No início da semana, o diretor da fabricante de compressores Metalplan, Edgard Dutra, recebeu email de um executivo de um fabricante argentino de bens de capital. A mensagem pedia o levantamento de preços para um novo produto que a empresa argentina pretende comercializar.
Ontem, após a desvalorização do peso que se seguiu à alta de juros anunciada pelo Banco Central local, o executivo argentino disse que deve prosseguir com o processo de compra, mas pediu tempo. "Ele disse que colocará o pedido, mas vai esperar um pouco. Quer enxergar a situação com mais clareza", diz Dutra. Trata-se, explica, de um antigo parceiro comercial para quem exporta há mais de 15 anos e que, em conversa telefônica ontem à tarde ainda parecia assustado com os acontecimentos.
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"Ele viu o dólar passar de 28 pesos a 40 pesos em poucos dias. É uma situação que traz insegurança porque a perspectiva é de que não deve ser resolvida no curto prazo", conta Dutra. O que pode aliviar a situação, diz ele, é que o parceiro no país vizinho exporta boa parte da produção, característica que o ajudou a atravessar crises anteriores no mercado argentino.
O impasse nessa negociação de exportação não deverá ser pontual, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). "O exportador brasileiro consegue definir um preço, porque é em dólar. Mas do lado argentino, o importador não sabe qual preço irá pagar na moeda local quando o produto desembarcar. Não sabe o preço e nem o mercado que terá, já que o câmbio é só um fator na deterioração na economia." O resultado, avalia ele, deve ser uma queda nos volumes de embarques.
Castro diz que, desde a intensa desvalorização do peso no início de maio, o exportador brasileiro tem negociado preços em dólar na exportação para os argentinos. "Até porque a própria depreciação do real tem permitido a redução de preços. Mas obviamente não há como compensar toda a desvalorização do lado argentino."
De forma geral, a tendência é a redução de volumes de exportação à Argentina, explica Castro, como resultado do enfraquecimento da demanda. De janeiro a julho, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), as exportações brasileiros à Argentina somaram US$ 10 bilhões, com alta de 2% em relação a igual período do ano passado. Em julho, porém, os embarques totalizaram US$ 1,15 bilhão, com recuo de 24%. Os automóveis, principal item da pauta de exportação, caíram 36%. Os veículos representaram em julho 20% das vendas brasileiras aos argentinos.
Para Castro, o recuo apresentado em julho veio para ficar. No segundo semestre o efeito do agravamento do cenário argentino deve ficar mais claro nas exportações. Ele acredita numa queda de 25% na segunda metade do ano, ante igual período de 2017. E pondera que a possível queda virá depois de uma recuperação nos embarques aos argentinos. No ano passado as exportações ao país vizinho aumentaram 31% em relação a 2016.
Dutra, da Metalplan, lembra que em 2017 as vendas ao mercado argentino subiram 50% e deram impulso às exportações totais da empresa. Este ano, porém, ele já conta com queda nos embarques ao país vizinho. "Nossos compradores na Argentina terminaram o ano passado estocados. Por isso já sabia que no primeiro semestre não teria muitas encomendas, mas a expectativa era de melhora na segunda metade do ano. Agora não deve mais acontecer." As exportações totais da Metalplan, porém, diz ele, estão evoluindo bem e devem puxar a alta de 10% esperada no faturamento da empresa.
Welber Barral, sócio da Barral M Jorge e ex-secretário de Comércio Exterior, diz que o cenário argentino deve trazer queda de exportação brasileira ao país. É um resultado, diz ele, não só do câmbio. As exportações devem se recuperar somente quando houver melhora na economia interna argentina.
O impacto da crise argentina para o Brasil, diz Castro, da AEB, é negativo em todos os sentidos. Além do efeito direto na exportação de manufaturados, no médio e longo prazo a crise afeta as negociações do acordo Mercosul-União Europeia. Por mais que o governo do presidente Mauricio Macri seja favorável ao acordo, avalia Castro, a prioridade será a recuperação da economia interna, principalmente com as eleições no ano que vem.
A boa notícia, diz Barral, é que a situação macroeconômica é mais estável hoje do que era no passado. "O grande problema deles está na balança de pagamentos, mas a reação do governo argentino foi ortodoxa, com um remédio amargo que pode curar a doença e trazer reequilíbrio no médio prazo."
Fonte: Valor