A 83ª sessão do Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho (MEPC 83) da Organização Marítima Internacional (IMO), realizada em abril de 2025, aprovou o texto para o “IMO Net-Zero Framework“, o que foi considerado um marco histórico, pois combinará limites mandatórios para emissão de GEE (gases efeito estufa) e um mecanismo de precificação global obrigatório para todo um setor. Por se tratar de um dos dois únicos setores, juntamente com o aéreo, que transitam por sobre as fronteiras nacionais dos países, as medidas de controle das emissões de GEE são mais complexas e demandam uma ação integrada.
Essas medidas deverão ser formalmente aprovadas em outubro desse ano em uma sessão extraordinária da IMO, para entrar em vigor em 2027, e serão mandatórias para navios acima de 5.000 toneladas brutas.
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Nem tudo, porém, são flores. Um eminente analista classificou o resultado da reunião como “bittersweet”, pois apesar dos avanços notáveis permanecem divergências entre os Estados-membro.
Países desenvolvidos e com maior capacidade tecnológica pressionaram por metas ambiciosas e mecanismos financeiros capazes de acelerar a transição para os combustíveis de baixo carbono, enquanto os países produtores e exportadores de combustíveis fosseis levantaram a preocupação que as novas regras possam prejudicar suas economias e criar barreiras comerciais.
As pequenas nações insulares do Pacífico, com sua existência fortemente ameaçada pela elevação do nível dos mares, propuseram uma taxa de carbono no valor de USD 150 por tonelada de CO2, que foi rejeitada pela maioria por seu alto valor.
E como era de esperar, com o atual cenário, os Estados Unidos não se fizeram presentes, mas enviaram uma carta em que se opõem totalmente à pretendida taxa de carbono sobre os navios de bandeira americana, ameaçando impor tarifas retaliatórias caso a taxação seja efetivamente aplicada.
Caso os leitores desejem conhecer um resumo completo da 83ª sessão da MPEC, recomendamos o site da IMO https://www.imo.org/en/MediaCentre/PressBriefings/pages/IMO-approves-netzero-regulations.aspx
O Brasil teve atuação destacada, com uma delegação numerosa que incluiu a ANTAQ, Marinha, MRE e especialistas das áreas ambiental, marítima, industrial e acadêmica.
A delegação brasileira defendeu um modelo de precificação de carbono mais flexível, baseado na intensidade das emissões, em oposição à taxação linear por tonelada emitida proposta por alguns países europeus. Essa abordagem visa evitar penalizações desproporcionais a países exportadores de commodities a longas distâncias, como o Brasil, cujos navios graneleiros poderiam ser mais impactados por uma taxação uniforme.
Além disso, alguns países em desenvolvimento, principalmente africanos, manifestaram preocupação de que uma taxa global sobre as emissões marítimas possa resultar em aumento nos custos de transporte que poderiam, por sua vez, afetar negativamente a acessibilidade e disponibilidade de alimentos e insumos agrícolas essenciais, impactando a segurança alimentar dessas nações.
Em resposta a essas preocupações, a assembleia manifestou disposição em promover estudos adicionais, de caráter qualitativo e quantitativo, com o objetivo de avaliar os impactos potenciais das medidas propostas sobre a segurança alimentar da população, especialmente os países em desenvolvimento com déficit alimentar.
No que tange a transição energética, a delegação brasileira enfatizou que deve ser conduzida de forma justa, respeitando as diferentes capacidades técnicas e econômicas entre os países, particularmente os países em desenvolvimento, e enfatizou a importância dos biocombustíveis como um combustível viável e sustentável, posicionando-se contra qualquer discriminação a esse insumo nas próximas regulamentações, já que alguns países alegam que sua utilização poderia vir em detrimento da produção de alimentos, o que não se sustenta, na afirmação da agência Eixos: “A produção de biocombustíveis no Brasil não tem prejudicado a produção de alimentos. Pelo contrário, o setor agrícola tem demonstrado capacidade de crescimento e diversificação, atendendo tanto à demanda energética quanto a alimentar”.
No Brasil, apesar do forte avanço da cabotagem nos últimos anos, a matriz de transporte ainda é fortemente concentrada no modal rodoviário, que responde por 65% da carga transportada, enquanto a cabotagem é responsável por 12%, apesar das suas inúmeras vantagens, tanto em custos, como segurança e menor impacto ao meio ambiente.
Como essas medidas da IMO se aplicarão a todos os navios acima de 5 mil toneladas de porte bruto, independentemente do tráfego, se longo curso ou cabotagem, a ABAC (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem) levantou alguns pontos muito relevantes, pois como o setor rodoviário não tem um órgão global regulador, como a navegação e a aviação, a aplicação da taxa de carbono à cabotagem, com consequente aumento no custo do frete marítimo, poderá incentivar alguns embarcadores a retomar embarques em caminhões, anulando qualquer efeito positivo no controle das emissões dos navios e pondo a perder, pelo menos em parte, os avanços conquistados por esse modal nos últimos anos.
Num tom bastante pessimista, o consultor Pierre Aury chama a atenção que “provavelmente não seremos capazes de abastecer um número significativo de navios seja lá com o combustível alternativo que for com a rapidez necessária e, portanto, qualquer que seja o nível e a fórmula, o novo imposto sobre combustíveis só levará a um frete mais caro e não à descarbonização efetiva. Esse custo extra gerará algumas melhorias marginais de eficiência que, aliás, provavelmente serão anuladas pelo crescimento da frota”
Apesar dessa visão negativa, é inquestionável que o setor, como poucos, avança, com disposição e senso de responsabilidade ambiental, como demonstra a evolução das medidas no infográfico abaixo:
Portanto a navegação está dando sua contribuição na melhoria das condições de habitabilidade de nosso pequeno/grande planeta, e cabe-nos não apenas acompanhar as medidas, como apoiá-las com contribuições construtivas afim de avançar, eliminando as diferenças e construindo consensos técnicos e econômicos.
Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence Specialists