Relevância da interdisciplinaridade para o desenvolvimento portuário (Parte 1)

A insegurança jurídica e a judicialização existentes em procedimentos de competência do Poder Executivo é grande, assim como os prejuízos decorrentes de tais problemas. No setor portuário não é diferente. Os inúmeros procedimentos exigidos pelo marco regulatório exigem expertise e diversidade de profissionais para que o seu gerenciamento seja mais eficaz.

Não há como relatar aqui a variedade de exigências e medidas administrativas que envolvem um empreendimento portuário, mas, dentre dezenas de outras, citarei somente uma ação civil pública do MPF, cujo objeto é embargar um licenciamento ambiental de terminal, porque sem “estudo e avaliação de componente indígena”, vejamos:

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de TGB - Terminal Graneleiro da Babitonga S.A., da Fundação Nacional do Índio - FUNAI e da Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina - FATMA objetivando declaração de nulidade do processo de licenciamento ambiental do TGB - Terminal Graneleiro da Babitonga S.A, da licença prévia expedida e dos demais atos que vierem a ser praticados, bem como que se determine aos réus que realizem estudo e avaliação do componente indígena do licenciamento, com integral observância das disposições da Instrução Normativa n.º 02, de 27/03/2015, da FUNAI. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 5010879-35.2015.4.04.7201/SC)

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Nesse sentido, é possível executar um projeto somente de forma monodisciplinar ou multidisciplinar (várias disciplinas, mas sem relação entre si)? Qual o papel de antropólogos (como no caso acima), engenheiros, administradores, biólogos, economistas e advogados para a execução de um empreendimento portuário? É possível um diálogo entre os mesmos, por meio de melhor gerenciamento entre equipes com profissionais diversos? Há uma zona de contato entre ciências distintas?Acredito que sim.

E no que tange ao cumprimento de normas, controles internos e externos, além das políticas e diretrizes estabelecidas para o negócio portuário? Como assegurar que o terminal portuário cumpra todas as normas, dentro dos padrões exigidos pelos diversos órgãos, inclusive nas esferas trabalhista, fiscal, contábil, financeira, ambiental, jurídica e previdenciária (compliance)? Ressalto que tais exigências, às vezes, são feitas por mais de um órgão de uma esfera de governo, bem como por mais de uma esfera de governo (estadual e municipal).

Na lição do engenheiro Paulo Corsi, um dos melhores gestores do setor, com mais de vinte anos de vivência profissional atuando como principal executivo de terminais públicos e privados, dentre os quais os portos de São Francisco do Sul, São Sebastião e EADI Portobello:

“os sistemas portuários constituem um sistema complexo e como tal exigem uma atenção interdisciplinar. Até mesmo as soluções de engenharia, na busca da solução ótima em termos de infraestrutura e layout a que o terminal está sujeito, como o contrato de delegação, licença ambiental e condicionantes do alfandegamento. Além disso, as soluções encontradas devem ter a máxima aderência à realidade e às necessidades de um mercado cada vez mais competitivo.”

A insegurança jurídica ainda é um dos principais problemas que afetam os investimentos privados, especialmente, setores com grande quantidade de órgãos reguladores,muitas vezes comandados por cargos comissionados sem aderência às especificidades e pouca permanência no cargo, em diversos níveis de governo (federal, estadual e municipal), como é o portuário, e que gera conflitos que exigem solução interdisciplinar que, muitas vezes, são judicializados.

Nesse passo, como aguardar quinze anos para que um processo envolvendo um arrendatário e a autoridade (marítima, portuária ou aduaneira) transite em julgado (não tenha mais recurso)? Como permitir uma série de recursos judiciais que fazem com que uma ação contra a União Federal tenha solução e, muitas vezes, por falta de expertise do julgador e dos advogados, não soluciona o conflito de forma adequada?

Por tais motivos, este artigo, em breves notas, em duas partes, pretende contribuir para reduzir tal problema, através de algumas notas sobre a relevância da interdisciplinaridade e dos métodos adequados de solução de conflitos para o desenvolvimento do setor portuário.

Desde a edição do Decreto n. 6.620/2008, pela extinta SEP, os investidores privados do setor portuário lutaram muito para que houvesse a revogação da exigência de carga própria para que pudessem explorar as suas atividades fora do porto organizado. Tal vitória se deu com a edição da Lei dos Portos e do seu Decreto regulamentador (n. 8.033/2014), que criou externalidades negativas e a judicialização do problema no STF, por meio da ADPF n. 139 que depois foi arquivada por perda do objeto.

Nesse ambiente, inclusive com tendência à oligopolização ou duplicação da monopolização (tal como no segmento de contêineres nos portos de Salvador, com ampliação de área sem licitação, e Rio Grande), segundo o relatório do Centro de Estudos de Regulação de Mercados da Unb, onde são grandes as barreiras de entrada criadas pelos incumbentes em relação aos novos entrantes, especialmente os novos TUPs, é importante que o investidor ou gestor privado de terminal de uso privado conte com assessoria interdisciplinar.

Aliás, o aumento da concentração das megacarriers com a compra da Hamburg Sud pela Maersk, bem como alianças entre as três grandes (CMA-CGM e MSC), e a verticalização de terminais portuários, coloca os investidores de TUPs ainda em situação de maior fragilidade, vem que inexiste uma política de defesa da concorrência no setor, que deveria ser liderada pela Antaq.

Sobre o tema, com ênfase no setor portuário, recomendo a leitura do artigo de minha autoria Defesa da Concorrência na Nova Lei dos Portos, publicado na Revista de Defesa da Concorrência, vol. 4, n. 2, do CADE, em novembro de 2016. Disponível em: http://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/article/view/266/147

Atuando de forma interdisciplinar, os investidores privados estarão mais preparados para uma operação mais segura no setor, tendo em vista que a solução ótima reside em mais de uma disciplina (engenharia, economia, administração, biologia, oceanografia e direito, por exemplo).

Isto se dá porque a interdisciplinaridade adota uma perspectiva teórico-metodológica comum para as disciplinas envolvidas (diversa da multidisciplinar, onde não essa perspectiva comum), e promove a integração dos resultados obtidos e busca a solução dos problemas através de articulação das diversas áreas de conhecimento, e mantém os interesses próprios de cada disciplina.

A experiência de mais de trinta anos atuando no setor, no mercado e na academia, com profissionais de formações diversas, mostra que a atuação sem a interdisciplinaridade em projetos portuários aumenta os custos de transação e a insegurança jurídica, bem como permite a retenção de ativos que poderiam ser usados no investimento da empresa.

Muitas vezes, a busca por uma solução judicial provoca danos, tendo em vista o duplo grau de jurisdição, e a exigência de decisão complexa e técnica, envolvendo meio ambiente, Direito Marítimo, Direito Portuário, Direito Regulatório, economia portuária, shipping e Engenharia, para citar algumas disciplinas, com forte impacto na receita da empresa,vez que tais temas fogem à formação jurídica tradicional do magistrado.

Menciono, ainda, que terminais privados, localizados fora do porto organizado, que prestam serviço portuário por meio de outorga de autorização, necessitam, dependendo do caso, de uma análise comparativa entre Planos de Desenvolvimento e Zoneamento Portuário (PDZs).

Assim sendo, a obtenção de outorga de autorização para a construção, exploração e ampliação de Terminal de Uso Privado (TUP) mediante chamada pública ou anúncio público quando aplicável (construção e exploração de TUP novo ou ampliação de mais de 25% em relação à área original em TUP já existente), deve ser uma das prioridades para o investidor privado.

Destaca-se que existe a possibilidade de regularização de instalações portuárias já existentes e ainda não autorizadas ou com qualquer outro tipo de pendência, como, por exemplo, investimentos emergenciais realizados sem que a ANTAq tenha sido informada ou a realizar. (continua na Parte 2)



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