Fundos especializados no financiamento de disputas arbitrais começam a enxergar o Brasil como um mercado atraente para esse tipo de operação - já bastante comum em países da Europa, nos Estados Unidos e Austrália. O Brasil chama a atenção porque o número de procedimentos arbitrais aumentou e, em período de crise econômica, está mais difícil de as partes envolvidas em conflitos arcarem com os custos.
O investidor se dispõe a cobrir todas as despesas (custos com a câmara, árbitros, honorários de advogados e perícias) em troca de uma porcentagem sobre o resultado. Se vencer a disputa, a parte que recebeu o financiamento destinará uma fatia do total, estabelecida em contrato, ao financiador. A vantagem é que se perder, não precisará devolver o dinheiro. O investidor corre o risco junto com o cliente.
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O fundo de investimentos do peruano Narguis Torres, o Lex Finance, foi estruturado há pouco mais de um ano com o objetivo de financiar disputas arbitrais. Ele já tem negócios no México, Colômbia, Equador, Peru, Chile e acaba de chegar ao Brasil. As negociações começaram há dois meses e a empresa tem cerca de dez casos em vista: são disputas no setor da construção e de energia nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba.
"Estamos em fase de negociação. É provável que nos próximos meses já existam disputas arbitrais com o nosso financiamento", afirmou Torres ao Valor. Segundo ele, a empresa nunca fica com um percentual superior ao do cliente. "Geralmente negociamos entre 25% e 35%. Depende do risco."
De acordo com Torres, a empresa não interfere no procedimento arbitral. O financiador faz um estudo para saber quais as chances de a parte vencer a disputa (analisa o caso, o posicionamento dos árbitros e também o perfil do advogado que representa a parte no procedimento) e, se achar que vale a pena, assina o contrato.
"Não estamos falando de uma oferta massiva", disse. Há, segundo ele, um limite estabelecido para os valores que serão negociados na disputa. Assim, se a parte decidir pelo acordo, terá de respeitar os valores mínimos acertados com o investidor. As informações sobre os casos e clientes são fornecidas aos investidores, principalmente por advogados, mas também por árbitros e câmaras arbitrais.
Especialistas afirmaram que, além da empresa peruana, há também fundos de investimento ingleses e americanos analisando o mercado brasileiro. Esse tema foi discutido durante o Congresso Pan-Americano de Arbitragem, realizado recentemente em São Paulo pela Câmara Brasil-Canadá (CCBB).
Na ocasião, o advogado Luciano Timm, do escritório Carvalho, Machado, Timm & Luz Advogados e que também atua como árbitro, observou que em cerca de 30% dos procedimentos realizados neste ano nas câmaras onde trabalha houve pedido das partes para parcelar, não pagar os custos ou suspender o procedimento por prazo indeterminado. "Com a crise, as empresas acabaram ficando sem capital ou tendo que direcionar o seu capital para a atividade-fim. Então, o mercado se abriu para esse novo negócio", disse.
Os custos com um procedimento de arbitragem variam conforme os valores envolvidos na causa. O presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, Carlos Suplicy, afirmou que os valores referentes aos custos com o centro e honorários de árbitros devem ser depositados pelas partes antes da assinatura do termo de arbitragem. "O depósito antecipado é essencial para o sistema funcionar. É o que garante que a arbitragem vai se desenvolver até o fim", disse.
Para ele, no entanto, a falta de dinheiro para custear o procedimento não é o único fato gerador para o financiamento. "Tem a decisão da empresa de dividir o risco. No mundo dos negócios, às vezes, o que precisa ter é o custo-benefício de se processar ou não a outra parte", afirmou. Por isso, acrescentou, a perspectiva é de que esse sistema de financiamento se torne frequente mesmo após a crise.
Há, no entanto, questionamentos sobre a falta de regulamentação para o financiamento de disputas arbitrais. Especialista na área, a advogada Selma Lemes, do escritório que leva o seu nome, entende que, do ponto de vista da arbitragem, dois fatores devem ser esclarecidos: até que ponto o investidor, que tem interesse na demanda, interfere durante o procedimento e se os sócios do fundo financiador serão revelados. Desta forma, teria-se a certeza de que não haveria conflito de interesse com o árbitro do caso e evitaria que a outra parte, sentindo-se prejudicada, tentasse anular a decisão arbitral.
Em países onde a prática já é realizada com frequência, afirmou a advogada, o que há são autorregulamentações. "Acho aconselhável para o Brasil porque uma regulamentação de Estado, legislativa, demora muito. Além disso, já há no país outros setores que se autorregulam e funcionam muito bem."
A advogada Adriana Braghetta, sócia do L.O. Baptista-SVMFA, considera que as câmaras já têm formas de lidar com a questão. Uma delas, para evitar que haja conflitos de interesse com os árbitros, é forçar as partes a informar se existem partes adicionais relacionadas à arbitragem.
"Houve bastante discussão interna sobre isso porque uma das partes poderia tentar anular a arbitragem com base na falta da informação. Então, hoje já se faz um chamamento para que respondam sobre isso. E se elas não falam, obviamente não podem usar isso depois para tentar anular o procedimento", disse.
A arbitragem cresceu muito no Brasil na última década. Dados da pesquisa "Arbitragem em Número e Valores", realizada pela professora Selma Lemes, mostram que o procedimentos nas cinco principais câmaras do país aumentou quase dez vezes. Em 2005 (quando o levantamento começou a ser feito) foram 21 processos arbitrais, que envolveram R$ 247 mil. Já no primeiro semestre de ano, tiveram início 110 disputas, com cerca de R$ 5 bilhões discutidos.
Especialistas acreditam que esse número já esteja maior. Tanto pela crise econômica - que gera mais quebras de contratos - como em decorrência da nova Lei da Arbitragem (Lei nº 13.129), em vigor desde julho. Isso porque a nova lei autoriza expressamente situações que geravam dúvidas anteriormente. Entre elas, a possibilidade de as sociedades anônimas incluírem em seus estatutos cláusula para que todos os acionistas sejam submetidos à arbitragem. A norma também deixa clara a possibilidade de uso pela administração pública.
Fonte: Valor Econômico/Joice Bacelo | De São Paulo