Artigo - Energia e o Porto de Santos

Ainda poucos portos do mundo possuem capacidade para abastecer de energia elétrica as embarcações neles atracadas (OPS - Onshore Power Supply), seja de forma geral, caso dos Portos de Los Angeles e Long Beach, seja específico para navios de cruzeiro, os que mais consomem, tendo como exemplo o Porto de Gênova. No Brasil, segundo o Índice de Desempenho Ambiental (IDA), da Antaq, em 2021 apenas o Porto Fluvial de Pelotas dispunha de OPS, sendo que há registro desse recurso em TUPs, mas apenas para barcaças fluviais e oceânicas não autopropelidas.

Para ser considerado um green port (porto verde), a disponibilização de OPS é basilar, pois reduz ou elimina a necessidade de utilização de motores movidos a combustíveis fósseis, quando atracados. Há uma tendência mundial à utilização de combustíveis a base de hidrogênio, mas isso é uma expectativa de médio e longo prazo. Ao que consta, o navio francês Energy Observer é o primeiro navio oceânico movido a hidrogênio verde no mundo. Se bem que o correto seria dizer movido a hidrogênio. O "verde" seria por conta do processo de obtenção do hidrogênio.

Também consta que há uma barcaça operando no Rio Sena, cujo projeto foi desenvolvido pela empresa francesa Compagnie Fluvial de Transport (CFT).
E existem várias cores para definir a obtenção do hidrogênio. As informações resumidas a seguir foram obtidas no sítio ecicle.

hidrogênio preto é produzido a partir do carvão mineral antracito. O carvão antracito é um tipo bastante denso e com uma quantidade elevada de carbono. Ele é considerado o mais puro e possui o maior poder de geração de calor entre os diferentes tipos de carvão. O dióxido de carbono produzido é liberado na atmosfera, tornando ele uma fonte poluidora de energia.

hidrogênio marrom é semelhante ao hidrogênio preto, se diferenciando pelo tipo de carvão do qual o H2 é extraído. Neste caso, a matéria-prima para produção do hidrogênio é o carvão mineral hulha, um tipo menos denso e com menor teor de carbono em sua composição em comparação ao seu correspondente do tipo antracito.

O hidrogênio cinza é conhecido como o tipo mais produzido atualmente, é originado da Reforma a Vapor do Gás Natural, ou Steam Methane Reforming (SMR), em inglês. Neste processo, ocorre a reação de metano (CH4) com vapor de água (H2O) em alta temperatura e pressão, gerando gás hidrogênio (H2) e dióxido de carbono (CO2). Assim como para o hidrogênio preto e marrom, o carbono gerado pela reforma é liberado na atmosfera, o que torna o procedimento uma fonte de poluição.

hidrogênio azul é produzido utilizando-se a mesma tecnologia para o hidrogênio cinza, a Reforma a Vapor do Gás Natural. A diferença está na destinação que é dada ao CO2 produzido pela reforma. Neste caso, o carbono é capturado, podendo ser utilizado por diferentes indústrias ou armazenado em reservatórios geológicos, como bacias sedimentares. O nome dado às tecnologias de processamento do CO2 é Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono, ou Carbon Capture, Utilisation and Storage (CCUS) em inglês.

hidrogênio turquesa é produzido por um processo chamado pirólise. Nele, o gás natural é submetido a altas temperaturas, ocorrendo a produção de H2 e carbono em estado sólido (Cs) que pode ser utilizado por diferentes processos industriais. Como não há a geração de dióxido de carbono (CO2), este processo se torna mais amigável ao meio ambiente do que a reforma a vapor. Por outro lado, o hidrogênio só é considerado turquesa quando a energia utilizada na pirólise é de fontes renováveis, como solar e eólica.

A produção do hidrogênio verde é feita a partir da eletrólise da água. Esse processo utiliza eletricidade para separar a água (H2O) em moléculas de hidrogênio (H2) e de oxigênio (O2). Isso é feito colocando-se dois eletrodos na água e aplicando uma corrente elétrica proveniente de fontes de energia renováveis, como energia hidráulica, solar e eólica. Este tipo de hidrogênio vem ganhando cada vez mais relevância para as pesquisas científicas voltadas à produção de energia sustentável, uma vez que pode ser considerado uma fonte de energia de baixo carbono. Sua utilização em complemento às células a combustível é um caminho promissor para a geração de energia limpa.

hidrogênio musgo é produzido por meio de biomassa ou biocombustíveis, utilizando-se processos como a gaseificação, biodigestão anaeróbia e reformas catalíticas, é classificado como hidrogênio musgo. Nestes processos de produção, não há a necessidade de utilização de CCUS para o CO2 produzido, mas é preferível tendo em vista as mudanças climáticas atuais. A vantagem deste tipo de hidrogênio está na possibilidade de geração de carbono nulo ou negativo, pois as plantas que fornecem a biomassa para os processos são capazes de capturar CO2 da atmosfera em uma quantidade maior do que é gerado na produção do hidrogênio musgo.

Hidrogênio branco
hidrogênio branco é referente ao hidrogênio geológico ou natural, ou seja, extraído diretamente da natureza. Ele é raro de se encontrar e não há viabilidade em sua exploração atualmente.

hidrogênio rosa é produzido por eletrólise da água com fonte de energia nuclear. Como não há carbono na água e a energia nuclear gera pouco carbono em sua cadeia de produção, esta rota tecnológica vem sendo discutida de forma crescente.

hidrogênio amarelo é aquele obtido exclusivamente com energia solar, ou seja, é uma variação do hidrogênio verde.

No entanto, é importante ressaltar que o hidrogênio é um combustível altamente inflamável, que exige cuidados em sua utilização. Considerando as críticas de alguns setores em relação à unidade de regaseificação em processo de instalação no Canal do Estuário, navios movidos a hidrogênio talvez também sejam taxados de "navios-bomba".

No caso do Porto de Santos, a Autoridade Portuária pretende produzir hidrogênio verde a partir da Usina Hidrelétrica de Itatinga mediante parceria público-privada (PPP), com lançamento do edital em 2024. Do ponto de vista de instalações terrestres, a Usina de Itatinga tem capacidade limitada de abastecimento, complementada pelo fornecimento de energia elétrica com concessionária. Terminais como o da Santos Brasil, buscam ampliar a utilização de energia elétrica em suas operações, tanto que recentemente recebeu novos STSs e RTGs com esse objetivo.

Não deve ser diferente com outros terminais, e tudo isso contribuirá para a redução de emissões de gases de efeito estufa nas operações portuárias terrestres.
Esse controle de emissões, aliás, já está sendo realizado pela Autoridade Portuária de Santos, e permitira aferir com acuidade a qualidade do ar na região do Porto Organizado de Santos e áreas urbanas limítrofes. Afinal, sintetizando a frase atribuída a William Deming: o que não se mede não se gerencia.

Independentemente da origem da fonte de energia elétrica a ser utilizada para disponibilização de OPS nos portos - e pode ser qualquer uma -, há que se considerar as perspectivas mais imediatas:

Navios de grande porte já estão sendo produzidos para operarem com Gás Natural Liquefeito (também utilizada para a produção do hidrogênio cinza). Também está sendo avaliada a utilização de metanol, que também é produzido a partir da síntese do GNL.

O metanol tem a seguinte fórmula química: CH3OH ou CH4O, enquanto a do etanol é: C₂H₆O, um átomo a mais de carbono, e dois a mais de hidrogênio, mas não consta, ainda, que o etanol esteja nesse escopo. Talvez se o Brasil procurasse se especializar na produção de motores navais utilizando esse combustível, seria mais uma alternativa no processo de redução de emissões de GEE. Sobre isso, químicos e engenheiros químicos poderão discorrer com propriedade.

Para se ter uma ideia, o bunker produzido pela Petrobras é do tipo VLSFO (Very Low Sulfur Fuel Oil) e o óleo diesel marítimo, denominado MGO (Marine Gasoil) Petrobras. A empresa também vem testando a adição de 24% de biodiesel no bunker. Esses combustíveis além de emitir CO2, também emitem compostos de enxofre. Existem compromissos firmados perante a IMO para redução das emissões desses compostos.

Ainda há poucos exemplares de navios movidos de grande porte movidos a energia eólica ou fotovoltaica, geralmente como meios complementares aos motores convencionais. Ainda há muito o que aprimorar nesse tipo de propulsão. Voltando ao OPS, qualquer energia elétrica poderia ser utilizada, desde haja capacidade suficiente para atender todos os berços, o que pode ser disponibilizado progressivamente, e que isso não implique em majoração significativa os custos operacionais, prejudicando a competitividade do porto.

A Autoridade Portuária de Santos dispõe de estudos nesse sentido, que incluem o hidrogênio verde de Itatinga, a potencial utilização do GNL a partir do futuro terminal da Compass, parque eólico e dispositivos fotovoltaicos. Pode ser um mix de várias fontes o que, aliás, é recomendável. No caso de uma usina movida a GNL, há que se considerar a resistência de certos setores da sociedade organizada, que já prejudicaram iniciativas anteriores de implantação desse tipo de equipamento, com o apoio do Ministério Público.

Como visto, alternativas existem que podem atender à demanda por energia elétrica de terminais e embarcações no Porto de Santos. Mas creio que seria interessante obter respostas para as seguintes perguntas:

A RPBC dispõe da Usina Termelétrica Euzébio Rocha, movida a gás natural, desde 2010. Em 2021, a Petrobras passou a fornecer energia ao sistema nacional. Essa usina não poderia ter uma cota destinada especificamente para o Porto de Santos, como se fosse uma concessionária do tipo CPFL e Elektro?

Mais especificamente no âmbito da energia hidroelétrica, as Usinas do complexo Henry Borden, em Cubatão, possuem capacidade de gerar 899 MW. Porém, desde 1992 sua capacidade operacional foi reduzida para 200 MW, em função do acúmulo de poluição na Represa Billings. Seria possível voltar a operar a Usina Henry Borden a plena carga, ou, ao menos, ampliar sua geração atual para níveis que comportem o aumento de demanda do Porto de Santos?

Em suma, a questão energética e sua relação com o desenvolvimento sustentado são pautas prementes, lembrando que a questão ambiental não pode desconsiderar fatores econômicos (o sistema portuário brasileiro é responsável por cerca de 95% de nossa corrente comercial, tendo o Porto de Santos como protagonista) e sociais (além de importante gerador de empregos diretos e indiretos, o complexo portuário também gera receitas necessárias para que os municípios mantenham, aprimorem e expandam a oferta de serviços públicos que contribuem para a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes).

É importante esclarecer que o presente artigo não tem caráter de produção científica, restringindo-se a considerações genáricas sobre cenários e possibilidades.

adilson-luiz.jpgAdilson Luiz Gonçalves é engenheiro, pesquisador universitário, escritor e membro da Academia Santista de Letras

 

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