Artigo - STS 10 e o corajoso despacho da Antaq

No dia 27 de maio de 2025, a ANTAQ publicou seu despacho conclusivo sobre a análise das contribuições recebidas, durante a consulta pública referente à licitação do novo terminal portuário de Santos, o STS-10, também chamado de SANTOS 10.

Trata-se de uma decisão corajosa, que reforça a independência e a transparência da agência reguladora, mesmo diante da forte pressão política e da evidente contrariedade de interesses poderosos. A ANTAQ demonstrou firmeza institucional em um tema sensível e de grande relevância para o setor portuário brasileiro.


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Em síntese, a decisão prevê que, em um primeiro momento, o processo licitatório será aberto sem a participação dos operadores portuários atualmente em atividade no Porto de Santos. Caso a licitação resulte deserta, haverá uma segunda etapa, permitindo a participação desses operadores, desde que, antes da assinatura do contrato, realizem o desinvestimento dos ativos que hoje exploram no porto.

Essa segunda etapa dialoga com a contribuição que apresentamos durante a audiência pública. No entanto, entendemos que, apesar da fundamentação apresentada no despacho, a questão concorrencial ainda poderia ser aprimorada. No nosso entendimento, considerando que os operadores incumbentes seriam obrigados a negociar e transferir suas participações atuais antes da assinatura do contrato, não haveria, de fato, no momento do início da operação do novo terminal, concentração operacional que justificasse a exclusão inicial. Isso permitiria, portanto, eliminar a primeira fase e partir diretamente para a segunda.

Além disso, considerando os elevados valores dos ativos envolvidos, seria mais razoável postergar a data-limite para o desinvestimento para, no mínimo, seis meses antes do início efetivo das operações no novo terminal. Essa flexibilização traria maior segurança jurídica e operacional a todos os envolvidos.

Nossa proposta, portanto, caminha no sentido de permitir a ampla participação de todas as entidades interessadas, desde que, no caso de vitória de um operador já atuante em Santos, haja o desinvestimento efetivo antes do início da operação do novo Terminal.

A lógica concorrencial aplicada pela ANTAQ não é nova. Situação semelhante ocorreu em 2018, durante da aquisição da Hamburg Süd pela Maersk, quando, para evitar concentração excessiva no mercado de cabotagem, a Maersk precisou se desfazer da Mercosul Line. A analogia se aplica de forma direta ao caso atual.

É importante destacar que os três maiores armadores de contêineres do mundo (MSC, Maersk e CMA CGM) vêm ampliando significativamente sua presença na operação portuária brasileira. Aquisições recentes realizadas como a da Santos Brasil (terminais em Santos, Vila do Conde e Imbituba) e da Wilson Sons (terminais em Porto Alegre, Rio Grande e Salvador) devem elevar a participação desses grupos para cerca de 65% de toda a movimentação de contêineres no Brasil (com base nas estatísticas do ILOS para o ano de 2024).

Com a entrada em operação do novo terminal de Suape e os 3,5 milhões de TEUs adicionais previstos para o STS-10, esse percentual vai facilmente superar os 70% de toda a movimentação brasileira de contêineres, o que reforça a justificativa da ANTAQ para as medidas de controle concorrencial.

Outro fator de preocupação é a tramitação do Projeto de Lei nº 733/2025, que propõe estender a duração dos contratos de arrendamento portuário para até 70 anos. Tal medida tende a agravar ainda mais o cenário de concentração, ao encarecer o valor dos investimentos e, consequentemente, restringir a participação de operadores de menor porte. Do ponto de vista da defesa da concorrência e da democratização do acesso à infraestrutura portuária, o prazo mais adequado seria de 25 anos, ao fim dos quais o contrato deveria ser encerrado e a área novamente submetida a processo licitatório. Para garantir previsibilidade e segurança jurídica, a preparação e os estudos para a nova licitação deveriam ser iniciados, no mínimo, três anos antes do término contratual.

Notar que nem estamos aqui considerando o já expressivo controle na operação de rebocadores dos três armadores, que mereceria uma análise específica em outro momento.

No campo da modelagem econômico-financeira do terminal STS 10 (ou SANTOS 10) elaborada pela Infra S/A, alguns parâmetros adotados chamam a atenção e merecem revisão. A impressão é que o projeto foi concebido de trás para frente, partindo de uma meta de movimentação final (3,5 milhões de TEUs/ano) para, então, definir as premissas técnicas e operacionais. Indicadores como a taxa de utilização de pátio projetada em 90% e um dwell time (tempo de estadia média) de 5,14 dias suscitam questionamentos quanto à viabilidade de uma operação eficiente nesses moldes.

Outros aspectos relevantes dizem respeito à situação do atual arrendatário da área (Valongo).

Um ponto específico envolve os três portêineres instalados no berço “CORTE”. Informações disponíveis indicam que a distância entre as bases de translação desses equipamentos não segue o padrão usual, dificultando sua reutilização sem obras civis de alto custo, como a instalação de um terceiro trilho de deslocamento. Considerando o estado atual e depreciação dos equipamentos, a realização de tal investimento parece economicamente inviável.

Em paralelo, chama atenção também o valor indenizatório estipulado ao atual arrendatário, fixado em R$ 307,5 milhões (cerca de US$ 56 milhões, ao câmbio atual), conforme definido no Acórdão nº 301-2022-ANTAQ.

Segundo consta, o montante refere-se à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, contemplando investimentos não amortizados em três portêineres, três RTGs, sistema operacional TOS e obras civis de reforço no cais do Valongo. A ausência de transparência, com os autos mantidos sob sigilo por razões de confidencialidade empresarial, torna imprescindível uma auditoria rigorosa desses valores, especialmente considerando que o orçamento apresentado no próprio projeto de terminal indica custo unitário de R$ 45 milhões por portêiner. Em outras palavras, o valor da indenização seria suficiente para a aquisição de sete portêineres com alcance “New Panamax”.

A decisão da ANTAQ sobre o STS-10 representa um marco importante no processo de modernização e democratização da infraestrutura portuária brasileira. A adoção de medidas para preservar a concorrência, limitar a concentração de mercado e promover a transparência regulatória são fundamentais para garantir a eficiência e a competitividade do setor. Contudo, a execução prática dessas diretrizes exigirá ajustes pontuais e um acompanhamento criterioso por parte das autoridades competentes. O equilíbrio entre segurança jurídica, atratividade ao investimento e defesa da concorrência será decisivo para o sucesso deste projeto estratégico para o Brasil.

Valter Branco é engenheiro, consultor, possui MBA em Comercio Exterior e Finanças Internacionais, com mais de 30 anos de experiência em navegação, comércio exterior e logística multimodal.

 

 






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