O agronegócio e os leilões dos portos

A crise desencadeada pela pandemia de Covid-19 tem comprovado uma virtude de nossa pauta comercial que, paradoxalmente, também está atrelada a uma desvantagem comparativa, em termos econômicos. A ênfase na exportação de commodities agrícolas, tendo em vista, por um lado, a eficiência de nosso agronegócio, e de outro, a perda de competitividade de nosso parque industrial, tem permitido ao país não apenas registrar superávits comerciais recorrentes, como minorar os impactos da pandemia sobre a economia em geral e sobre a atividade portuária, em particular. Produtos industrializados têm maior valor agregado, mas são menos demandados em momentos de crise.

Nunca se deixou de louvar o agronegócio brasileiro, reconhecendo o seu vigor, mas há anos lamentamos – e com razão – a defasagem e a perda de espaço competitivo de nosso parque industrial, processo que se agrava com a atual crise. O fato é que, neste momento, o perfil de nosso comércio exterior, ancorado no agronegócio, constitui uma proteção contra uma deterioração ainda maior da atividade econômica. Isso pela razão óbvia de que a demanda por alimentos, mesmo em momentos de forte retração global, como a que enfrentamos hoje, é menos elástica do que a de automóveis, eletroeletrônicos ou mesmo vestuário.

Graças às exportações do agronegócio, a crise tem tido um impacto menor sobre a cadeia logística portuária, ao contrário do que ocorre nos segmentos rodoviários e, principalmente, aeroportuário, no qual o movimento caiu mais de 90%, com previsão de recuperação plena somente a partir de 2022, de acordo com a IATA, a associação mundial do setor. Terminais portuários e retroportuários, assim como empresas de navegação, ainda têm conseguido manter elevado grau de atividade e ocupação. O Porto de Santos, maior do país e da América Latina, bateu recorde em sua movimentação mensal, com 13,4 milhões de toneladas em abril, 5% superior ao recorde mensal anterior, de outubro de 2019, e 26,8% acima do mesmo mês do ano passado. O complexo portuário de Itajaí (SC) também registrou crescimento de 10% no volume movimentado no mês passado, algo que tem se repetido em outros portos do país.

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Em algum momento, esses movimentos sofrerão um reflexo maior da pandemia, mas ainda assim em grau menor do que outros segmentos. Ressalte-se que mais de 90% do comércio exterior brasileiro passam pelos portos. O diferencial da cadeia de exportação do agronegócio é tão significativo que o governo federal decidiu manter o calendário de leilão de terminais portuários (e também de aeroportuários e rodovias, por absoluta necessidade) previsto para este ano, embora tenha suspendido os de energia e de óleo e gás, esse último fortemente prejudicado pela vertiginosa queda das cotações de petróleo. Os leilões de portos e aeroportos deverão significar, numa estimativa conservadora, investimentos de R$ 24 bilhões nos próximos quatro anos.

Conta a favor desse programa de licitações a disposição dos investidores nacionais e estrangeiros em usar seus recursos em projetos de longo prazo, menos vulneráveis às oscilações conjunturais, numa crença, justificável, de que a globalização é irreversível e o mundo terá que voltar a crescer no day after da pandemia. Otimismo? Sim, mas não se paga nada por ele e, por outro lado, o pessimismo em nada ajudaria. Vale dizer que a inação governamental, neste momento, só agravaria nossos problemas.

Reforçam o olhar mais positivo para o horizonte a decisão de permitir maior participação de empresas financeiras nos leilões e a melhora na estabilidade de regras regulatórias atinentes aos portos. Insere-se nesse contexto, em especial, o recente reconhecimento, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), da legitimidade da cobrança da taxa de movimentação dos contêineres dos terminais portuários para os retroportuários (a chamada SSE), em consonância com resolução anterior da agência reguladora (Antaq). A decisão, depois de muitos anos de disputas judiciais sobre a questão, certamente trará maior segurança jurídica para o setor, o que estimula os investimentos.

Os dados que ilustram o desempenho do comércio exterior e dos portos, referido de início, são consistentes. Nos quatro primeiros meses do ano, o superávit no comércio marítimo foi de US$ 19,7 bilhões, segundo a ATP – Associação dos Terminais Portuários Privados. O resultado foi 14,56% superior ao verificado no mesmo período do ano passado. O paulatino reaquecimento da economia chinesa, nosso maior importador, tem sido um grande aliado. Os dados seguem favoráveis em maio. Nas duas primeiras semanas do mês, o saldo da balança ficou positivo em US$ 3,676 bilhões, com exportações de US$ 9,674 bilhões e importações US$ 5,998 bilhões. É claro que a queda das importações, dada a retração interna, e a alta do dólar também contribuem para o desempenho. No ano, as exportações totalizam US$ 77,035 bilhões e as importações, US$ 61,559 bilhões, com saldo positivo de US$ 15,477 bilhões.

Em meio à retração do comércio global, que poderá ser da ordem de 30% em 2020, de acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC), o agronegócio é uma âncora que impede que os impactos da pandemia sobre a economia brasileira sejam ainda piores. Sem exageros, é um dos fatores que permitirão a retomada do crescimento, juntamente com os segmentos de infraestrutura portuária e de transporte marítimo. O que se espera é que, dessa retomada, ressurja também um setor industrial mais eficiente, competitivo e dinâmico, que possa contribuir, juntamente com o agronegócio, para o fortalecimento do comércio exterior e o desenvolvimento brasileiro.

nilson-melloNilson Mello é advogado, jornalista, sócio-diretor da Meta Consultoria e Comunicação e do Ferreira de Mello Advocacia



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