Alta dos rios

Apesar dos poucos investimentos, modal hidroviário é cada vez mais utilizado. Transpetro tem agora gerência de hidrovias
O uso das hidrovias está crescendo, apesar dos investimentos pontuais do governo federal. Segundo dados divulgados pelo diretor do fundo nacional de infraestrutura de transportes da Secretaria de Fomento para Ações de Transportes (SFAT) do

ministério dos Transportes (MT), Luiz Eduardo Garcia, entre 2004 e 2008 houve um crescimento de 60% no trafego da Paraná-Paraguai. O aumento da utilização da Tietê-Paraná, no mesmo período, foi ainda maior, 82,6%. Ao que tudo indica, o crescimento não vai parar por aí. As obras das eclusas de Tucuruí, iniciadas há 30 anos, estão em vias de terminar. O sistema de transposição de desnível de Tucuruí — composto por duas eclusas e um canal de seis quilômetros — está com 88% da construção finalizada, e a expectativa é de que, no meio do ano que vem, esteja funcionando.
Na Tietê-Paraná as perspectivas também são boas. A Transpetro acaba de criar uma gerência de hidrovias dentro do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef). A nova seção vai coordenar as ações necessárias para equipar a armadora — com barcaças e empurradores — para o cumprimento do plano logístico para o transporte de etanol na hidrovia Tietê-Paraná. A previsão é de que, em 2013, já existam 17 comboios fazendo o transporte de etanol na região.
As boas notícias têm deixado antigos defensores do modal entusiasmados. Aloísio de Souza Sobreira, diretor da Merco Shipping Marítima, empresa que, entre outros serviços, presta consultoria logística, comemora o desenvolvimento que o modal está pronto para alcançar no país.
Entre os fatores que têm contribuído para o aumento da utilização das hidrovias, ele destaca a clara vantagem econômica para o escoamento de soja pelo Norte-Nordeste, através dos rios.
Como o sítio de produção da commodity foi deslocado do Sul para o Centro-Oeste — hoje o maior produtor de soja do país é o estado do Mato Grosso — a logística de escoamento pelos portos de Santos e Paranaguá deixou de ser vantajosa, se comparada com soluções que viabilizam a exportação do produto através de portos do Nordeste e Norte.
Para dar uma noção da diferença de custos, Sobreira cita o bem-sucedido “Projeto Maggi”. Nele, os grãos partem de Porto Velho em grandes comboios e descem pelo rio Madeira até o terminal de Itacoatiara, próximo ao porto de Manaus. De lá, a soja é embarcada para o exterior com uma economia em transporte de cerca de US$ 30 por tonelada, se comparada à soja embarcada por Santos ou Paranaguá.
Considerando que a cultura de soja foi a que mais se expandiu no país na última década, a economia que as hidrovias podem gerar neste setor não podem ser desprezadas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos anos houve um acréscimo de 88,8% da produção do grão no país.
Sobreira acredita que a saída natural da produção de grãos, futuramente, serão as hidrovias Teles-Pires Tapajós e a Araguaia-Tocantins, no segundo caso, especialmente após a conclusão da eclusa de Tucuruí.
A Araguaia-Tocantins é a hidrovia que apresenta maiores avanços nos projetos previstos dentre as incluídas no Programa de Aceleração de Crescimento. A Teles-Pires Tapajós ainda não deslanchou, mas tem a vantagem de cortar a região produtiva do estado do Mato Grosso.
Otimistas. Talvez pela grande vantagem econômica que o modal pode proporcionar, a morosidade com que os projetos hidroviários têm sido tratados no país não tirou o otimismo dos produtores agrícolas. O vice-presidente da área logística da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), José Torres de Melo Filho, acredita que “finalmente chegou a vez das hidrovias”.
Parte deste otimismo veio da percepção de que os vários agentes interessados — Agência Nacional das Águas, Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), ministério dos Transportes (MT), Ministério de Minas e Energia (MME) e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) estão com visões mais convergentes no que diz respeito ao crescimento das hidrovias e na questão do uso múltiplo das águas.
Melo Filho afirma que uma “visão quase unânime” pôde ser percebida em todas as reuniões que discutiram o modal recentemente.
Entre os encontros, o vice-presidente da área logística da CNA destaca uma audiência pública realizada em outubro para discutir o projeto de Lei 5335/2009, que já foi aprovado pelo Senado, como PLS 209/2007, e hoje tramita na Câmara dos Deputados.
O projeto caracteriza como serviço público a operação de eclusas e outros dispositivos de transposição de níveis em hidrovias e dispõe sobre as situações em que é obrigatória a implantação desses dispositivos.
Um dos pontos interessantes do projeto de lei é que ele quer fazer com que a construção de barragens para a geração de energia elétrica ocorram de forma concomitante com a construção, total ou parcial, de dispositivos para a transposição de níveis — desde que eles estejam previstos nos planos do governo federal ou estadual.
A construção da eclusa fica substancialmente mais barata quando realizada juntamente com a usina e com a barragem. Segundo dados divulgados pela CNA, a eclusa de Lajeado, no rio Tocantins, poderia ter custado duas vezes menos se estivesse sendo construída junto com a usina.
Melo Filho acredita que o projeto de lei tem “grandes chances de aprovação” na câmara.
Outra batalha que está em vias de ser vencida, de acordo com Melo Filho, é a inclusão da eclusa de Estreito no projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins. O PAC prevê a construção da eclusa de Lajeado, mas ignora a transposição de nível da hidrelétrica de Estreito. Como Estreito fica entre a eclusa de Lajeado e a de Tucuruí, a não inclusão da obra praticamente anula os investimentos em transposição de níveis e impede a plena navegabilidade no rio Tocantins.
Melo Filho garante, baseado na declaração de representantes do DNIT, que a eclusa será construída. Ele afirma que, apesar da construção do sistema de transposição de nível de Lajeado já ter sido iniciada, ela será interrompida, para que haja uma concentração de esforços em Estreito.
O vice-presidente da área logística da CNA defende a iniciativa. “Não adiantava fazer Lajeado se não fizesse Estreito. Apenas uma pequena parte da hidrovia seria liberada”, opina.
Ele contou também que a confederação está discutindo com DNIT a possibilidade de, através de emendas parlamentares, reforçar os pontos críticos da construção da eclusa de Estreito com incrementos financeiros.
Rodoviarista. Embora a opção do governo federal expressa pelo Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT) seja pelas hidrovias, há evidências de que a prática é diferente da teoria.
O Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) fez um estudo sobre a aplicação dos recursos do PAC em logística. De acordo com o levantamento, somente 10,4%, ou R$ 10 bilhões, dos investimentos anunciados foram efetivados, sendo a maior parte gasta no modal rodoviário.
O diretor-executivo do Ilos, Paulo Fernando Fleury cita, como exemplo da opção rodoviarista do PAC, a construção BR-163, que está sendo tocada de forma acelerada, e que liga o Mato Grosso ao porto de Santarém (PA), assim como a hidrovia Teles Pires – Tapajós.
O instituto fez um estudo sobre a evolução da plantação e da exportação da soja para 2020 e em todos os cenários prováveis o porto de Santarém seria privilegiado, caso fossem criados canais de escoamento desde o Mato Grosso.
Apesar da importância futura do porto, Fleury não aposta na necessidade de sobreposição de caminhos em nome da multimodalidade. “Ou se faz hidrovia, ou ferrovia ou rodovia. A pior das opções é a rodovia”, resume.
Ele não vê necessidade da criação da BR-163 nem para o transporte de passageiros. “Há demanda suficiente para isso?”, questiona.
O estudo do instituto levantou que, embora a construção da rodovia seja a que menos consome recursos na execução da obra, é a opção que demanda mais tempo para o retorno do investimento.
São R$ 1,55 bilhão para a implantação da BR-163, contra R$ 2,9 bilhões para tornar navegável o trecho correspondente nos rios Teles-Pires e Tapajós, e R$ 4,15 bilhões para uma ferrovia que fizesse o mesmo trajeto.
Segundo o levantamento do Ilos, no entanto, a hidrovia levaria apenas três anos para recuperar o investimento, contra nove da ferrovia e 14 da rodovia.
A diferença também é grande quando o aspecto observado é o custo de transporte de uma tonelada de soja: R$ 94,77 pela rodovia; R$ 58,86 pela ferrovia; e R$ 42 no modal hidroviário.
Outro ganho que ainda não pode ser contabilizado em cifras, mas que já deveria estar sendo levado em consideração nas opções do governo federal é o ganho ambiental. Fleury ressalta que a transporte por caminhões, além de ser mais poluente, estimula a criação de cidades e plantações em seu entorno e amplia o risco de desmatamento.
Entraves. A preservação do meio ambiente tem sido constantemente evocada no discurso de apoio às hidrovias. Apesar disso, a postura do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) está sendo criticada quando o tópico em pauta é o licenciamento de empreendimentos hidroviários.
Garcia conta que existe uma intenção do órgão de licenciar a operação, o que, na opinião dele, é equivocado.
“Quando falamos em licenciar uma hidrovia, no meu entendimento, cabe o que está na Resolução 237, que inclui obras de infraestrutura como barragens, derrocamentos e dragagens. Qualquer obra que melhore a navegabilidade. Mas eles querem licenciar a operação, o que não está previsto”, afirma, acrescentando que o licenciamento da operação traria e o deslocamento da responsabilidade do armador para a administração da hidrovia.
O diretor do fundo nacional de infraestrutura de transportes da SFAT questiona por que a operação em rios tem que ser licenciada, ao passo que nem os aviões nem os automóveis passam por esse processo.
Mas este não é o único aspecto dos licenciamentos a ser criticado por Garcia. Ele afirma que para todos os empreendimentos necessários — como terminais ou dragagens — as exigências são altas demais, muitas das vezes passando do limite técnico viável para análises de estudo de impactos.
Além das dificuldades encontradas no campo ambiental, Garcia aponta também a falta de regulação específica como um inibidor de investimentos. Ele compara as hidrovias ao setor de energia, onde os investidores volta e meia reclamam das constantes mudanças na regulamentação. Garcia defende, por exemplo, a criação de uma legislação específica para empreendimentos portuários nos rios do país. Ele não acha possível a adaptação da Lei dos Portos, ou de qualquer outra lei direcionada a portos marítimos, às necessidades do modal.
Recentemente, a Antaq publicou uma norma que regula os terminais de pequeno porte e as estações de transbordo de carga em rios. A norma atende aos preceitos da Lei n° 8630 e tem o mérito de exigir práticas minimamente seguras a terminais que nunca teriam a possibilidade de seguir todas as exigências dos portos marítimos.
Questionado sobre a funcionalidade da adaptação, Garcia afirma que os dois tipos de terminais propostos pela Antaq apresentam falhas do ponto de vista legal. Segundo ele, a estação de transbordo, do jeito que foi concebida, induz ao entendimento de que só quem pode fazer o transbordo da carga é quem faz o transporte. Para Garcia, a solução não seria a mais indicada, porque um dono de armazém, por exemplo, pode se interessar por empreendimentos portuários.
Os malefícios da falta de regulação também são apontados por Sobreira. Ele afirma que são poucos os empresários que de fato se dispõem a investir em hidrovias com a atual falta de regulação.
Sobreira compara a situação das hidrovias à dos filhos bastardos. Ele relembra que, desde a extinção da Portobrás, as hidrovias ficaram “penduradas” na administração dos portos. Quando a Antaq foi criada, a falta de lugar da hidrovia dentro das instituições de planejamento foi atenuada pela criação de uma diretoria de transporte hidroviário interior dentro do DNIT.
O consultor ressalta, entretanto, que o DNIT, a grosso modo, é uma instituição de execução orçamentária, ligado ao ministério dos Transportes (MT) — o responsável pelas decisões políticas. Desta forma, as hidrovias continuam sem ter um órgão que direcione políticas de desenvolvimento.
Para Sobreira, é indispensável a criação de um modelo, “seja ele qual for”. Como consequência desta falta de regulação, o consultor observa que existem poucos querendo investir no modal. “Os investimentos ainda estão muito presos aos donos da carga”, observa.
Garcia concorda com Sobreira ao dizer que, além de precisar de regulação, as hidrovias precisam também de planejamento. Segundo ele, o ministério dos Transportes (MT) entende a necessidade e está preparando um termo de referência para lançar uma licitação para a contratação de um Plano Hidroviário Estratégico. A previsão é de que, até o final do ano, a concorrência esteja na rua.

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