O que muda com a nova NR-1 para quem trabalha na área offshore e marítima?
Sabemos dos impactos da saúde mental para trabalhadores marítimos: são antigos conhecidos de quem passa grande parte da vida no mar. E não é só um desafio para os trabalhadores: é um desafio ainda maior para os gestores e os RHs das empresas.
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Distância da família, isolamento social, carga excessiva de trabalho e noites mal dormidas compõem um cenário desafiador que, muitas vezes, leva ao desenvolvimento de transtornos como ansiedade, estresse e depressão entre outros males.
Jornadas prolongadas, redução no número de tripulantes, instabilidade financeira e regras rígidas de disciplina criam um ambiente de constante pressão. Durante a pandemia, por exemplo, muitos marítimos ficaram meses sem poder desembarcar, agravando ainda mais o quadro de esgotamento físico e emocional.
Embora o cenário tenha evoluído com o tempo, muitos desafios persistem. O cotidiano a bordo continua marcado por espaços confinados, convivência intensa com a tripulação, privação de sono e, frequentemente, trabalho noturno e por turnos. A tudo isso, soma-se a pressão por produtividade e o cumprimento de prazos rígidos de embarque e desembarque. O resultado é um ambiente que exige atenção redobrada à saúde mental.
A crise da saúde mental no trabalho
O cenário não é exclusivo do setor marítimo. Em 2024, o Brasil registrou quase meio milhão de afastamentos por questões psicológicas, o maior número da década, segundo o Ministério da Previdência Social. Especialistas apontam a sobrecarga, os impactos da pandemia e a falta de ações preventivas como principais causas.
Diante disso, o Ministério do Trabalho atualizou a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que entra em vigor entre 2025 e 2026. Pela primeira vez, a norma inclui a obrigatoriedade de gerenciamento de riscos psicossociais no ambiente de trabalho.
Por que a NR-1 é tão relevante para o setor portuário e marítimo?
Esse setor opera em um dos ambientes mais complexos do mundo do trabalho. Alguns desafios incluem:
- Trabalho embarcado: condições adversas, turnos longos, confinamento e distância da família afetam diretamente a saúde mental e física da tripulação.
- Operações de carga e descarga: máquinas pesadas, movimentação de contêineres, uso de guindastes e empilhadeiras aumentam os riscos de acidentes.
- Condições climáticas e marítimas: a natureza é imprevisível. Ventos fortes, mar agitado e calor extremo exigem protocolos rigorosos de segurança.
- Fatores psicossociais: a pressão por produtividade, a solidão a bordo e o estresse das operações portuárias são fatores muitas vezes invisíveis, mas profundamente impactantes.
- Logística intensa e prazos apertados: o ritmo acelerado para atender rotas e contratos pode comprometer pausas, atenção e cuidados essenciais com a saúde.
O que muda com a atualização da NR-1?
Essa mudança impacta diretamente o setor portuário e aquaviário, exigindo que todas as empresas implementem um processo contínuo e sistemático de identificação, avaliação e controle de riscos ocupacionais.
A grande virada da nova NR-1 é o foco no GRO: um sistema de gestão contínua que exige das empresas uma postura mais ativa na identificação, avaliação e controle dos riscos ocupacionais.
Na área de Portos e Navios, isso significa ir muito além dos EPIs ou das inspeções pontuais: é preciso mapear perigos reais e dinâmicos e atuar antes que eles se transformem em acidentes ou doenças.
O GRO exige um ciclo constante de:
- Identificação de perigos: ruídos intensos, espaços confinados, exposição a agentes químicos, riscos de queda, choque térmico, etc.
- Avaliação de riscos: qual a probabilidade de um acidente? Qual seria o impacto?
- Controle de riscos: desde treinamento até soluções de engenharia.
- Monitoramento contínuo: o ambiente muda, os riscos também. O controle precisa acompanhar.
Com a nova NR-1, mapear e gerenciar riscos psicossociais não é mais opcional e passa a ser uma obrigação legal. As empresas do setor devem adotar medidas preventivas, educativas e de monitoramento contínuo para minimizar os impactos à saúde mental. Isso inclui treinamentos, canais de escuta, gestão humanizada e ações específicas para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores marítimos.
A norma também reforça a responsabilidade compartilhada entre operadores portuários, empregadores e administração portuária na elaboração, implementação e revisão dos programas de prevenção. A cultura organizacional precisa acompanhar essa mudança.
A vida a bordo e no ambiente portuário impõe desafios que vão muito além das condições físicas de trabalho, afetando profundamente o equilíbrio emocional dos profissionais. Garantir a saúde mental dos marítimos e portuários é um compromisso que exige atenção contínua, diálogo aberto e ações concretas.
Vera Lorenzo, CEO da Fala Company, é especialista em Coaching e Liderança, com mais de 30 anos de atuação.