inclusive, dados apontam6 que das três maiores alianças, duas delas, incluindo a 2M, possuem extenso portfólio de terminais portuários no bojo de seu conglomerado.

Mais uma vez, apesar das conhecidas vantagens decorrentes de um movimento de verticalização, há estudos das Nações Unidas7-8 e da OCDE9 em que são indicados os desafios para nações em desenvolvimento no que se refere à competição e à regulação no setor e possíveis desvantagens de uma integração vertical entre transportador e operador portuário. Há, portanto, a necessidade de sopesar, no caso concreto, interesses diversos e, muitas vezes, conflitantes.

No Brasil, por exemplo, a 2M controla, indiretamente, a Brasil Terminal Portuário, um dos maiores operadores portuários localizados no Porto de Santos, que possui área projetada de 430 mil m² e capacidade de movimentar 1,5 milhão de TEUs por ano.

Nesse sentido, cabe uma provocação: como ficarão as relações societárias após o fim da aliança? A despeito do fim da 2M, Maersk e MSC manterão os vínculos societários?

Essa questão das estruturas empresariais é particularmente relevante, na medida em que há uma intensa disputa pelo leilão do Terminal de Contêineres STS-10 no Porto de Santos. Será mais vantajoso para Maersk ou MSC disputarem sozinhas, competindo com outros agentes já instalados no Porto de Santos e detentores de outros terminais, ou via BTP? Em qualquer das hipóteses, qual o efeito para o mercado?

Vê-se, portanto, que muitas são as dúvidas acerca da dinâmica de competição no segmento de transporte e em outros mercados relacionados, como o de movimentação e armazenagem de contêiner (sobretudo pelo esperado leilão do STS10).

Assim, tal qual em qualquer divórcio, mais importante do que a separação, é o que vem depois dele. Há vários ativos e interesses que precisarão ser acomodados e tantos outros que surgirão a partir da postura adotada por Maersk e MSC no cenário pós-ruptura. De todo modo, haverá um oceano de novas possibilidades tanto para Maersk e MSC quanto para vários outros agentes ao longo da cadeia de serviços. Sairá na frente quem melhor aproveitar essas oportunidades.

1 Tradução livre. No original: “MSC and Maersk recognize that much has changed since the two companies signed the 10-year agreement in 2015. Discontinuing the 2M alliance paves the way for both companies to continue to pursue their individual strategies”. Disponível em: https://www.maersk.com/news/articles/2023/01/25/maersk-and-msc-to-discontinue-2m-alliance-in-2025
2 OECD. International Transport Forum. The Impact of Alliances in Container Shipping, p. 7
3 GHORBANI, Mohammad et. al. Strategic alliances in container shipping: A review of the literature and future research agenda. Maritime Economics & Logistics (2022) 24:439–465.
4 OECD. International Transport Forum. Op. cit.
5 ÁLVAREZ-SANJAIME et. al. Vertical integration and exclusivities in maritime freight Transport. Transportation Research Part E: Logistics and Transportation Review, Volume 51, 2013, Pages 50-61,
6 OECD. International Transport Forum. Op. cit.
7 United Nations. United Nations Conference on Trade and Development. Trade and Development Board. Trade and Development Commission. Intergovernmental Group of Experts on Competition Law and Policy. Seventeenth session. Challenges faced by developing countries in competition and regulation in the maritime transport sector: Note by the UNCTAD secretariat.
8 United Nations. ECLAC – Economic Commission for Latin America and the Caribbean. The impact of “incomplete contracts” on long-term infrastructure concessions. Bulletin 378, number 2, 2020, ISSN: 1564-4227
9 OECD. Directorate for Financial and Enterprise Affairs Competition Committee. Working Party no. 2 on Competition and Regulation. Executive Summary of the Roundtable on Competition Issues in Liner Shipping. June, 2015.

AutoresPolyanna Vilanova é advogada. Sócia do Vilanova Advocacia. Ex-Conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Pós-graduada em Defesa da Concorrência e Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público – IDP.
Matheus Carvalho é advogado do Vilanova Advocacia.



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