Artigo - Foi dada a largada!

A despeito de muitas dúvidas, questionamentos e, até mesmo, quebrando paradigmas, o leilão de privatização dos Portos de Vitória e Barra do Riacho aconteceu no último dia 30 de março e surpreendeu pelo perfil dos dois grupos que disputaram, real a real, a concessão. Trata-se de dois fundos de investimento. O vencedor foi o Fundo de Investimentos Shelf 119 Multiestratégia, administrado pela Quadra Capital, e o outro participante foi o Consorcio Beira Mar, composto pela Vinci Partners e  Serveng Civilsan.

A Quadra Capital tem R$ 6 bilhões sob sua gestão, com recursos majoritariamente de investidores nacionais qualificados. Sabe-se que eles já teriam acordos com parceiros operacionais para tocar o porto e, além dos R$ 106 milhões a serem pagos pela outorga, eles terão que desembolsar R$ 327 milhões pela compra das ações da Codesa, hoje em mãos do governo federal, mais 25 parcelas anuais de outorga no valor de R$ 24,7 milhões a partir do 6º ano do contrato, mais 7,5% de remuneração variável por mês sobre a receita bruta. O BNDES estima que haverá ao longo do contrato um desembolso de R$ 335 milhões em obras e um gasto de R$ 520 milhões em manutenção.

Toda a modelagem foi pautada em três premissas: redução de custos, crescimento de movimentação e a adoção de um modelo mais flexível para a gestão e o planejamento do porto. O modelo, chamado de “Private Landlord“, oferece  autonomia ao novo administrador do porto para negociações junto a terminais e demais clientes, mas ainda sob a regulação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
O planejamento do porto poderá ser revisto e proposto diretamente pelo novo administrador, mas deverá passar pelo crivo do Ministério da Infraestrutura. O contrato também estabelece tarifa-teto com limites máximos de dispersão para acessos aquaviário e terrestre e supervisão sobre demais tarifas, além de mediação da agência em caso de discordância entre as partes.

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A forma tranquila com que transcorreu esse primeiro leilão sugere que o processo foi conduzido de maneira bastante criteriosa e detalhada tanto por parte do Minfra quanto do BNDES, responsável pela modelagem. Ainda assim as regras de transição e a adaptação dos contratos dos terminais privados que já operam no porto permanecem pouco acessíveis e, além disso, será preciso observar como um fundo de investimentos equilibrará o Capex/Opex do porto com os objetivos de rentabilidade dos seus cotistas.

Enfim, o bom resultado desse leilão pode sinalizar um caminho mais suave para os próximos: Santos, Itajaí e São Sebastião.
Em final de mandato, o Governo Federal tem pressa para concluir esses processos ainda esse ano, muito embora, na visão de muitos especialistas, a possibilidade de concluir o processo de Santos em 2022 seja bastante remota, dada a complexidade, o tamanho do porto e a plêiade de stakeholders envolvidos.

Com o prazo das audiências públicas encerrado, após breve extensão, o processo ainda deverá ser encaminhado para análise do TCU, onde dificilmente terá um tramite rápido, por melhor que esteja a modelagem, justamente em razão do tamanho e complexidade do porto. Mesmo assim o governo trabalha com a hipótese de ter o edital liberado para publicação pela Corte de Contas até novembro e o leilão levado a cabo até o final do ano, ficando a assinatura do contrato para os primeiros meses de 2023. Ou seja, apesar da ainda desafiadora jornada a ser cumprida, permeada pelas eleições em outubro, tudo indica que o rumo e ritmo desse processo dependerá muito do resultado das eleições presidenciais e um possível segundo turno no dia 30 de outubro.

Por outro lado, os leilões de São Sebastião e Itajaí têm mais possibilidade de ocorrer, tendo em vista que o primeiro trata-se de um processo mais simples, dado seu pequeno porte (sequer há na modelagem exigência de investimentos obrigatórios) e “baixo” valor mínimo de outorga de R$ 33 milhões. Já o segundo é mais complexo, uma vez que demandará vultuosos investimentos (R$ 2,8 bilhões). Ao contrário de Vitória e Santos, que preveem a venda das respectivas companhias docas e atuação como Autoridade Portuária, sem direito a exploração direta da operação, o modelo para esses dois é de concessão da Autoridade Portuária e exploração da operação por prazo determinado.

A audiência pública de São Sebastião já foi encerrada, enquanto Itajaí teve o fim da última audiência (iniciada no dia 7 de abril) adiada para o dia 13/04 devido à grande quantidade de manifestações inscritas para falar.

Essa audiência em Itajaí abriu com uma apresentação detalhada do projeto demonstrando a complexa equação entre os volumes da região, alta competição e área restrita a ser concedida para operação. Indubitavelmente a modelagem feita pela EPL teve sempre como benchmark os TUPs que operam na mesma área de influência — Portonave e Itapoá. O projeto contempla aumento da prancha operacional para 126 unidades/hora, ampliação da capacidade estática de armazenagem para 37.152 TEUs e uma capacidade operacional do terminal de 1,2 milhão TEUs/ano.

Para tanto, o concessionário deverá dragar o canal e bacias de evolução para um calado operacional de 14,5m, adequando também o molhe norte para possibilitar o acesso de navios com 366m de LOA, passando posteriormente para 400m. O contrato será de 35 anos, com possibilidade de extensão até um total de 70 anos. Para isso estão previstos investimentos de R$ 2,833 bilhões ao longo do contrato, dos quais R$ 920 milhões nos primeiros três anos. Além disso, haverá o pagamento inicial da outorga de R$ 603 milhões, contribuição variável de R$ 52,72 por TEU e uma contribuição fixa de R$ 35.876 milhões do 6º ao 30º ano da concessão, e o pagamento de uma taxa de fiscalização para a ANTAQ. Haverá ainda a obrigação de indenizar o atual arrendatário pelos ativos e pelo reequilíbrio do contrato ainda pendente em seu favor.

Uma das inovações do modelo desenhado para Itajaí é que todos os pagamentos (exceto a taxa da ANTAQ) não irão para o caixa da União, mas serão depositados numa conta vinculada cujos recursos poderão ser utilizados para os seguintes fins: novos investimentos fora do porto; danos causados por intempéries; reequilíbrio do contrato.

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Uma das grandes preocupações dos envolvidos sempre foi como compatibilizar a atuação como Administrador do Porto e, consequentemente, a gestão dos acessos aquaviários com sua atuação como operador portuário, potencial concorrente de outros usuários da hidrovia e, para tanto, vários mecanismos de mitigação estão previstos no contrato. O concessionário deverá, por exemplo, criar inicialmente uma subsidiária integral para a gestão do acesso aquaviário, distinta da operação portuária. Ou seja, serão duas unidades de negócio: operação portuária e gestão do canal. Outro mecanismo é a chamada “proposta apoiada” em que para eventuais alterações na  tarifação, indicadores de desempenho ou novos investimentos de acesso aquaviário, todos os stakeholders deverão ser chamados  para discutir essa proposta com o concessionário antes de levá-la ao órgão regulador, permitindo ampla participação de todos os interessados. Outros mecanismos serão a proibição de tratamento discriminatório, uma matriz de riscos equilibrada e regras para gestão do acesso aquaviário. Será também instituído um comitê de resolução de disputas.

O cronograma prevê o encerramento da fase de recebimento de contribuições dia 15 de abril, após o que o projeto será encaminhado para apreciação do TCU, com publicação do edital prevista para setembro, leilão em dezembro e assinatura do contrato em março de 2023. Como o contrato de arrendamento com a APM encerra-se em dezembro desse ano e o convênio de delegação à Prefeitura de Itajaí encerra-se em janeiro de 2023, o Minfra estuda mecanismos de transição, prorrogando ambos o tempo necessário até que o novo concessionário efetivamente assuma o porto, para que não haja descontinuidade da operação.

Resta esperar que haja grupos interessados nessa concessão, com apetite para investir o que está sendo demandado.

O que está claro é que a largada foi dada para uma nova era do sistema portuário brasileiro, com uma crescente percepção da sociedade que o modelo de gestão estatal não cabe mais, seja pela ingerência política, seja pela falta de recursos. A velocidade do processo poderá ser impactada pelo resultado das urnas, mas parece-nos um caminho sem volta.

Robert GranthamRobert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence



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