Menor tempo de perfuração de poço petrolífero, maior taxa de sucesso na localização de reservatório petrolífero, menor risco de acidentes utilizando robô para fazer inspeção nos equipamentos instalados no fundo do mar. Esses são apenas alguns dos benefícios já alcançados a partir da transformação digital na indústria de petróleo, que está possibilitando a redução de custos diretos na produção de óleo e derivados de 10% a 15%, de acordo com a consultoria Bain & Company. Ainda há mais por vir. Segundo a empresa, a transformação digital tem um potencial de economia no orçamento de novos investimentos (capex) de projetos petrolíferos de 15% a 20%.
"Como os números da indústria de petróleo, principalmente offshore [marítimo], que são todos da ordem de grandeza de bilhões de dólares, o impacto no setor é efetivamente muito grande", diz José de Sá, especialista do mercado petrolífero da Bain & Company. Segundo ele, as grandes companhias do setor estão investindo entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões ao ano em projetos que contenham ferramentas e conceitos relacionados à transformação digital.
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Mais do que a redução de custos, outros fatores relevantes estão por trás da revolução tecnológica que, assim como diversos setores da economia, ocorre na indústria petrolífera. Entre eles estão o aumento da rentabilidade dos investimentos, com a redução do "break-even de projetos", que, em alguns casos, é determinante para torná-los economicamente viáveis.
Esse fator é sensivelmente importante considerando que as petroleiras enxergam no horizonte o pico da demanda global de petróleo - algumas projetam o pico para a década de 2030, outras para 2040 ou 2050 - e são fortemente ameaçadas pelo rápido desenvolvimento das fontes renováveis.
Segundo Sá, a partir do ano passado, houve uma intensificação da pressão, por parte da sociedade e de investidores institucionais, sobre as petroleiras, em torno da transição energética. Não à toa, grandes petrolíferas estão ampliando investimentos na área de fontes renováveis. Essa combinação de fatores deve acelerar o pico da demanda por petróleo.
"Uma implicação importante do 'pick demand' é que todas as empresas estão trabalhando com o número mágico de "break-even" de US$ 40 por barril. Isso significa que é preciso continuar com o esforço de eficiência de capex e opex na produção de petróleo. E a transformação digital é um elemento importante para ajudar nessa equação", diz o especialista.
O vice-presidente global da divisão de Águas Profundas da Shell, Wael Sawan, diz que o "break-even" médio dos seus projetos está abaixo de US$ 30 o barril. Os novos projetos ficam entre US$ 30 e US$ 40, enquanto projetos considerados complexos variam de US$ 35 a US$ 45. O projeto bilionário de Vito, no Golfo do México, por exemplo, tem custo inferior a US$ 35.
"Estamos olhando, em parceria com a Petrobras, oportunidades com digitalização em Libra", disse Sawan. A anglo-holandesa tem 20% na área de Libra no pré-sal da Bacia de Santos, em parceria com a Petrobras (operadora, com 40%), a Total (20%) e as chinesas CNPC (10%) e CNOOC (10%).
O IBP criou o comitê de transformação digital com o objetivo de compartilhar as várias soluções desenvolvidas
De olho no potencial de ganhos de eficiência e aumento da segurança de seus funcionários, a Petrobras está criando uma área específica de transformação digital. Uma das metas planejadas é reduzir para menos de três anos o tempo entre o leilão da área na rodada de licitação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a produção do primeiro óleo no local. Só para efeito de comparação, no caso de Libra, o tempo entre o leilão, em outubro de 2013, e o primeiro óleo na região, em novembro de 2017, foi de pouco mais de quatro anos.
"Temos orçamento de TI [Tecnologia da Informação] em torno de R$ 500 milhões por ano e vemos cada vez mais projetos vinculados à transformação digital nesse orçamento. O Cenpes [Centro de Pesquisa da Petrobras] investe quase R$ 2 bilhões por ano. Na carteira do Cenpes, tínhamos, no ano passado, 10% de projetos com componentes de transformação digital. Hoje já são 25%", diz Nelson Silva, diretor de Estratégia, Organização e Sistema de Gestão da estatal.
Outra parceira da Petrobras em projetos no Brasil, a norueguesa Equinor também criou um centro corporativo de excelência digital para estudar e implementar iniciativas que possam agregar valor ao negócio. Um exemplo é a utilização de análise avançada de algoritmos com aplicação de inteligência artificial alinhada a sensores inteligentes de internet das coisas para acompanhar remotamente o funcionamento de válvulas.
Entre os resultados potenciais esperados pela Equinor estão a agregação de valor de US$ 2 bilhões para o negócio, o que representa 3% em volume de produção em áreas que estão em operação e deverão continuar produzindo entre 2020 e 2025; redução de 15% em investimentos em perfuração; redução de até 30% em investimentos na construção de plataformas de produção; e agregação de valor de US$ 500 milhões com operações integradas remotas em campos terrestres, nos EUA.
"A transformação digital precisa ser tratada como reformulação total na forma de pensar e gerir o negócio, sendo acima de tudo transformação organizacional e cultural, e não simplesmente um projeto tecnológico e/ou de inovação", explica Anderson Marinho, chefe de Digitalização na Equinor Brasil.
Segundo Sá, da Bain & Company, porém, ainda há um dilema a ser enfrentado pelas companhias. Como há muitas empresas desenvolvendo muitos projetos na área de tecnologias digitais, nem sempre os resultados esperados são alcançados, gerando frustração nas companhias, após terem feitos pesados investimentos.
"Tem muita gente trazendo muita coisa à mesa. E a verdade é que, para você conseguir chegar ao potencial pleno de qualquer dessas soluções, ainda dá muito trabalho. E a maioria das empresas não está preparada para lidar com a implementação de soluções de digital de maneira madura", diz.
Superar este dilema é justamente o principal objetivo do recém-criado comitê de transformação digital do Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (IBP). Lançado neste mês, o comitê, que contará com dois representantes de cada uma das principais petroleiras em atuação no Brasil, vai se reunir uma vez por mês para compartilhar avanços nos projetos de transformação digital em suas respectivas empresas. O passo seguinte será a realização de workshops, previstos para o próximo ano, para apresentar aos fornecedores de alta tecnologia os maiores gargalos de custos e demandas comuns do setor no país, com objetivo de acelerar provas de conceito de projetos digitais inovadores, de forma escalável.
Segundo o coordenador do comitê, Daniel Michilini Carocha, a troca de informações e projetos digitais, como a utilização de drones e inteligência artificial, entre as companhias e a abertura de oportunidades conjuntas de prova de conceito serão o grande motor para a aceleração de projetos de transformação digital, com resultados de curto e médio prazos. "O grande objetivo do comitê é não só produzir projetos, conhecimento em geral, mas em saber como podemos de fato entregar valor à indústria no curto e médio prazos", afirma. "Existe uma enorme oportunidade de acelerarmos o processo compartilhando os bons projetos que temos no mercado".
Segundo Carocha, a estabilidade do preço do petróleo e o custo de produção no Brasil, em comparação com outros lugares, são dois pontos chave para mobilizar a indústria para a transformação digital. Segundo ele, a redução de custo de produção de US$ 4,2 por barril, considerando o nível de produção diária do país, tem potencial de ganho financeiro de US$ 4 bilhões.
Fonte: Valor