Artigo - Novos incentivos fiscais e financeiros ao setor naval offshore: rumo ao fortalecimento da indústria e da logística no Brasil

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Historicamente, o Brasil tem se utilizado de incentivos fiscais para impulsionar setores estratégicos da economia – a exemplo dos regimes especiais do REPETRO (1999) e do REPORTO (2004), que trouxeram aos setores de petróleo, gás e infraestrutura portuária uma significativa redução da carga tributária total incidente sobre insumos, bens e serviços.

Atualmente, um dos setores de foco do governo brasileiro para aplicação desta estratégia é a construção naval – em especial, a que atende a projetos de exploração e produção de petróleo e gás offshore. No último ano, o governo concedeu quotas diferenciadas de depreciação acelerada a embarcações de cabotagem e apoio offshore (Lei nº 14.871/2024 e Decreto nº 12.589/2025), e incluiu o regime específico do RENAVAL - destinado a desonerar atividades de construção, manutenção e modernização de embarcações - na Lei Complementar nº 214/2025, da reforma tributária.


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Para além dos benefícios tributários, cabe menção aos interessantes rearranjos que o Executivo tem promovido na regulação de financiamentos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) a fim de priorizar aportes em atividades de construção (Portaria nº 424/2024, do Ministério de Portos e Aeroportos) e de fornecer condições mais favoráveis de juros e valor total financiado às embarcações de apoio à navegação e offshore (Resolução CMN nº 5.225/2025).

Na hipótese de os estaleiros brasileiros conseguirem, a partir dessas iniciativas, ampliar sua capacidade construtiva e ofertar embarcações novas ao mercado do óleo e gás a preços atraentes – o que nos parece bastante factível –, outros players da indústria poderão ser beneficiados. É o caso dos operadores de contratos de concessão offshore, que diante da oferta acessível de embarcações nacionais, encontrarão maior facilidade para cumprir as obrigações de conteúdo local previstas em seus contratos.

Lei nº 14.871/2024 e Decreto nº 12.589/2025: segurança jurídica para embarcações de cabotagem e apoio marítimo

Em 24 de maio de 2024, foi publicada a Lei nº 14.871, que autorizou a concessão de quotas diferenciadas de depreciação acelerada a máquinas, equipamentos e instrumentos novos integrados ao ativo imobilizado para uso em certas atividades econômicas. Essas atividades seriam definidas, segundo a lei, em regulamentações posteriores.

Ciente da ausência de benefícios específicos para a construção naval de atendimento à exploração de petróleo e gás offshore, o governo estendeu o benefício da Lei nº 14.871/2024 a navios-tanque novos produzidos no Brasil, empregados exclusivamente em atividade de cabotagem de petróleo e gás e seus derivados e embarcações de apoio marítimo utilizadas para o suporte logístico e na prestação de serviços aos campos, às instalações e às plataformas offshore.

A depreciação acelerada é um mecanismo tributário que permite às empresas optantes pelo regime de lucro real deduzirem, antecipadamente, o custo de bens do ativo imobilizado na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. O resultado prático: alívio imediato do caixa, melhoria no fluxo financeiro e estímulo a novos investimentos estratégicos.

Dentre os requisitos principais para usufruto do mecanismo, destacamos a necessidade de habilitação prévia junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), e habilitação definitiva perante a Receita Federal, exigindo documentação técnica e evidência de uso.

A extensão da depreciação acelerada aos navios-tanque e embarcações de apoio logístico confere clareza e previsibilidade para os estaleiros e seus clientes, favorecendo o melhor planejamento dos investimentos (sabidamente altos) no setor.

RENAVAL: maior competitividade para a construção e manutenção naval nacional

A Lei Complementar nº 214/2025, ao regulamentar a Reforma Tributária, instituiu o RENAVAL, voltado ao fortalecimento da indústria naval no Brasil.

O novo regime prevê, entre outros incentivos, a suspensão do pagamento de IBS e CBS em operações essenciais à atividade naval. São exemplos dessas operações: o fornecimento de embarcações (registradas ou pré-registradas no REB),;E a importação e aquisição de máquinas, equipamentos e veículos destinados à incorporação ao ativo imobilizado, bem como de matérias-primas, partes e componentes necessários à construção e reparo de embarcações.

Para ter acesso ao regime, as empresas precisam estar habilitadas no Registro Especial Brasileiro (REB), ter em seu objeto social as atividades de construção, modernização, conservação e reparo de embarcações, além de estarem submetidas ao regime regular da CBS e do IBS. Esses requisitos garantem que apenas operadores devidamente formalizados usufruirão dos benefícios.

Com isso, o regime representa um importante incentivo para reduzir custos, ampliar a competitividade e impulsionar a modernização do setor naval brasileiro no contexto da reforma tributária.

Ampliação de financiamentos do Fundo da Marinha Mercante (FMM)

Desde o ano passado, a base regulatória dos financiamentos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) vem sendo ajustada para promover a construção naval por estaleiros brasileiros.

A Portaria nº 424/2024, do Ministério de Portos e Aeroportos, priorizou pedidos de financiamento de construção e reparo de embarcações por estaleiros brasileiros. Já a Resolução nº 5.225 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de junho de 2025, estabeleceu limites e juros diferenciados para embarcações de apoio marítimo e offshore, com condições mais vantajosas para itens nacionais empregados nos processos construtivos.

Na esteira dos estímulos legislativos e regulatórios, o Conselho Diretor do FMM aprovou no mês passado o financiamento de 14 novos projetos de construção naval, dentre eles o de seis navios de combate a vazamento de óleo (OSRVs), que apoiam campanhas de perfuração offshore. O total a ser financiado é de R$ 4 bilhões, elevando a R$ 28 bilhões o volume de recursos direcionados ao setor somente em 2025.

Os financiamentos do FMM têm impacto direto na geração de empregos, na expansão da capacidade produtiva dos estaleiros contemplados e na dinamização de economias regionais. Dessa forma, o Fundo atua não apenas como instrumento de financiamento, mas também como catalisador de desenvolvimento econômico e social no setor naval.

Importância no cumprimento do conteúdo local em projetos de upstream

O cumprimento das obrigações de conteúdo local trouxe e continua trazendo enormes desafios às empresas de exploração e produção offshore – mesmo após quase 18 anos de sua regulamentação (16 de novembro de 2007). Os desafios decorrem, em grande medida, da dificuldade de se contratar mão de obra, materiais, equipamentos e embarcações de origem brasileira em quantidade suficiente ao atendimento dos (elevados) índices mínimos de conteúdo local exigidos nos contratos de concessão.

Nesse contexto, muito já se discutiu sobre o protagonismo que os estaleiros brasileiros poderiam ter assumido ao longo dos anos a partir da construção de embarcações, equipamentos e qualificação de pessoal. Porém, o potencial desses empreendimentos sempre encontrou um teto, seja de ordem financeira, relacionada ao “custo Brasil” de operação de projetos e à baixa atratividade para novos investimentos, seja de ordem política, decorrente de desdobramentos de grandes operações anticorrupção.

Espera-se que, com os incentivos fiscais e linhas de financiamento específicos, esses estaleiros finalmente alcancem os níveis há muito desejados de produtividade, capacitação de mão de obra e geração de empregos. Dessa maneira, os ganhos serão duplos: maior competitividade da indústria nacional e maior efetividade no cumprimento da política de conteúdo local por parte dos concessionários dependentes dos itens nacionais. Mesmo com os avanços, há obstáculos que empresas e investidores precisam ter presentes:

• A MP de aumento da renúncia fiscal da depreciação acelerada ainda depende de aprovação final no Congresso, ou seja, está sujeita a alterações.
• O prazo legal para fins de depreciação acelerada da aquisição das embarcações (até fim de 2026) e início de operação (a partir de 2027) pode limitar projetos mais urgentes ou com cronogramas apertados.
• A habilitação aos benefícios fiscais envolve extensa análise documental e técnica, podendo gerar custos imprevistos e atrasos operacionais relevantes, sobretudo para empresas menores.
• Os financiamentos do FMM dependem da arrecadação do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), havendo, em razão disso, limitações ao volume total financiado.
• Estaleiros brasileiros ainda dependem da importação de certos equipamentos para a conclusão dos projetos, cuja disponibilidade é afetada pelo cenário geopolítico, atualmente instável devido às tarifas dos EUA.

As recentes medidas regulatórias e legislativas representam passos concretos para fortalecer o setor naval e de apoio marítimo ao petróleo e gás no Brasil, o que ganha ainda mais importância com a proximidade do início do período de transição da Reforma Tributária.

Enquanto instrumentos como o REPETRO e REPORTO já vem há muito funcionando como pilares de política de incentivo, o RENAVAL, a depreciação acelerada e as aberturas de financiamento do FMM reforçam o compromisso de induzir investimentos, estimular o cumprimento do conteúdo local e garantir segurança jurídica.

Para empresas do setor, vale avaliar cuidadosamente o planejamento de investimentos futuros nesse contexto: antecipar compras, ajustar cronograma de novos ativos, revisar contratos que envolvam navios-tanque e embarcações de apoio marítimo, e garantir que seus projetos atendam os requisitos legais para usufruir desses benefícios.

Carlos Augusto Bender e Victor LopesCarlos Augusto Bender e Victor Lopez são associados do Vieira Rezende Advogados

 

 

 

 

 

 






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