Avanços tímidos

Instituição do PNC é considerado um avanço, mas alguns pontos ainda precisam ser mais bem esclarecidos — O Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC) foi instituído a partir do decreto 8.127, publicado em outubro do ano passado. O documento fixou responsabilidades, estabeleceu uma estrutura organizacional e definiu diretrizes, procedimentos e ações para permitir a atuação coordenada de órgãos a fim de ampliar a capacidade de resposta em incidentes de poluição por óleo e minimizar danos ambientais. Para especialistas, embora a instituição do plano seja considerada um avanço, alguns pontos ainda precisam ser esclarecidos.

 

— Agora, ficou um pouco mais delineado quem faz parte desse grande grupo de trabalho e suas responsabilidades. Esse é o avanço principal. Por outro lado, não ficou claro quais seriam os recursos para lidar com vazamentos e esse valor é que vai determinar quanto de pessoal pode se envolver nisso e qual a velocidade de ação — afirma o coordenador da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, Ricardo Baitelo, destacando que no plano deveria haver uma definição sobre os valores desembolsados por cada órgão.

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Inicialmente, a estimativa era que fosse disponibilizado anualmente R$ 1 bilhão proveniente do Orçamento Geral da União. Sem uma fonte de receita específica, o recurso seria uma espécie de ‘seguro’ para grandes vazamentos de petróleo no mar cujo responsável não fosse conhecido imediatamente. Quando identificado, este deveria reembolsar a União e arcar com os custos. O dinheiro ficaria contingenciado caso não houvesse acidentes em um ano determinado. Por outro lado, se os custos de um acidente superassem o valor, novos desembolsos poderiam ocorrer.

O decreto 8.127 não menciona valores e, segundo o documento, as instituições integrantes da estrutura organizacional do PNC deverão incluir na previsão de seus orçamentos os recursos financeiros específicos para o cumprimento de suas atribuições. Para a advogada especializada em Direito Ambiental e sócia proprietária do escritório Dietrich Advocacia Ambiental, Marisa Dietrich, não há qualquer garantia de que os orçamentos serão aprovados. “Se as multas aplicadas a grandes poluidores fossem cobradas, elas poderiam ser utilizadas para implementação do plano. Se não há estrutura eficiente para cobrar essas multas, o que demanda ações básicas como a interrupção das atividades da empresa poluidora, como podemos acreditar na implementação de um plano complexo com tantos órgãos envolvidos?” indaga ela.

Na estrutura do PNC estão envolvidos 14 ministérios e uma série de secretarias e departamentos de governo. O plano prevê a criação de uma autoridade nacional, que será integrada pelo Ministério de Meio Ambiente (MMA); um comitê executivo, que contará com representantes de oito órgãos: MMA, Ministério de Minas e Energia, Ministério dos Transportes, Secretaria de Portos da Presidência da República, Marinha do Brasil, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional. Um grupo de acompanhamento e avaliação, composto por membros da Marinha, Ibama e ANP, também integra a estrutura do PNC, assim como um comitê de suporte, formado por membros dos seguintes órgãos e entidades: Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Justiça (pelos Departamentos de Polícia Federal e Rodoviária Federal), Ministério da Defesa (pela Marinha), Exército Brasileiro e Força Aérea Brasileira, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Fazenda (pelas Secretarias do Tesouro Nacional e da Receita Federal), Ministério dos Transportes, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (pelo Instituto Nacional de Meteorologia), Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Saúde, Ministério de Minas e Energia, ANP, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (pela Secretaria de Orçamento Federal), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), MMA (pelo Ibama, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Agência Nacional de Águas, Ministério da Integração Nacional (pela Secretaria Nacional de Proteção e de Defesa Civil), Ministério da Pesca e Aquicultura, Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Secretaria de Portos da Presidência da República e Antaq. A autoridade nacional pode ainda solicitar a participação de outros órgãos.

Marisa destaca que ainda não há planos ou estratégias no Brasil que se mostrem eficientes quando estão envolvidos tantos atores. “É questionável a possibilidade de atendimento aos acidentes na necessária celeridade que estes demandam, considerando os eventuais conflitos de competência e entraves burocráticos. Cabe salientar também que o decreto não estabelece prazos para que os órgãos se manifestem quando acionados, além de não prever os canais de comunicação internos a serem utilizados”, lembra ela.

Na avaliação da advogada Andrea Carrasco, da área de meio ambiente do escritório Dannemann Siemsem, a multiplicidade de órgãos na estrutura do PNC pode ser positiva quando há um alinhamento dos objetivos de cada entidade. Por outro lado, a participação de muitas instituições pode eventualmente dificultar a implementação do plano. “A vantagem de se ter vários órgãos envolvidos é que quando houver uma decisão, ela será realmente representativa de todos esses ministérios. A questão é verificar como vão articular os objetivos. É uma estrutura que realmente pode enfrentar uma burocracia em função dessa universalidade de órgãos envolvidos”, opina a advogada.

Baitelo, do Greenpeace, entende que há uma concentração exagerada de atividades nas mãos do Ibama e do MMA. “Acompanhamos historicamente restrições da operação desses dois órgãos em relação a orçamento e a pessoal para as atividades desenvolvidas por eles corriqueiramente. Achei um pouco temerário colocar mais isso [ser a autoridade nacional] a cargo do MMA sem ter realmente certeza de qual vai ser o tamanho de pessoal encarregado disso. Seria um departamento novo? Quais seriam os recursos para isso? Viriam desse novo orçamento? Espero que isso seja definido, porque ainda não está claro”, avalia.

Compete à Autoridade Nacional do PNC coordenar e articular ações para facilitar e ampliar a prevenção, preparação e a capacidade de resposta nacional a incidentes de poluição por óleo; articular os órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) para apoiar as ações de resposta definidas pelo Grupo de Acompanhamento e Avaliação; decidir pela necessidade de solicitar ou prestar assistência internacional no caso de incidente de poluição por óleo; convocar e coordenar as reuniões do Comitê-Executivo e do Comitê de Suporte, além de comunicar o acionamento do PNC aos órgãos e instituições integrantes do Comitê de Suporte. Estas são responsabilidades exclusivas do MMA, mas como o ministério participa dos comitês executivo e de suporte há ainda outras responsabilidades em suas mãos.

Para colocar o PNC em funcionamento, o MMA está investindo R$ 7 milhões no desenvolvimento de Cartas de Sensibilidade ao Óleo (Cartas SAO). Elas auxiliam na tomada de decisão de apoio à prevenção e preparação aos incidentes de poluição por óleo; na avaliação inicial dos locais a serem protegidos; nas ações de resposta e limpeza a vazamento de óleo; na avaliação e monitoramento dos impactos ambientais de um acidente; na organização de treinamentos simulados e na verificação de quais áreas devem receber estruturas diferenciadas para a abordagem inicial no atendimento à fauna atingida por óleo.

O ministério também já desenvolveu os Atlas das Bacias do Ceará-Potiguar, de Santos, do Espírito Santo, do Sul da Bahia e Sergipe-Alagoas-Paraíba-Pernambuco. Será concluído este ano o atlas das quatro últimas bacias marítimas: Pelotas, Campos, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas. De acordo com o gerente de projetos do Departamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) do MMA, Robson Calixto, o ministério está revendo o seu organograma institucional no intuito de incorporar a novidade de ser Autoridade Nacional do PNC. “Recursos oriundos do Orçamento da União deverão ser alocados para essa atividade, bem como projetos deverão ser elaborados para a incorporação e viabilização das ações por meio do Plano Plurianual”, diz Calixto.

O projeto de monitoramento, prevenção e ação para combater derramamento no mar está previsto desde 2000 por meio da Lei 9.966, que dispõe sobre prevenção, controle e fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas no mar. Essa lei determinou que portos organizados, instalações portuárias e plataformas, bem como suas instalações de apoio, dispusessem de Planos de Emergência Individuais (PEIs) para incidentes de poluição sendo que, nas áreas de concentração desses empreendimentos, tais planos deveriam ser consolidados em um único plano de emergência para toda a área (Plano de Área) sujeita ao risco de poluição.

O sistema de prevenção e resposta a derramamento de óleo começa com a exigência de que cada instalação individual que lide com esse produto tenha o seu PEI. Onde houver concentração de empreendimentos que produzam, transportem e estoquem óleo deverá ser desenvolvido um Plano de Área. Segundo o MMA, quem não tiver os Planos de Área pode receber penalidade pecuniária que varia de R$ 7 mil a R$ 70 mil. No último nível, quando um acidente é considerado de significância nacional, é acionado o PNC.

Neste caso, diz o decreto, a partir da comunicação inicial, o poluidor deverá comunicar o incidente ao Ibama, ao órgão ambiental estadual da jurisdição do ocorrido; a Capitania dos Portos
e a ANP. Além disso, o representante do navio deverá fornecer relatórios de situação às autoridades, contendo a descrição da situação atual do incidente, informando se foi controlado ou não e descrevendo, entre outros, o volume da descarga e do que ainda pode vir a ser descarregado, áreas afetadas, medidas adotadas e planejadas, localização atual, extensão e trajetória prevista da mancha de óleo, recursos humanos e materiais mobilizados, além da necessidade de recursos adicionais.

Se houver evidências de que os procedimentos adotados pelo poluidor não são adequados ou que os equipamentos e materiais não são suficientes e, ainda, se os procedimentos e estrutura previstos nos Planos de Áreas não se mostraram adequados, as instâncias de gestão do PNC serão mobilizadas pelo Grupo de Acompanhamento e Avaliação para facilitar, adequar e ampliar a capacidade das ações de resposta adotadas. O coordenador Operacional então avaliará a capacidade de controle do poluidor sobre o incidente, com base na utilização dos recursos disponíveis no Plano de Emergência Individual e no Plano de Área e, quando necessário, alocará os recursos humanos e materiais disponibilizados pelo Comitê de Suporte.

Para isso, o PNC terá entre seus instrumentos cartas de sensibilidade ambiental ao óleo e outros dados ambientais das áreas atingidas ou em risco de serem atingidas; centros ou instalações estruturadas para resgate e salvamento da fauna atingida por incidente de poluição por óleo; serviço meteorológico marinho; redes e serviços de observação; previsão hidrometeorológica, além do Sistema de Informações Sobre Incidentes de Poluição por Óleo em Águas Sob Jurisdição Nacional (Sisnóleo).

Esse sistema tem como objetivo consolidar e disseminar, em tempo real, informação geográfica sobre prevenção, preparação e resposta a incidentes de poluição por óleo. Esse sistema será desenvolvido e implantado pelo Ibama no prazo de 18 meses. Em novembro do ano passado, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública para debater o PNC. Na ocasião, o coordenador geral de Emergências Ambientais do Ibama, Marcelo Amorim, destacou em sua apresentação que o Sisnóleo já começou a ser desenvolvido. Na avaliação de Marisa Dietrich, por apresentar iniciativas de prevenção aos acidentes, esse sistema é um dos avanços do PNC.

“O maior mérito desse plano foi ter deixado à mostra a necessidade gritante de ações preventivas, sem as quais o decreto será apenas mais uma determinação escrita. Para implementar o plano será preciso investir em prevenção, o que não foi feito até agora. Sem as ações preventivas necessárias o plano nasce morto. Não há como colocá-lo em prática em caso de necessidade”, diz ela. A advogada afirma ainda que, por ser um grande explorador de petróleo, o Brasil carecia de um Plano Nacional de Contingência, mas as ações preventivas deveriam anteceder o plano. “Como isso não ocorreu, há um longo caminho a ser trilhado até que o plano possa ser realmente implementado”, avalia.

O Manual do PNC também será elaborado pelo Comitê-Executivo no prazo de 180 dias, prorrogável por igual período, contado da data de publicação do decreto. O documento técnico conterá, de forma detalhada, procedimentos operacionais, recursos humanos e materiais necessários à execução das ações de resposta em casos de acidentes de poluição por óleo. De acordo com Calixto, do MMA, no dia a dia a Marinha, o Ibama e a ANP, que compõem o grupo de Acompanhamento e Avaliação, já estão recebendo informações sobre os derramamentos de óleo e se reunindo para monitorar as ações de resposta e atuando em articulação sob o conceito de sistema de comando unificado de operações. “Esse manual será um detalhamento por escrito do modus operandi do que já vem acontecendo, claro em caráter formal”, explica o executivo.

Programas internos de capacitação e treinamento para membros do comitê executivo também estão previstos no plano. De acordo com Amorim, do Ibama, o órgão já realizou um primeiro curso, de Sistema de Comando de Incidentes, em conjunto com Marinha, ANP, Defesa Civil e MMA.

A ANP também vem treinando a sua equipe. Segundo a agência, treinamentos sobre mecanismos de planejamento e resposta para incidentes com óleo e vários níveis do Command Incident System já foram realizados, além de palestras sobre monitoramento de óleo por imagem de satélites. Além disso, técnicos da agência têm participado de eventos internacionais relacionados ao assunto. “A interface com órgãos internacionais, com experiência no assunto, tem sido bastante proveitosa”, diz a ANP, por meio de sua assessoria.

A agência dispõe de uma equipe multidisciplinar, composta por biólogos, oceanógrafos e engenheiros, que estuda o assunto e que, inclusive, contribuiu com o texto do decreto. Se o incidente envolver estruturas submarinas de perfuração e produção de petróleo, a ANP deverá designar um coordenador operacional para acompanhar e avaliar a resposta do incidente. Segundo a agência, seis servidores estão qualificados para exercer essa função. Além disso, a ANP conta com a expertise da Superintendência de Segurança Operacional e Meio Ambiente, que tem 30 servidores para auxiliar na execução do plano.

A fim de incorporar a novidade de ser Autoridade Nacional, o MMA está revendo o seu organograma institucional e, de acordo com Calixto, deve haver participação direta do gabinete da ministra do Meio Ambiente na coordenação e na articulação das ações, bem como no cumprimento das demais atribuições definidas no decreto. Calixto destaca também que a instituição do PNC retrata a maneira como o país se organiza, se estrutura e vai atuar no caso de um incidente de poluição por óleo de significância nacional. No entanto, ressalta o executivo, o plano foi desenvolvido sob a filosofia do Estado facilitador e não do interventor.

— As instituições nominadas no decreto deverão estar preparadas para a sua atuação. Contudo, ao invés de sair agindo no lugar do poluidor, o que pode eventualmente até vir a acontecer, o Estado põe em funcionamento a sua estrutura para facilitar e ampliar a capacidade de resposta do responsável pelo acidente. Muitas vezes é preciso trazer mais gente e equipamentos, mesmo de fora do país, ou, ainda, de um poder auxiliar que garanta ao poluidor as condições necessárias para fazer o que está previsto nos planos de emergência individuais, nos planos de área e o que lhe está sendo exigindo pelos coordenadores operacionais do PNC.

Para Andrea, do escritório Dannemann Siemsem, da forma como foi instituído o decreto mais parece um plano de governança. “De um modo geral, o projeto é positivo, porque vem justamente com o objetivo de assegurar uma proteção maior ao meio ambiente em casos de derramamento, mas se na prática vai solucionar todas as situações, ainda não temos essa certeza”, afirma.

Em relação ao conteúdo, Baitelo, do Greenpeace, diz que a atribuição das responsabilidades já poderia ter sido esclarecida há mais tempo. “Poderíamos ter levado muito menos do que esses dez anos para, pelo menos, definir essas diretrizes gerais”, opina.

Marisa, da Dietrich Ambiental, acredita que as universidades poderiam ter contribuído para a elaboração do decreto. “O principal ponto a ser avaliado no plano é a falta de apoio técnico. As universidades federais não foram incluídas e estão dotadas de capacitação técnica”, diz ela, acrescentando que muitas questões ainda precisam ser reavaliadas. “Muitas ações previstas não têm como se sustentar. Situações de emergência e risco demandam ações rápidas e uma estrutura pronta. Um plano dessa magnitude e com essa responsabilidade carece ser muito detalhado”, conclui.



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