Cabotagem é o caminho para o longo curso

Entrevista com o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), Bruno Lima Rocha >> O Syndarma vê no fortalecimento da cabotagem o caminho para que o Brasil volte a ter uma marinha mercante atuante no comércio internacional. Nesta entrevista exclusiva à Portos e Navios, o presidente da entidade enumera os temas mais caros para a entidade.

 

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Portos e Navios — Desde a década de 1990, a armação brasileira diminuiu de tamanho, a partir de mudanças na legislação que retiraram proteção à bandeira nacional e com o avanço dos grandes armadores internacionais, a cada dia com mais poder competitivo. Que balanço o Syndarma faz desse período para a armação brasileira?

Bruno Lima Rocha — Na ocasião da onda de liberalização que ocorreu no mundo após a década de 80, o país custou a reagir e o fez timidamente, criando o Registro Especial Brasileiro (REB), no âmbito da Lei nº 9.432/97, que trata do ordenamento do transporte marítimo. Os poucos benefícios concedidos pelo REB nem de longe assemelham- se aos auxílios e incentivos criados no exterior com os segundos registros das grandes potências comerciais. O REB não possibilitou o fortalecimento das empresas brasileiras para participar no mercado externo.
Inviáveis para operar no longo curso, em função dos seus portes e dos seus custos, vários navios, originalmente concebidos para este segmento, migraram para a cabotagem e para a operação regional (Mercosul). Esta transferência foi um indutor do renascimento da cabotagem, que hoje cresce num ritmo bem superior à economia do país. Há que se considerar que a consolidação deste efeito será mais significativa quando as assimetrias com o modal rodoviário forem resolvidas.

Portos e Navios — E quanto ao segmento de apoio marítimo?

Lima Rocha — A atividade foi iniciada no final da década de 60 somente com embarcações de propriedade de empresas estrangeiras e teve sua consolidação no período entre 1982 e 1989, com a operação das primeiras plataformas semissubmersíveis, e a adjudicação de contratos em licitação pública para armadores brasileiros. Já no final da década de 80, o número de embarcações de apoio marítimo com bandeira brasileira chegava a 110. Na década seguinte, entre 1990 e 1997, a abertura indiscriminada do mercado atingiu frontalmente o setor e as empresas estrangeiras passaram a dominar o mercado, havendo perda de tecnologia, de empregos, e evasão de divisas. Nesse período a frota de apoio marítimo com bandeira brasileira caiu para 43 embarcações.

Somente com a promulgação da Lei nº 9.432, em janeiro de 1997, as empresas de apoio marítimo brasileiras se sentiram seguras para adotar um programa de modernização da frota, mediante a construção local de embarcações apropriadas à operação em águas profundas e ultraprofundas. Hoje, a atividade de apoio marítimo conta com 492 embarcações das quais 233 são de bandeira brasileira.

PN — Há condições de mercado hoje para que a armação brasileira volte a ocupar espaço no comércio internacional brasileiro?

Lima Rocha — Podemos afirmar que o fortalecimento da cabotagem poderá gerar condições para a expansão da frota nacional, e assim almejar-se o retorno de participação na navegação de longo curso. Para isso, é necessário que o Estado estabeleça uma política para a marinha mercante que fortaleça o crescimento da atividade. Atacar as assimetrias que o modal marítimo tem com o rodoviário e estabelecer uma drástica desoneração de nossa bandeira, aproximando-a dos segundos registros estrangeiros, são condições para que as empresas de navegação brasileiras se fortaleçam na cabotagem e tenham condições competitivas para se aventurarem no longo curso.

A cabotagem hoje vem crescendo a taxas expressivas, com desempenho bem superior ao da economia do país. Um setor que cresce a taxas superiores ao crescimento do país pode ser considerado um setor maduro. Mas como crescer sem que a economia cresça? O crescimento se dá pela oferta de serviço cada vez melhor aos seus usuários. Além da melhora do serviço, o correto entendimento do funcionamento da cabotagem por um número cada vez maior de empresas, suas vantagens econômicas, ambientais e sociais fazem com que, a cada dia, mais proprietários de carga prefiram o modal aquaviário para seu transporte.

PN —Como está a situação da formação e da quantidade de marítimos disponíveis no país?

Lima Rocha —A adoção de política de pleno emprego não pôde ter continuidade. A formação de marítimos é exclusiva da Marinha do Brasil. Há alguns poucos anos, um estudo detalhado foi elaborado e indicou que se medidas urgentes não fossem então adotadas para ampliar a formação atingiríamos uma situação calamitosa. Felizmente a Marinha entendeu e reagiu, e a capacidade de formação foi ampliada. Adicionalmente, a entrada de oficiais estrangeiros nos levou a uma situação de equilíbrio, porém ainda é extremamente frágil, razão pela qual não podemos concordar com a redução de vagas para formação de marítimos.

Quando pensamos em marítimos, a primeira ideia que temos é do pessoal embarcado. Entretanto esta mão de obra é empregada no que chamamos de cluster (terminais, empresas de navegação, indústria de navipeças, e outros). Esta é mais uma razão para que tenhamos a formação contínua de um grande contingente de marítimos. Isto tudo sem considerar que é uma profissão globalizada, e que uma vez obtido seu certificado, os oficiais mercantes estão aptos a pleitear empregos em várias empresas internacionais de navegação. O mercado internacional está absolutamente carente de oficiais.

PN —Quais são os temas mais relevantes hoje para os armadores brasileiros, e qual é a posição do Syndarma para eles?

Lima Rocha — Enumero sete itens muito importantes: mão de obra — a restrição na formação de oficiais, em contraposição ao aumento da demanda, fez com que o custo da mão de obra disparasse no setor. Esta redução da oferta de mão de obra, somada ao custo trabalhista e previdenciário, fez o custo diário com tripulação na navegação brasileira ser hoje mais que o dobro daquele praticado pela navegação estrangeira. Isto é verdade tanto na cabotagem quanto no apoio marítimo.

Praticagem — este serviço apresenta características monopolistas. É fato que a inexistência de regulação ao longo dos anos propiciou a prática de preços abusivos para os serviços. A CNAP, que foi criada para estabelecer um balizamento, teve suas conclusões judicializadas e até o momento não houve qualquer progresso. Aliás, pelo contrário, a situação hoje é pior que a anterior.

Combustível — O combustível utilizado no transporte rodoviário é subsidiado e estabelecido de acordo com uma política econômica de controle da inflação. O transporte marítimo na cabotagem não goza dos mesmos privilégios. Além disso, ainda que a legislação tenha tentado garantir equiparação entre os preços do combustível entre a navegação de cabotagem e a de longo curso, isto nunca foi viabilizado.

Burocracia — Um dos fatores, que causa um impacto relevante não só no tempo total de operação, como também no custo, é a burocracia. Entre os vários órgãos anuentes (Anvisa entre eles), a Receita Federal dá tratamento às cargas de cabotagem idêntico às cargas de longo curso, embora sejam cargas nacionais que deveriam receber tratamento semelhante àquele das cargas transportadas nas estradas. A criação da Conaportos ainda não teve qualquer reflexo na diminuição nos processos burocráticos da cabotagem.

Política de Conteúdo Local — a exploração de petróleo no mar também levou a ser adotada uma política de desenvolvimento para a indústria naval e marítima brasileira, com implementação de regras de conteúdo local, as quais necessitam ser revistas para torná-las exequíveis.

Clareza e estabilidade Tributária — as incertezas tributárias preocupam as empresas de navegação de apoio marítimo, e inibem novos investimentos do setor. Há necessidade de regras e interpretações homogêneas.

Prorefam — O Programa de Renovação da Frota de Apoio Marítimo, adotado pela Petrobras, foi importante sinalização para novos investimentos no setor do apoio marítimo. A sua continuidade e atualização é necessária para que o setor continue a se desenvolver.

PN —Um dos assuntos relevantes hoje no mundo da navegação é a sustentabilidade. As restrições são a cada dia maiores com relação a emissões e uso de energia. Como os armadores brasileiros estão se preparando para os novos tempos?

Lima Rocha — Entre os vários modais, o transporte aquaviário se destaca exatamente pelo seu baixo nível de emissões. Uma das razões para este fato é o comprometimento das várias frotas de embarcações terem de cumprir normas nacionais e internacionais. O controle das emissões é rotineiramente feito e acompanhado pelas áreas técnicas. A navegação, pelas suas características de operação globalizada, acaba adotando as regras mais rigorosas de cada país, fruto das regras estabelecidas no âmbito da IMO. Assim, podemos afirmar que a sustentabilidade da navegação é parte do seu negócio, pois se não adotada não sobreviverá.



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