Fim da carta-frete divide empresas e autônomos

Uma medida que contrapõe transportadores e caminhoneiros autônomos pode entrar em vigor até o final do ano. A carta-frete, documento utilizado para pagamento dos caminhoneiros sem vínculos empregatícios, objeto da polêmica, será substituída por um cartão de crédito ou outras formas de pagamento caso a emenda à lei do transportador rodoviário de carga, aprovada em junho, seja regulamentada. Os caminhoneiros autônomos comemoram uma situação que consideram como fim de uma ditadura. Por outro lado, as transportadoras do Sul do País veem a nova regra como um retrocesso.

A carta-frete é um documento emitido pelo embarcador ou transportadora e entregue ao caminhoneiro autônomo, no momento da contratação do transporte, a título de adiantamento do pagamento. A carta só pode ser trocada em postos de gasolina, não pode ser descontada em bancos nem em outros estabelecimentos comerciais.

O problema é que a troca do documento só é feita em postos credenciados e mediante a compra de um percentual do valor em combustível, sobre os quais é comum a cobrança de ágio. O restante do valor do transporte é entregue ao caminhoneiro em dinheiro ou cheque. Segundo o presidente da União Nacional dos Caminheiros (Unicam), José Araújo China da Silva, os postos chegam a cobrar de R$ 0,15 a R$ 0,20 a mais por litro de diesel. A carta-frete começou a ser utilizada por caminhoneiros e embarcadores há mais de cinco décadas. “Só que a realidade naquele tempo era diferente. Não havia muitos bancos e o número de transportadoras era muito menor do que hoje. Passados 50 anos, o sistema, que antes funcionava, hoje causa prejuízo para os caminhoneiros autônomos”, afirma China da Silva.

Ele destaca que não são somente os caminhoneiros os prejudicados com o modelo vigente. A prática da carta-frete dificulta fiscalização e facilita a sonegação de impostos. No Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), mais de 84% do transporte rodoviário de cargas é feito por caminhoneiros autônomos. Apenas 15,8% são realizados por transportadoras e 0,1% por cooperativas. No total, os fretes estão nas mãos de 1,2 milhão de caminhoneiros autônomos ou microempresas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o governo brasileiro registra apenas R$ 16 bilhões por ano como resultado  da movimentação de frete realizada por caminhoneiros autônomos. Mas conforme pesquisa realizada pela Deloitte, o setor movimenta R$ 60 bilhões por ano. Isso significa que R$ 44 bilhões estariam na informalidade.

Preocupada com a situação, a Unicam encaminhou ao governo federal pedido para regulamentar o pagamento de fretes, ou seja, extinguir a carta-frete e regularizar um sistema que permita ao transportador comprovar os rendimentos. Em 11 de junho deste ano o presidente Lula assinou a emenda que inclui na lei do transporte rodoviário de cargas (Lei nº 11.442/2007) a proibição do uso da carta-frete. Na semana seguinte a medida foi publicada no Diário Oficial.  A nova regulamentação será a primeira legislação que define como deve ser efetuado o pagamento do frete no transporte rodoviário brasileiro. Serão aceitas apenas duas formas de pagamento - ele poderá ser feito na forma de depósito direto, pelo contratante, na conta do caminhoneiro, ou por outro meio de pagamento homologado para esse fim pela ANTT.

China da Silva destaca que com a formalização do novo sistema de pagamento do frete, os caminhoneiros terão a liberdade para comprar nos postos que quiserem sem pagar sobretaxa, o que vai resultar em grande economia. Além disso, ao sair da informalidade, o transportador poderá comprovar a renda e ter acesso a programas de financiamento e crédito para renovar a frota, como o Procaminhoneiro, Programa de Financiamento a Caminhoneiros do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) criado pelo governo com o objetivo de favorecer a renovação da frota do País.
NTC&Logística diz que lei reduz a informalidade

O presidente da NTC&Logística, Flávio Benatti, afirma que a entidade sempre teve posição favorável a medidas que possam tirar o setor dos transportes da informalidade. “Essa situação prejudica o caminhoneiro autônomo, que já sofre para a cobrança de fretes com valores aviltados e com a dificuldade para comprar novos caminhões. A grande maioria dos autônomos utiliza veículos muito antigos”, afirma Benatti. A média de tempo em circulação dos caminhões utilizados por autônomos é de 23 anos enquanto nas transportadoras o tempo médio de uso dos caminhões é de 11 anos. Mas há ainda muitos caminhões com mais de 40 anos rodando nas rodovias.

A carta-frete “amarra” o caminhoneiro à obrigatoriedade de consumir em determinado posto pagando mais caro. “Há uma cobrança de juros disfarçados através da exigência ou de um consumo mínimo, ou do uso do restaurante, ou ainda de alguma compra na loja de conveniência do posto”, revela Benatti. E o resultado é que ela contribui para que o setor cada vez mais permaneça na informalidade. Migrando para o cartão magnético, afirma Benatti, será mais fácil de colocar transporte de autônomos na formalidade.

Quanto à posição das empresas transportadoras dos estados do Sul, Benatti espera que haja uma reflexão maior. “No início da implantação de uma mudança sempre há certa dificuldade, que se justifica pela competitividade predominante no setor, que é muito forte. Mas a médio e longo prazo será melhor para todos”, defende.

Para o presidente da Federação dos Caminhoneiros dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Fecam), Eder Dal’Lago, o uso da carta-frete é uma prática abusiva, uma exploração do caminhoneiro autônomo. Ele afirma que ao ser regulamentado o uso de cartão de crédito ou outra forma de pagamento estabelecida pela ANTT, o caminhoneiro vai precisar fazer o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) e, com isso, o setor começará a ser moralizado. Dal’Lago afirma também que a Associação Brasileira dos Detrans (Abdetran) garantiu que os caminhoneiros não arcarão com despesas pelo uso do cartão.

Desde 1970 trabalhando com o transporte de cargas da Região de Caxias do Sul, a Serra gaúcha para os outros estados do Brasil, o caminhoneiro autônomo Jaime João Boff conta revoltado que é obrigado a “engolir a carta-frete”. “O problema é que temos que trocar a carta em postos de gasolina. Só que não é qualquer um que aceita. E os que aceitam nos exigem um percentual mínimo a ser gasto. Outro dia enchi o tanque e o valor não atingiu o valor mínimo estabelecido pelo posto. Para resolver o problema eles me deram um vale-combustível com o valor do que faltava. Isso é um absurdo, pois além disso, eles já nos cobram de R$ 0,20 a  R$ 0,30 a mais a cada litro de diesel”, desabafa Boff.

Setcergs afirma que haverá troca de um gasto por outro

As empresas transportadoras dos estados do Sul e do Mato Grosso não compartilham da mesma opinião dos caminhoneiros autônomos a respeito da eliminação do uso da carta-frete. De acordo com o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), José Carlos Silvano, a medida é controversa, principalmente para as transportadoras do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso que utilizam muito os serviços dos caminhoneiros autônomos para o transporte da safra agrícola por longas distâncias.

Silvano explica que a carta-frete não se restringe ao pagamento pelos serviços. Serve também como documento de contratação do transporte. Pois nela consta o peso da mercadoria, a rota, o valor que deverá ser pago, o prazo da viagem, a origem e o destino da mercadoria. “Entregamos a carta para comprovar o negócio. Entregamos em custódia para o motorista, que realiza o dinheiro como recebível. O posto vende o combustível e troca parte em dinheiro. A carta serve como uma autorização da transportadora para que o posto faça o adiantamento para o motorista. Assim a dinâmica fica mais rápida”, afirma Silvano.

Para o presidente do Setcergs, se o autônomo não está conseguindo comprovar a renda é porque não está fazendo a declaração do Imposto de Renda, pois juntamente com a carta-frete o motorista leva um conhecimento de transporte que fornece todas as informações necessárias para que não haja sonegação. “A ANTT criou o cartão-frete impondo a restrição ao uso de dinheiro. Essa é uma ingerência muito forte que pode travar as operações de transporte. Nossa posição é de diálogo, pois acreditamos que vai ser muito difícil colocá-la em prática”, destaca Silvano. E reforça que se a carta-frete for substituída apenas pelo cartão, o caminhoneiro autônomo também terá custos, só que o pagamento deixará de ser para o posto. Será transferido para a operadora do cartão ou para os bancos. “Ou seja, o caminhoneiro vai trocar um gasto por outro”, desabafa Silvano.

O diretor do Setcergs, Francisco Cardoso, lembra que o documento de crédito mais importante do País é o dinheiro e que há a lei da isonomia na forma de pagamento. “Só que estão nos extraindo este direito a partir do momento em que somos obrigados a pagar em cartão”, afirma. A sugestão quanto à regulamentação da forma de pagamento, segundo Cardoso, é que no máximo 50% do valor do frete sejam depositados em conta bancária. E que o restante possa ser pago em dinheiro ou cheque para o motorista. “Nas capitais é fácil de operar com um cartão. Mas, nos locais remotos e distantes onde os caminhoneiros levam e buscam carga, não há agências bancárias. “Para o controle contra a sonegação o governo pode usar as informações fornecidas pelo sped”, afirma Cardoso. “O uso de cartão-frete será um retrocesso, pois pode gerar esperas. Vai contra a velocidade dos negócios do mundo moderno”, enfatiza Cardoso. 
O artigo da discórdia

A Lei nº 12.249, publicada no Diário Oficial em 11 de junho de 2010, acrescenta novos dispositivos à Lei nº 11.442, de 05/01/07, que disciplina o Transporte Rodoviário de Cargas (art. 5º-A e seus parágrafos) e muda as práticas de mercado relacionadas à contratação de transportadores autônomos. A lei ainda depende da regulamentação, através de Resolução da ANTT, o que inclui a realização de nova consulta ou audiência pública.

Art. 128. A Lei no 11.442, de 5 de janeiro de 2007, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 5º-A:

Art. 5º-A-  O pagamento do frete do transporte rodoviário de cargas ao Transportador Autônomo de Cargas - TAC deverá ser efetuado por meio de crédito em conta de depósitos mantida em instituição bancária ou por outro meio de pagamento regulamentado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT.

§ 1º A conta de depósitos ou o outro meio de pagamento deverá ser de titularidade do TAC e identificado no conhecimento de transporte.

§ 2º O contratante e o subcontratante dos serviços de transporte rodoviário de cargas, assim como o cossignatário e o proprietário da carga, são solidariamente responsáveis pela obrigação prevista no caput deste artigo, resguardado o direito de regresso destes contra os primeiros.

§ 3º Para os fins deste artigo, equiparam-se ao TAC a Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas - ETC que possuir, em sua frota, até 3 (três) veículos registrados no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas - RNTRC e as Cooperativas de Transporte de Cargas.

§ 4º As Cooperativas de Transporte de Cargas deverão efetuar o pagamento aos seus cooperados na forma do caput deste artigo.

§ 5º O registro das movimentações da conta de depósitos ou do meio de pagamento de que trata o caput deste artigo servirá como comprovante de rendimento do TAC.

§ 6º É vedado o pagamento do frete por qualquer outro meio ou forma diverso do previsto no caput deste artigo ou em seu regulamento.

Fonte: Jornaldo Commercio (RS)/
Cláudia Borges

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