Os Estados Unidos estão tentando garantir que a receita do petróleo venezuelano vá para o líder da oposição, Juan Guaidó, que se declarou presidente legítimo do país, cortando assim o dinheiro do presidente cada vez mais isolado Nicolás Maduro, disse ontem uma importante autoridade dos EUA.
Embora com poucos detalhes, o anúncio sinaliza que os EUA estão disposto a ir além das medidas diplomáticas tradicionais e tentarão drenar receita do governo de Maduro, que já enfrenta um colapso econômico sem precedentes.
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Isso poderia fortalecer a posição de Guaidó, líder da oposição e presidente da Assembleia Nacional, que na quarta-feira se declarou presidente, com apoio dos EUA, do Brasil e de outros países da região.
"Estamos focando hoje em desconectar o regime ilegítimo de Maduro de suas fontes de receita", disse o assessor de segurança nacional John Bolton a repórteres na Casa Branca. "Achamos que é consistente com o nosso reconhecimento de Juan Guaidó como o presidente interino constitucional da Venezuela que essas receitas devam ir para o governo legítimo."
Bolton acrescentou que o processo é "muito complicado" e que o governo americano ainda estuda como isso funcionaria.
Nem o Ministério da Informação da Venezuela nem Guaidó comentaram a questão.
Guaidó se declarou presidente na quarta-feira e foi logo reconhecido pelo governo Trump e por governos conservadores na América Latina. Isso levou Maduro, líder da Venezuela desde 2013, a romper totalmente as relações com os EUA. Ontem ele ordenou o fechamento da embaixada e dos consulados da Venezuela nos EUA.
O juramento de Guaidó foi o desafio mais ousado da oposição ao longo domínio do chavismo na Venezuela e deu aos adversários de Maduro uma plataforma diplomática sem precedentes para pressionar por mudanças, num país afligido pela hiperinflação, aumento da desnutrição e tensão social.
Mas Guaidó lidera um governo paralelo, que é rejeitado pelas Forças Armadas e não tem influência sobre o dia a dia da administração, como a importação e a distribuição de alimentos e remédios.
Esse engenheiro de 35 anos, que foi alçado quase que da noite para o dia a líder nacional, falou ontem por telefone com vários líderes de outros países, que lhe expressaram apoio.
A sua ascensão foi recebida com entusiasmo por investidores que detêm títulos da Venezuela e da estatal petroleira PDVSA, que atingiram seu maior nível desde 2017, apesar de estarem quase totalmente inadimplentes em meio à atual crise econômica do país. Já as preocupações sobre o potencial de interrupção da oferta de petróleo venezuelano ajudaram a elevar os preços globais do petróleo.
As receitas do petróleo são cruciais para a desestruturada economia venezuelana, e tirar esse dinheiro de Maduro, como querem os EUA, seria um duro golpe.
A Venezuela exportou cerca de 500 mil barris de petróleo por dia para os EUA em 2018, em média, segundo dados do Departamento de Energia americano. Os embarques para os EUA respondem por cerca de 75% da receita da Venezuela com venda de petróleo, segundo dados do banco Barclays.
Aliados da Venezuela, incluindo Rússia e Turquia - ambos importantes parceiros comerciais - criticaram a ascensão de Guaidó como um sinal de interferência dos EUA. "O presidente russo manifestou apoio às autoridades legais da Venezuela em meio a uma crise política interna, provocada de fora", disse o Kremlin em comunicado.
A União Europeia (UE), que impôs sanções ao governo de Maduro, notou que os venezuelanos "exigiram maciçamente a democracia e a possibilidade de determinar livremente seu próprio destino", mas não reconheceu Guaidó, ainda que países europeus o tenham apoiado como presidente.
Maduro, em discurso, rejeitou a posse de Guaidó e disse que continua sendo o líder legítimo do país. Ele repetiu que não renunciará.
Maduro se apoia fortemente nas Forças Armadas para se manter no poder em meio a uma inflação anual de quase 2.000.000% e a um êxodo de refugiados venezuelanos para países vizinhos.
Ontem, o ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, fez um pronunciamento de lealdade a Maduro, acompanhando dos principais comandantes militares do país. Os EUA vêm buscando fomentar uma revolta militar contra Maduro. O ministro disse que as Forças Armadas vão se opor a qualquer tentativa de derrubar Maduro.
Guaidó enfrentará um Estado que não está disposto a reconhecê-lo e forças de segurança que poderão prendê-lo, como fizeram com seu mentor, Leopoldo López, que está em prisão domiciliar por liderar protestos contra Maduro.
"Embora Guaidó tenha sido reconhecido internacionalmente, o verdadeiro poder do Estado ainda está nas mãos de Maduro", disse Ronal Rodriguez, especialista em Venezuela da Universidade do Rosário, em Bogotá.
Manifestantes entraram em confronto com as forças de segurança na noite de quarta-feira em todo o país e em áreas abastadas e mais pobres de Caracas. Houve saques de lojas e restaurantes.
Um total de 21 pessoas foram mortas na violência ligada aos protestos desta semana, segundo os grupos locais de direitos humanos Provea e o Observatório Venezuelano de Conflito Social.
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, pediu ontem na Organização dos Estados Americanos (OEA) que os governos latino-americanos que reconheçam Guaidó. A maioria dos países da OEA - incluindo Canadá, Brasil, Peru, Chile, Colômbia e Argentina - já reconheceram o oposicionista como presidente. Outros, incluindo México, Bolívia, El Salvador e Nicarágua, permaneceram neutros ou seguem apoiando Maduro.
Os EUA pediram ainda uma reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre a crise na Venezuela.
Fonte: Valor