Num momento em que as petroleiras redobram esforços na tentativa de cortar gastos e se adaptar à realidade da baixa dos preços do barril, o governo resolveu atender ao pleito da indústria e oficializou ontem proposta para flexibilizar a política de nacionalização de bens e serviços do setor de óleo e gás. O decreto da presidente Dilma Rousseff amplia o conceito do que pode ser considerado conteúdo local no cálculo dos índices de nacionalização atingidos pelas companhias em projetos de exploração e produção.
A mudança foi bem recebida pelas petroleiras, que já pagaram ao longo dos últimos cinco anos R$ 368 milhões em multas pelo descumprimento de compromissos de conteúdo local. Enquanto isso, fornecedores veem com ressalvas a proposta e não acreditam que a medida, por si, não resolve os problemas de competitividade da indústria nacional.
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Batizado de Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural (Pedefor), a iniciativa do governo passa a considerar como conteúdo local não só a compra de bens e serviços de fornecedores nacionais, mas também uma série de outros investimentos que geram impactos na indústria e que não eram até então reconhecidos. Pelas novas regras, esses investimentos serão convertidos em Unidades de Conteúdo Local (UCL), que poderão ser usadas pelas petroleiras como crédito para compensar o que faltou para cumprir os índices de nacionalização exigidos. Dentro do governo, o programa é visto como uma nova fase da política de conteúdo local para capacitar a indústria nacional ao fornecimento de produtos "classe mundial".
Para o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), o decreto traz " importante mudança na lógica de desenvolvimento da indústria, ao instituir modelo calcado no incentivo a investimentos para ampliação de conteúdo local, ao contrário da lógica que prevê apenas penalidades".
Essa mudança, segundo o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), Antonio Muller, dá mais opções para que as empresas administrem seus percentuais de conteúdo local, reduzindo as chances de multa. Ele, no entanto, prevê impactos da medida sobre a cadeia fornecedora apenas no médio e longo prazos. "A situação da indústria hoje é muito ruim e precisa de um tempo para se recuperar, não é no curto prazo", comentou.
A possibilidade de que as petroleiras contabilizem como conteúdo local a compra de bens nacionais para uso em projetos no exterior abre oportunidades para exportação de tecnologia, destaca o professor Edmar de Almeida, membro do Grupo de Economia da Energia da Universidade federal do Rio de Janeiro (GEE/UFRJ). "É proposta positiva, que tenta sofisticar a política de conteúdo local. Passa a haver o incentivo para que as empresas exportem a tecnologia desenvolvida no país e induz petroleiras a formar sociedades com fornecedores locais e investirem em projetos de desenvolvimento tecnológico", diz o professor.
Já entre os fornecedores, as novas regras foram vistas com ressalvas. O diretor-presidente da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), Eloi Fernández y Fernández, teme que a proposta seja criada apenas para minimizar as multas às petroleiras, sobretudo da Petrobras, e não traga benefícios diretos para a cadeia fornecedora. Ele também vê erro conceitual. "O programa lançado pelo governo pressupõe que o desenvolvimento da política de conteúdo local está nas mãos das petroleiras, e não dos fornecedores", diz.
O presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, também se mostra cético quanto à capacidade de as novas regras contribuírem com a expansão da indústria de equipamentos. E questiona o sucesso da política de nacionalização, ao lembrar que, nos últimos anos, o percentual de compras de máquinas e equipamentos nacionais pela Petrobras variou de 10% a 13% -índice abaixo do registrado há 20 anos, antes do início da política de conteúdo local. "[As novas regras] não atacam esse problema [desoneração de equipamentos importados", diz Velloso. "Precisamos é de uma política industrial que traga competitividade", diz.
Fonte: Valor