Oportunidade desperdiçada


Brasil é o quarto país em número de arbitragens, mas não tem tradição no setor marítimo — Especialistas em direito marítimo são unânimes no diagnóstico da arbitragem marítima brasileira. Eles afirmam que o Brasil precisa de uma mudança profunda, que não abrange apenas a formação de árbitros em padrão internacional. Advogados defendem que, paralelamente à capacitação da arbitragem nacional, o Brasil precisa incentivar o desenvolvimento de sua marinha mercante e criar políticas que aproveitem o potencial de sua indústria naval. O país é o quarto em número de arbitragens não marítimas no mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Alemanha e Canadá, segundo a Câmara de Comércio Internacional. Apesar disso, o Brasil não aproveita essa vocação para resolver conflitos do segmento marítimo.

O presidente da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e do Mar da OAB/RJ e sócio do Kincaid Mendes Vianna Advogados, Godofredo Mendes Vianna, observa a arbitragem marítima no Brasil carente de uma profunda mudança de pensamento que vá da difusão de conhecimento nas universidades até a políticas voltadas para arbitragem e incentivos públicos para atividade marítima de forma geral, como ocorre em outros países, como Cingapura.

Vianna identifica uma espécie de cultura de submissão dos processos a jurisdições neutras, como a Inglaterra. Os árbitros em Londres são permanentes e têm muitos anos de tradição nesse tipo de processo. No entanto, pesa sobre a arbitragem inglesa os altos custos, cotados em libras. O advogado diz que somente grandes demandas justificam arbitragem em solos britânicos. Ele destaca que muitos países possuem juízes e varas especializadas para disputas marítimas.

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Vianna cita que existem varas empresariais no Rio de Janeiro que são especializadas em direito marítimo, mas que não são exclusivas dessa atividade. Muitas vezes, o tribunal possui juízes experientes, mas que não conhecem o tema ou não o julgam com frequência. As grandes câmaras de arbitragem internacional, como Nova Iorque (EUA) e Londres, possuem árbitros exclusivos para esse tipo de processo.

A arbitragem continua sendo o principal meio de resolução de conflitos envolvendo o direito marítimo no mundo. Alguns dos motivos estão relacionados às particularidades do comércio marítimo, incluindo a padronização da regulamentação internacional, termos e documentos utilizados. Na maioria dos casos, o contrato já estipula a arbitragem, que consiste na confrontação de provas e argumentos perante o terceiro, julgador neutro e confiável. “Em meio à crise na relação entre duas empresas, é necessária uma decisão firme, oponível a ambas, não lhes sendo exigível que confie uma vez mais no bom discernimento da outra parte para engajarem-se em mecanismos mediatórios ou conciliatórios”, explica Vitor Kneipp, gerente geral do Instituto Mar e Portos (Imapor).

A decisão arbitral vale como sentença judicial, enquanto acordos frutos de mediação ou conciliação só valem como sentença após homologação judicial, não sendo capaz de assegurar as partes. Kneipp diz que o mercado entende a mediação como inconclusiva, na medida em que há necessidade de recorrer ao Judiciário. De qualquer forma, as arbitragens no Brasil costumam obrigar as partes a uma espécie de ‘audiência preliminar de conciliação’ que, uma vez bem sucedida, produz um acordo que pode ser homologado.

Os custos de uma arbitragem não envolvem apenas honorários dos árbitros, dos advogados e peritos e custas processuais e administrativas do juízo, o que inclui serviços de secretaria e tradução, por exemplo. Dependendo do foro escolhido, somam-se ainda despesas com transporte, estada e alimentação de todas as pessoas envolvidas e empresas em disputa. “Esses custos encarecem muito a opção por foros exteriores, principalmente se levarmos em conta a exposição da nossa moeda frente à libra, ao euro e ao dólar”, calcula Kneipp.

Considerando as arbitragens não marítimas, o Brasil, além de quarto em número de arbitragens no mundo, é o primeiro na América Latina e está três vezes à frente do México, segundo colocado, de acordo com o Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá. De 2005 a 2011, o valor total das causas submetidas às principais câmaras arbitrais do país saltou de R$ 247 milhões para R$ 3 bilhões.

No caso da arbitragem marítima brasileira, um dos desafios é formar um quadro que permita a escolha de árbitros especialistas no tema. Vianna defende que o direito marítimo volte a ser matéria obrigatória na grade curricular das universidades. Segundo o advogado, formar árbitros sem que eles conheçam esse objeto de discussão não resolverá o problema da arbitragem brasileira. Ele considera necessário esforço de associações de classe, empresários e órgãos competentes para dar condições adequadas à formação de árbitro, tanto teórica quanto prática.

Vianna cita que, embora as arbitragens sejam confidenciais, candidatos a árbitros nos Estados Unidos podem solicitar autorizações especiais para assistir às audiências. Segundo o advogado, essa experiência ajuda o profissional a adquirir bagagem e sensibilidade para atuar como árbitro. Ele lembra que as grandes questões arbitrais envolvem milhões de dólares e que essa experiência é essencial.

Em pesquisa realizada pelo professor Wellington Beckman para tese de mestrado sobre o poder judiciário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), constatou-se que não houve questões de direito marítimo, portuário, aduaneiro, petróleo e internacional privado (contratos internacionais) nas provas para ingresso nas carreiras de juízes federais e estaduais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo nos anos 2009, 2010 e 2011.

O mesmo se deu nas grades curriculares das respectivas escolas de formação de magistrados, nesse período. O levantamento também não observou uma política de capacitação dos magistrados, seja por meio das escolas da magistratura, seja pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O professor em direito marítimo e portuário e expert witness em arbitragem (testemunha técnica), Osvaldo Agripino de Castro Junior, que orientou o trabalho de Beckman, vê despreparo no judiciário. “Não estou falando que o judiciário não tenha capacidade. Mas o que se exige da justiça federal e estadual nas provas de concurso me faz afirmar que eles não estão preparados para julgar essas causas complexas envolvendo direito portuário e direito marítimo”, lamenta. Agripino considera necessário que a academia, a OAB, as associações de usuários e as federações de indústrias se organizem para a criação de câmaras de mediação e arbitragem para julgar tais conflitos nas cidades portuárias ou com forte fluxo de mercadorias. Ele é árbitro na recém-criada Câmara de Arbitragem Marítima do Rio de Janeiro.

Em abril, Vianna esteve em conferência sobre arbitragem e direito marítimo na Ásia, que contou com apoio da Suprema Corte de Cingapura. Ele destaca que o país desenvolveu sua arbitragem, aproveitando a força marítima asiática e baseado em políticas de incentivo, como a isenção de taxas para armadores que se estabelecem em Cingapura. O advogado explica que Cingapura possui código parecido com o código inglês que, por sua vez, é diferente do modelo brasileiro.

O país asiático atraiu árbitros da Inglaterra e criou condições para resolver conflitos de empresas de países do continente, também aproveitando o favorecimento geográfico, já que Londres fica distante. Cingapura criou ainda uma subdivisão voltada para acidentes, colisão e abalroamento.

Outro problema, apontado por uma fonte que preferiu não se identificar é que muitos candidatos a árbitros não têm condições de financiar seus cursos no Brasil. “Tem gente muito boa que poderia ser árbitro mas não tem recursos. Também existe gente que tem condições financeiras, mas não está nem aí porque acha que está bem trabalhando pelo método litigioso. Seria melhor se houvesse um financiamento público para a formação dos árbitros”, defende essa fonte.

Em abril, o Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima (CBAM) completou seis meses de existência. Em fase de estruturação até julho de 2014, o CBAM tem como metas nessa etapa iniciar uma escola de árbitros; definir as regras de governança, procedimentos arbitrais e estatuto social; reforma da sede do Imapor para oferecer serviços aos casos submetidos ao CBAM; e mobilização de interessados.

Nos últimos meses, a sede do SindaRio e do Imapor foi reformada para sediar as arbitragens. A ideia é oferecer palestras e eventos do setor, além de salas de reunião com isolamento acústico, plataforma para videoconferências, serviços de fotocópia e impressão, internet WI-FI e alta proteção de rede. O objetivo com a reforma e a governança integrada é certificar a todos de que os custos controláveis serão os mais baixos possíveis e com funcionalidade eficiente.

O conselho estruturador do CBAM funciona como uma espécie de assembleia-geral aberta mensal, que conta com monitoria da Fundação Dom Cabral. A escola de árbitros tem as chancelas da escola de árbitros Internacionais (certificação pelo CIArb — Chartered Institute of Arbitrators) e da escola de árbitros domésticos (certificação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ). Também está em funcionamento o comitê de procedimentos, responsável pela elaboração e, futuramente, apresentação para consulta pública do regulamento da arbitragem.

Kneipp esclarece que a certificação da escola não é condição para que os candidatos integrem o quadro de árbitros do CBAM, mas serve de nivelamento de aspectos processuais e legais, tendo como público alvo juristas buscando atualização e marítimos. Ele conta que a Câmara de Arbitragem Marítima de Cingapura foi o que mais inspirou a criação do CBAM, na medida em que ela provou que as disputas relacionadas ao comércio marítimo internacional não precisam necessariamente se submeter a procedimentos e juízos arbitrais europeus ou norte-americanos.

Além disso, o exemplo de Cingapura mostrou que é possível formar os próprios árbitros, com qualidade e capacidade certificadas internacionalmente. “Foi o exemplo que o Brasil precisava para acreditar que construir um centro de arbitragem marítima não é sonho: é um projeto absolutamente palpável, tangível e possível”, defende Kneipp.

O projeto do CBAM nasceu no início de 2013 após reunião da presidente do SindaRio, Marianne von Lachmann, com a Associação de Arbitragem Marítima de Londres (LMAA, na sigla em inglês) para sugerir que a LMAA abrisse uma filial no Brasil. Na ocasião, a LMAA declinou do projeto porque a demanda em Londres já os ocupava demais para pensar em expansões para a América Latina. No entanto, eles recomendaram que o Brasil seguisse trajetória própria e buscasse credibilidade no mercado através da certificação internacional dos árbitros.

Além da SCMA (Cingapura), a LMAA (Londres) e a SMA (Society of Maritime Arbitrators), de Nova Iorque, são os foros mais concorridos em disputas de comércio marítimo. As duas últimas já sofrem com atrasos nos processos e excesso de demanda. Para Kneipp, Cingapura e o Brasil surgem para atender esse excedente de disputas, primeiramente nacionais e regionais e, posteriormente, a nível internacional.

O CBAM espera chegar a 2020 realizando 250 arbitragens marítimas domésticas de pequenas causas e 50 arbitragens marítimas internacionais por ano. Em curto prazo, a previsão é a realização do primeiro curso de introdução à Arbitragem Internacional em parceria com o CIArb. Até o fim do primeiro semestre de 2014, a ideia é elaborar o estatuto e aprovar as regras de governança do CBAM. A previsão é iniciar a primeira arbitragem marítima doméstica até janeiro de 2015.

Uma decisão judicial em última instância leva, em média, mais de 10 anos para ser executada no país. Para a Associação Brasileira de Direito Marítimo (ABDM), o custo-benefício do sistema judiciário brasileiro pesa negativamente na capacidade de competição do país. Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que quase 90 milhões de processos tramitaram na justiça brasileira em 2011, sendo que apenas 23,7 milhões de sentenças e decisões foram proferidas.

Processos de execução são a maior causa da morosidade. A despesa total da Justiça em 2011 alcançou R$ 50,4 bilhões, o equivalente a 1,24% do PIB, sendo 90% referente a gastos com remuneração de pessoal. No mesmo período, os investimentos do governo totalizaram R$ 44,4 bilhões, o que representa 1% do PIB, segundo o Ministério da Fazenda.

Agripino elogia a lei de arbitragem brasileira (9.307/1996), declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Lei 9.307/96, conhecida como Lei Marco Maciel, completa 15 anos em setembro de 2014. Ele lembra que o artigo 160 da Constituição de 1824 já falava sobre arbitragem: “Nas cíveis e nas penais, civilmente intentadas, poderão as partes nomear Juízes Árbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes”, diz o artigo.

Hoje, os idealizadores do CBAM esperam que o incremento da arbitragem impacte em ganhos de competitividade e melhoria no ambiente de negócios, com a redução significativa de custos para o setor marítimo e portuário, resolução de conflitos de forma mais célere e confidencialidade nos processos. De acordo com Kneipp, do Imapor, a arbitragem é conclusiva, ao contrário de outros dois métodos de solução alternativa de disputas: mediação e conciliação.

A arbitragem vem sendo usada em contratos de construção e venda de navios, de afretamento e de salvamento. A nova Lei dos Portos (12.815/2013) também incluiu a arbitragem como forma de solução de conflitos entre trabalhadores portuários e concessionários e arrendatários. O artigo 37 dessa lei estabelece a constituição de uma comissão, no âmbito do órgão de gestão de mão de obra, para solucionar litígios e que, em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais. Já o artigo 62 da lei diz que o inadimplemento, pelas concessionárias, arrendatárias, autorizatárias e operadoras portuárias no recolhimento de tarifas portuárias e outras obrigações financeiras perante a administração do porto e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), assim declarado em decisão final, impossibilita o inadimplente de celebrar ou prorrogar contratos de concessão e arrendamento, bem como obter novas autorizações.

Para Agripino, as diretrizes para incentivar o uso da arbitragem no setor portuário devem partir das entidades que defendem os usuários e órgãos reguladores como o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transportes, o Conselho de Autoridade Portuária e Antaq. Ele cita a câmara arbitral marítima do Rio de Janeiro, fundada em março de 2013 para oferecer soluções aos litígios correspondentes ao transporte multimodal, às atividades portuárias e atividades marítimas em geral, que envolvam direitos disponíveis. Para Agripino, esses processos precisam ser resolvidos de forma rápida, mais barata e com profissionais especializados.

Ele ressalta que a essa insegurança jurídica represa investimentos. E diz que a primeira questão que grandes empresas em países desenvolvidos levam em consideração quando vão fazer negócio é quem vai arbitrar o conflito e, em segundo lugar, qual a legislação que será aplicada. “As empresas brasileiras têm que começar a fazer com que as arbitragens sejam decididas aqui também. O primeiro passo é tentar fazer com que haja centros de excelência com gente capacitada para ter essa demanda atendida plenamente aqui dentro e não lá fora”, afirma.

Ele acredita que muitas questões que envolvem porto poderiam ser resolvidas por arbitragem. “O que justifica, por exemplo, um contrato de compra e venda Brasil-China ser resolvido em local neutro, e não no Brasil ou na China? As operações internacionais deveriam ser resolvidas em arbitragens nos países que fazem a operação. Temos que desenvolver essa cultura no Brasil, ainda está muito devagar isso”, avalia.

Kneipp, do Impor, lamenta a falta de um debate doutrinário sobre o direito marítimo no Brasil, a exemplo do que acontece com o direito civil e constitucional. Ele alerta que o direito marítimo deixou de integrar a grade obrigatória do MEC para o bacharelado de Direito e deixou de integrar a maioria dos concursos públicos. “Isso é muito grave porque o tribunal marítimo não é autônomo à justiça”, alerta.

Ele acrescenta que a comunidade empresarial marítima vive ambiente muito hostil. E cita a falta de armadores de longo curso, as perdas da cabotagem para o transporte rodoviário, além das incertezas em relação às expectativas da modernização dos portos devido ao andamento dos programas de logística do governo federal.

O CBAM está prospectando com entidades e empresas novos apoios ao projeto de desenvolvimento da arbitragem marítima. Hoje, além do Imapor e da Fundação Dom Cabral, o CBAM tem, entre outros parceiros, o Sindicato das Agências de Navegação Marítima e Atividades Afins do Estado do Rio de Janeiro (Sindario), ABDM, Uerj, Fundação de Estudos do Mar (Femar), Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Instituto Ibero-americano de Direito Marítimo (IIDM) e Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindaerj).



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