O representante comercial Adalberto Cardoso levou um susto ao parar num posto de combustíveis em Boa Vista (RR) para abastecer o veículo alugado.
Pediu ao frentista para encher o tanque com etanol mas ouviu um “tem certeza?” por parte do funcionário.
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Ao ver o preço na bomba, optou pela gasolina. “Não sabia que a diferença entre álcool e gasolina era tão pequena, estou acostumado com São Paulo”, disse ele, que estava a trabalho em Roraima.
O preço do etanol não é competitivo na maioria dos estados devido a barreiras quase intransponíveis para o combustível derivado da cana-de-açúcar, largamente consumido no Sudeste.
Questões tributárias, logísticas e agrícolas impedem o avanço do etanol para outras regiões e limitam a maior parte da demanda a cinco estados –São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Mato Grosso–, que respondem por 85% das vendas.
Alíquotas de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) mais vantajosas para o etanol em relação à gasolina impulsionam esses mercados.
Além disso, em outras regiões, os custos de distribuição do etanol são mais altos, a maioria dos estados não são fortes produtores de cana e, em alguns casos, a frota de veículos flex é pequena, gerando baixa demanda.
Roraima é o caso exemplar na questão da paridade de preços. Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), um litro de etanol custou em média 92,43% do valor da gasolina no estado em março. É a menor diferença no país.
O combustível é vantajoso se seu preço for de até 73% do valor da gasolina, segundo a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) –antes, falava-se em 70%. No mês passado, segundo a ANP, só 3 dos 13 postos vendiam etanol na capital roraimense, com preços de R$ 3,59 a R$ 3,79. A gasolina tinha preços entre R$ 3,90 e R$ 3,99.
“Cinco estados concentram 85% do mercado. Isso ocorre porque as políticas tributárias do ICMS desses estados são favoráveis ao etanol”, afirmou o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues.
Em São Paulo, o ICMS da gasolina é de 25%, ante os 12% do etanol. Em Minas Gerais, os índices são de 29% e 14%, respectivamente. Os índices de Goiás, Paraná e Mato Grosso também são favoráveis ao etanol.
Nos outros estados, a tributação sobre o etanol é a mesma da gasolina ou os percentuais não têm tanta disparidade entre si.
“O fato de estados do Norte não serem produtores de cana atrapalha muito, pois ficam dependentes do Nordeste ou de Mato Grosso. E há casos em que o hidratado e o anidro chegam de barco, depois de enfrentarem trechos rodoviários”, disse Ivelise Rasera Bragato, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq-USP.
Hidratado é o etanol utilizado diretamente no abastecimento dos veículos. Já o anidro é misturado à gasolina antes da comercialização.
Além de Roraima, em outros 11 estados –quatro do Norte, mais outros como Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul–, o etanol custou mais de 80% do valor da gasolina em março.
Para o diretor da Unica, ainda que fosse aumentada a oferta em alguns estados, não haveria frota suficiente para absorver esse crescimento. “Mato Grosso do Sul envia 95% da produção para outros locais. Se houvesse políticas tributárias de incentivo, se fossem diferentes entre o fóssil [gasolina] e o renovável [etanol], sem dúvida aumentaria a demanda.”
Presidente da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil e da câmara setorial do açúcar e do álcool do Ministério da Agricultura, o agrônomo pernambucano Alexandre Andrade Lima diz ser possível melhorar a presença do etanol no Nordeste, mas não a ponto de torná-lo totalmente competitivo.
“O zoneamento da cana não permite o plantio em algumas áreas da Amazônia Legal, mas temos conflito em Mato Grosso, onde é possível plantar milho e extrair o etanol dele. Mas cana não pode. Talvez isso possa ser revisto de alguma forma.”
Para Lima, o etanol nunca será competitivo nos estados em que não se planta cana. “Há potencial para aumentar a produção no Nordeste, porque há usinas que estão operando com 60% de ociosidade.”
Outra opção é o uso de crédito presumido em estados como Pernambuco e Alagoas. Esse crédito não reduz o imposto pago pelo motorista ao abastecer o veículo, mas devolve parte dele (mais de 50% em alguns casos) aos produtores.
Embora as regiões Norte e Nordeste não produzam cana em escala semelhante ao Sudeste, a Unica aponta crescimento na demanda por álcool naquelas regiões em 2018 em relação ao fim de 2017.
Segundo Antonio de Padua Rodrigues, o combustível também tem sido beneficiado pelo fato de o consumidor sentir o “desembolso” ao abastecer o seu veículo. “Mesmo com paridade de 73%, 74%, a diferença de preço [por litro] supera R$ 1,50 durante a safra. O consumidor vê isso.”
Fonte: Folha SP