Precaução geral

Ritmo da atualização de cartas náuticas desanima revendedores nacionais. Estrangeiras estudam oportunidades - Poucas empresas brasileiras atuam direta ou indiretamente na distribuição de cartas náuticas e softwares para auxílio à navegação. Mesmo os projetos da Marinha para atualização dessas ferramentas não estão animando os revendedores de cartas e fornecedores de serviços ligados a essa atividade. Eles reclamam da falta de estímulos por parte da Marinha e se voltam cada vez mais para o mercado de esporte e lazer. Algumas estrangeiras desenvolvedoras de softwares para cartas náuticas enxergam oportunidades, mas ainda analisam com bastante cautela se devem abrir representações no Brasil. A baixa demanda e o ritmo das atualizações afastam essas empresas do mercado brasileiro.

Grande parte dos envolvidos com esse mercado de cartas é revendedor da Marinha ou distribuidor de softwares de empresas estrangeiras. A Velamar Náutica, que atua como revendedora das cartas náuticas da Marinha, encomenda e recebe cartas, junto com as atualizações disponibilizadas pela autarquia. O diretor da empresa, Fredy Morisot, relata que a Velamar, recentemente, precisou subir o preço das cartas e perdeu competitividade. A dificuldade existe porque, segundo ele, a Marinha retirou benefícios dos pontos de venda.

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Morisot alega que antes havia desconto quando a empresa dele comprava em volume para fazer estoque e conseguia vender praticamente, senão igual, muito próximo do preço que era vendido nas capitanias dos portos. “Agora eu vendo pelo dobro do preço, mas eu não tenho opção porque eu compro pelo preço cheio. É desestimulante. O cliente que vem à loja comprar acha que estamos cobrando muito caro. Mas temos a carta na mão e, às vezes, as capitanias não as têm disponíveis”, pondera. Ele explica que os revendedores precisam incluir no preço impostos, serviço de aplicação de correções e uma margem de lucro.

As cartas são atualizadas e disponibilizadas gratuitamente no site da Marinha a cada 15 dias. As atualizações são provenientes de levantamentos hidrográficos realizados pela Marinha ou por outras entidades, conforme as Normas da Autoridade Marítima para Levantamentos Hidrográficos (Normam-25).

O diretor da brasileira Cash Computadores e Sistemas, Norberto Coelho da Silva, ressalta que a rotina da navegação dificulta o monitoramento das atualizações pelos usuários. Por conta disso, a empresa lançou em 1996 o Nasareh (Navegação por Satélite com Recursos Hipermídia), um software de auxílio à navegação compatível com embarcações de todos os portes, desde barcos de recreio até fragatas e navios. “Trabalhamos para fazer com que nosso software consiga automatizar o processo de atualização das cartas náuticas”, diz Silva.

Atualmente, existem cerca de 300 cartas abrangendo o litoral brasileiro. A região Norte é mais carente de atualizações, enquanto o litoral tem tido atualização das cartas digitais com mais frequência. Silva destaca que a atualização das cartas no Sudeste é maior em relação às demais regiões do país, sobretudo devido ao grande volume de tráfego de embarcações.

O maior vazio cartográfico concentra-se nos estados do Amazonas, Amapá, parte do Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Roraima. A Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha (DHN) produz documentos cartográficos que contemplam os rios Amazonas, Acará, Acre, Branco, Capim, Guamá, Javari, Jari, Japurá, Juruá, Iça, Madeira, Moju, Negro, Nhamundá, Pará, Paracuari, Paru, Purus, Solimões, Tapajós, Tocantins, Trombetas, Xingu e região dos Estreitos.

De acordo com a Marinha, desde a implementação do projeto Cartografia da Amazônia há cinco anos, foram produzidas ou atualizadas 78 cartas. Entre 2008 e 2013, foram produzidas 21 cartas em papel e 19 cartas eletrônicas na Amazônia, além da atualização de 38 cartas na região. Com a ação, 1,8 milhão de quilômetros quadrados passarão a ter informações cartográficas em escalas maiores.

O capitão-de-mar-e-guerra Edson Carlos Furtado Magno, diretor do Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), diz que as maiores dificuldades residem na necessidade de manutenção constante da qualificação técnica para acompanhar a rapidez da evolução tecnológica e as novas demandas por parte dos navegantes. “São grandes desafios porque requerem consideráveis recursos financeiros para obter essa infraestrutura, bem como corpo técnico com elevada qualificação”, analisa Magno.

Em fevereiro de 2013, a Marinha incorporou à sua frota dois avisos hidrográficos fluviais — embarcações de pequeno porte que serão usadas para a produção de cartas náuticas da Amazônia Legal. O modelo AvHoFlu é um navio com capacidade de realizar levantamentos hidrográficos e oceanográficos. Possui um casco com formato adequado a operações em áreas fluviais, sendo que seu pequeno porte possibilita operações em regiões de profundidades rasas.

Apesar de ter feito o mapeamento de boa parte do litoral brasileiro, a região amazônica continua sendo um dos principais desafios para a Marinha para ampliar sua base de dados. O alto custo para realizar os levantamentos hidrográficos e a extensão dos rios na região Norte dificultam os trabalhos de mapeamento e atualização para navegação no interior. A atualização das cartas náuticas envolvem levantamentos com tecnologia multifeixe, produção cartográfica baseada em banco de dados e a distribuição pela internet.

O diretor comercial da Spectrah Oceanografia e Meio Ambiente, Silvio Guimarães, diz que os usuários (armadores, praticagem e donos de barcos) são mais beneficiados com a atualização das cartas náuticas do que as empresas de batimetria. “Para nós, a atualização não muda nada. A não ser que a Marinha faça uma área nova que não exista. Quem vai se beneficiar com isso são os usuários, nem tanto as empresas de batimetria”, comenta Guimarães.

Ele conta que poucas empresas de batimetria têm condições de investir na compra de equipamentos de tecnologia multifeixe. Os mais baratos custam em torno de R$ 500 mil e pesam no orçamento das empresas de menor porte. Ele lamenta que poucas empresas concentrem as demandas por levantamentos batimétricos. Segundo o diretor comercial da Spectrah, muitas dessas empresas ficam de fora da disputa por serviços em escala maior porque os editais privilegiam empresas grandes.

Guimarães conta que a Spectrah tem buscado abrir novas áreas de atuação. Atualmente, a empresa está fazendo amostragens para quantificação de jazidas. O equipamento utilizado pelos técnicos da empresa penetra no mar ou rio e mostra que material tem no fundo — como areia, lama, rochas e minerais.

Para Guimarães, a maior carência da batimetria está na área de esporte e recreio. “O Sudeste está bastante suprido. Mas acho que faltam dados na parte de lazer e recreio, como nos locais onde estão as marinas. Esses locais são pouco mapeados. Angra dos Reis, com certeza, deve ter um monte de rochedo. Muita gente passa com maré baixa, não percebe e bate”, alerta Guimarães. Ele também acredita que a área costeira está bem servida em relação a dados de batimetria e cartas náuticas, mas deixa a desejar na parte de bacias hidrográficas.

As cartas digitais vêm apresentando a principal evolução entre os equipamentos e sistemas de visualização de informações cartográficas, coleta de dados e de produção e editoração cartográfica. Entre os destaques estão: produção das cartas eletrônicas de navegação (ENCs, na sigla em inglês), ECDIS (sistemas de informação e exibição de cartas eletrônicas), distribuição de dados digitais, inclusive pela internet e, no caso da carta em papel, impressão sob demanda.

As cartas eletrônicas devem ser utilizadas em conjunto com os sistemas de navegação e sistema de backup, de acordo com o tipo de navio. A DHN publica cartas náuticas eletrônicas que contemplam os principais portos e rotas de navegação, conforme estabelecido pela Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês).

As cartas eletrônicas são distribuídas por meio dos revendedores habilitados em dois centros de distribuição regionais de ENC existentes e reconhecidos pela Organização Hidrográfica Internacional. O processo de comercialização das cartas de formato raster (apresentadas em uma imagem tipo bitmap, idêntica à carta em papel) está associado ao estudo da oficialização desses documentos náuticos para navegação, além de envolver um maior controle e necessidade de fiscalização dos sistemas empregados em navegação conjunta com as cartas.

As cartas náuticas no formato vetorial são organizadas em camadas, o que permite a seleção, análise e apresentação de elementos de forma customizada ou automática, havendo interação do navio com cada um de seus elementos. Uma das vantagens do modelo vetorial é poder selecionar as informações a serem visualizadas pelos marítimos — boias, luzes, batimetria e profundidade, por exemplo.

A Marinha faz cartas vetoriais no padrão internacional (S-57) e entrega para instituições de outros países, que as protegem contra cópias e geram carta com padrão mundial (S-63). A Cash Computadores, distribuidora de uma empresa alemã, possui cartas vetoriais do Brasil e de outros países. A empresa também aposta no fornecimento de cartas náuticas para algumas hidrovias que a Marinha ainda não possui em formato digital.

Apesar de interessadas no mercado brasileiro de navegação, algumas empresas estrangeiras estudam com cautela se existem oportunidades efetivas de negócios. “Estamos especificamente interessados nas possibilidades apresentadas pelo segmento offshore brasileiro e monitoramento costeiro”, revela o gerente de vendas da Nobeltec, Frédéric Algalarrondo.

A empresa norte-americana oferece mais de seis mil cartas náuticas de todo o mundo, incluindo formatos raster e vetorial. A empresa já equipou mais de 95 mil embarcações em 25 diferentes países. O software desenvolvido pela Nobeltec está disponível em 13 diferentes idiomas. Recentemente, a Nobeltec lançou um sistema voltado para monitoramento do litoral. A empresa tem interesse em vender para a Petrobras e para a indústria pesqueira de Itajaí (SC).

A Nobeltec aposta numa linha de produtos para atender às necessidades de diversos segmentos da navegação, como recreação, pesca comercial e barcos de trabalho. “Com certeza, existe potencial para nosso negócio no Brasil. Atualmente, estamos relativamente novos no mercado brasileiro e estamos começando a desenvolver uma rede de distribuição no país”, conta Algalarrondo.

Um dos receios dos fornecedores estrangeiros de software são os custos para levar esses produtos para o Brasil. “Temos notado que o nível de imposto sobre software importado é bastante elevado no Brasil, o que torna mais difícil entrar no mercado”, comenta Algalarrondo.

Um dos principais softwares da Nobeltec é baseado na tecnologia TimeZero, que permite aos usuários afastar e aproximar os quadros instantaneamente, sem necessidade de esperar para redesenhar. O software também inclui uma função de AIS (Sistema de Identificação Automática), que possibilita identificar alvos ao redor do navio e antecipar ações. Ao rolar o mouse sobre um ícone alvo AIS, é exibida uma lista de informações detalhadas, como a velocidade, CPA (ponto mais próximo de aproximação) e TCPA (tempo para o ponto mais próximo de aproximação).

Outra inovação é um recurso de sobreposição do radar, que permite ao usuário sobrepor a imagem de radar integrado na carta marinha exibido dentro do software Nobeltec. “Isso significa que o usuário pode visualizar e controlar o radar diretamente de dentro do nosso software, o que significa que o computador funciona como uma estação de controle de navegação central”, explica Algalarrondo.

A norueguesa Jeppesen, subsidiária da Boeing, possui um software que reduz a carga de trabalho sobre o marinheiro e possibilita o acesso para qualquer carta náutica, incluindo as eletrônicas. O NauticalManager orienta o usuário através do processo de planejamento de rotas e de seleção e ordenação de cartas. O aplicativo também orienta o cliente a manter seu banco de dados completo e atualizado, assim como exportar os certificados das cartas recebidas para seu sistema de informações (ECDIS).

A Jeppesen também oferece serviços marítimos digitais que visam aumentar a eficiência operacional. O Vessel and Voyage Optimization Solution (VVOS) torna a viagem mais rentável, permitindo que cada navio da frota atinja maior eficiência, bem como a melhoria das margens operacionais e mitigação do risco operacional através de ferramentas que otimizam a segurança.

O gerente de negócios estratégicos da Jeppesen, Paul Elgar, diz que qualquer lugar com operações de transporte comercial é um mercado-alvo para empresa, desde que pareça financeiramente viável. Ele acredita que a localização seja o principal problema para a empresa investir no mercado brasileiro. “A Jeppesen tem escritórios e operações em muitos países europeus e asiáticos, mas nenhum na América do Sul”, diz.

Elgar acrescenta que, provavelmente, seria necessário um investimento significativo para desenvolver o mercado sul-americano. “Vemos possibilidades no Brasil e já participamos de seminários no país algumas vezes. Além disso, existem muitas empresas norueguesas que têm navios que operam no Brasil, principalmente no mercado offshore”, destaca Elgar.

A Jeppesen licenciou o software FlatFee para cartas náuticas eletrônicas oficiais. O FlatFee ajuda os marinheiros a prever com precisão os custos de cartas, agilizando o processo de compra e utilização. “A ferramenta foi desenvolvida para atender à crescente necessidade de soluções de navegação flexíveis e expansíveis que ajudem os marinheiros a prever de forma mais precisa os custos anuais de cartas”, explica Gary Minard, diretor global de vendas e marketing marítimos da Jeppesen.

O Jeppesen FlatFee permite aos marinheiros comprar algumas ou todas as nove zonas mundiais a um preço fixo acessível. Uma vez adquiridas, as embarcações são capazes de ver e usar todas as cartas, tanto para planos de viagem como para navegação, sem limitações para uma assinatura anual. Isso ajuda os marinheiros a melhorar a segurança e manuseio das cartas eletrônicas, além de simplificar os controles portuários estaduais e assegurar custos de cartas previsíveis.

— Os relatórios iniciais das embarcações testando o nosso licenciamento FlatFee têm sido extremamente positivos. Esta nova solução está atendendo melhor às necessidades dos nossos clientes, ajudando a superar os aborrecimentos e os custos imprevisíveis associados ao uso de ENCs em todo o mundo — garante Minard.

A Rose Point é líder de fornecimento para o mercado norte-americano. A empresa produz o Rose Point ECS — um dos softwares mais usados comercialmente nos Estados Unidos, capaz de utilizar uma variedade de cartas, inclusive nos formatos raster e vetorial. O software também aceita cartas em formatos de outras localidades.

A Rose Point enxerga chances de novos negócios na América do Sul. “Vemos oportunidade no Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Peru e podemos estender a outros locais”, adianta o diretor de vendas e marketing da empresa, Jeff Hummel. Ele ressalta que cada mercado regional possui particularidades operacionais que precisam do apoio de recursos personalizados.

Segundo ele, é preciso tempo e esforço para alcançar um nível de segurança suficiente para apostar nesses mercados mantendo o padrão de qualidade da empresa. “Uma das razões para as empresas comprarem nosso software é porque temos uma rede de revendedores autorizados em diversas localidades. Até podermos oferecer o mesmo nível de fornecimento, é improvável que entremos no mercado”, ressalta.

Ele conta que navios usando o software já operam no Brasil e na América do Sul. Eles são fornecidos pela base de revendedores que a empresa possui nos Estados Unidos. “Nos EUA, andamos junto com nossos clientes para obter em primeira mão experiência operacional e para ver como eles utilizam nosso software. A linguagem é outro dificultador. No passado, produzimos nosso software em versões em alemão, dinamarquês, francês e duas versões em espanhol, mas não em português”, conta Hummel.

Ele enfatiza que manter as cartas náuticas atualizadas elimina incertezas. O diretor de vendas e marketing da empresa conta que os clientes norte-americanos têm reduzido ou eliminado colisões por conta das ferramentas de auxílio à navegação. Hummel aponta que acidentes podem custar milhares ou milhões de dólares, o que pode ser evitado com investimentos em softwares e hardwares de apoio.

Segundo ele, um marinheiro prudente nunca se baseia em uma única fonte de informação quando navega um navio. Isso porque eles devem consultar radares e outros sistemas para comparar constantemente o que eles observam com o que é visto na carta. “Não é justo dizer que a atualização das cartas vai eliminar a incerteza, mas eles são muito superiores aos gráficos desatualizados”, alerta Hummel.



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