Precisa-se de bons funcionários

Déficit de mão de obra atinge também o setor de portos e operadores portuários desenvolvem programas de RH

Como ocorre em diversos setores da economia do Brasil, o setor portuário, que é o principal canal de escoamento de cargas exportadas e importadas do país, sofre com a falta de mão de obra qualificada. Ao mesmo tempo em que a demanda nacional por transporte de produtos e mercadorias cresce em ritmo exponencial, o setor enfrenta o problema de escassez de operadores de terminais portuários treinados e do envelhecimento dos trabalhadores mais experientes e, consequentemente, da aposentadoria dos mesmos. Os portos precisam de pessoal capacitado, e estão investindo para isso. Mas enfrentam problemas.

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Em 2010, o Terminal Portuário Portonave — localizado no complexo portuário do Rio Itajaí-Açu, em Santa Catarina (SC) — teve que, por decisão judicial, contratar mão de obra vinculada ao Orgão Gestor de Mão de Obra local (Ogmo-Itajaí), mesmo após ter investido no treinamento de pessoal próprio durante alguns anos. A decisão é fruto de uma ação movida em 2008 pelo Sindicato dos Estivadores de Itajaí através do Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina, que pedia uma reserva de vagas para trabalhadores avulsos.

Para Wilen Manteli, diretor-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), a falta de trabalhadores qualificados é crítica em todas as áreas de trabalhadores portuários do país. “Precisa-se de mão de obra em todos os segmentos, de contêineres a granéis”, diz. De acordo com o executivo, para resolver o problema da falta de mão de obra qualificada no Brasil, tem que haver uma conjunção de esforços por parte do governo, empresários e trabalhadores.

“Cada vez mais, a atividade portuária precisará de novos terminais e tecnologia. O número necessário de operários está sendo reduzido aos poucos e se tornará dependente de apertar botões em painéis mais sofisticados do que aqueles encontrados nos dias de hoje, o que exigirá mais conhecimento técnico. Todos os dias surgem equipamentos modernos e novas tecnologias de carga e descarga”, afirma. “O Brasil terá que acompanhar essa evolução ou vai perder competitividade no comércio internacional ante outros países”, completa.

Segundo Manteli, o governo tem que criar políticas permanentes de capacitação de trabalhadores portuários para aliviar os gargalos logísticos do país. Hoje, a nação está em 106º entre os 118 países avaliados no ranking de Performance Logística do Banco Mundial, divulgado no ano passado. Pesquisa divulgada também em 2012 pelo Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos) aponta que o Brasil é só o 41º na capacidade de escoar a produção para dentro ou fora do país principalmente por causa da falta de mão de obra em todos os níveis da cadeia produtiva do setor.

Sandra Correia, superintendente do Ogmo-Santos (localizado em Santos, SP), lembra que hoje existe uma verba disponibilizada para o treinamento dos trabalhadores portuários avulsos. O dinheiro é oriundo de um Fundo constituído de contribuições compulsórias dos operadores portuários, arrecadado pela Receita Federal do Brasil na guia do INSS e repassado à Marinha que, por meio do Programa do Ensino Profissional Marítimo (Prepom), determina os cursos que serão realizados. “A contribuição dos operadores portuários é equivalente a 2,5% sobre o valor da folha de pagamento dos trabalhadores portuários avulsos. Por este Fundo estar atrelado ao orçamento da União, é frequente a não disponibilização do valor para treinamento no montante e nas datas requeridas, o que afeta o planejamento da área e faz com que as vagas para capacitação fiquem aquém do desejado”, explica a superintendente.

Mario Teixeira, presidente Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga, Vigias Portuários Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de Navios, nas Atividades Portuárias (Fenccovib), concorda com Sandra: “Hoje existem de 23 a 25 mil pessoas trabalhando como avulso e muitos deles não estão recebendo o tratamento adequado.” E continua: “O sistema portuário tem recursos para treinamento, só que eles não estão sendo aplicados corretamente. Esse dinheiro está sendo usado para treinar trabalhadores marítimos e não portuários, pois a Marinha alega maior demanda por parte dos marinheiros.” Além disso, ainda segundo Teixeira, todo ano parte dos recursos do Fundo é contingenciado pelo governo federal.

Outro problema que vem se tornando mais comum é o aumento do uso de equipamentos e maquinários tecnologicamente mais complexos e com capacidade de movimentar cargas mais pesadas do que as transportadas até pouco tempo atrás, o que torna necessária uma maior procura por qualificação pelos trabalhadores que já estão no mercado.

No entanto, o presidente da Fenccovib assinala que falta no Brasil um centro de treinamento público com aparelhagem apropriada para a atividade portuária. “Hoje é impossível ensinar o portuário a operar grandes empilhadeiras, contêineres, pontes rolantes, sem utilizar um simulador. É desse jeito que acontece nos grandes portos do mundo inteiro, mas o governo brasileiro não comprou um único simulador sequer até hoje”, afirma. “Não há verba. Existe um deficit no treinamento portuário por falta de recurso, que está sendo contingenciado. Os Ogmos conseguem realizar, na maioria dos casos, treinamentos teóricos, uma vez que não dispõem de simuladores, sistemas e equipamentos adequados”, complementa Sandra Correia.

Em 2012, o Ogmo-Santos qualificou 1.654 trabalhadores portuários, cerca de 93,1% do total de pessoas que se matricularam nos cursos da entidade no ano passado. Dos formados, 72,9% fizeram curso para estivador, 18,8% para capatazia, 6,4% para operador de equipamentos, 1,1% para bloco e 0,6% para outros. A entidade planeja que 5.140 pessoas se cadastrem em seus cursos em 2013. Em dezembro do ano passado, foi criado o Curso de Capacitação em Segurança do Trabalho Portuário, voltado para os trabalhadores portuários avulsos que retornam de afastamento e precisam atualizar os conhecimentos dos mesmos relacionados à segurança nas diversas atividades portuárias. Ele aborda os Princípios Básicos de Segurança no Trabalho Portuário e Trabalho na Altura, dentre outras matérias.

De acordo com dados do Ogmo-Santos, hoje o porto de Santos, o principal do país, conta com 6.408 trabalhadores, sendo que destes 4.147 (64,7%) estão disponíveis para o trabalho avulso e 2.261 não estão disponíveis para o trabalho avulso por razões diversas. Dos 4.147 ativos no sistema, 3.317 (79,9%) são registrados com prioridade para atendimento ao trabalho e 830 (20%) cadastrados que complementam o serviço na ausência ou falta de interesse dos registrados.

O trabalhador avulso, explica Mário Teixeira, predomina em determinados tipos de funções portuárias, como o trabalho a bordo, nos navios e de estivador. “Em outras atividades existe um maior número de classe de trabalhadores vinculados. No porto de Santos, a maioria dos que têm carteira assinada fica na movimentação de carga interna e operação de equipamento interno. O trabalhador avulso não escolhe onde vai trabalhar. Os bons operadores de equipamentos são sim disputados pelo mercado e é por isso que queremos que haja um esforço, tanto por parte do governo quanto do empresário, de capacitação de operadores portuários. Mas não acredito que haja concorrência predatória”, analisa.

Ronilson Souza é gerente de Desenvolvimento Humano e Organizacional do Tecon Salvador da Wilson Sons e também reclama da escassez de profissionais habilitados em operar os equipamentos de grande porte de um terminal portuário. “Apesar da melhoria dos últimos anos, por meio de treinamentos oferecidos pelos Ogmos ou bancados por empresas, ainda precisamos avançar muito, pois os novos equipamentos exigem conhecimentos cada vez maiores”, frisa. Segundo ele, um operador de portêiner pode ganhar a partir de R$ 3 mil.

Na avaliação de Souza, os treinamentos dos Ogmos ainda estão aquém das necessidades dos operadores portuários. “Em alguns portos há sentenças judiciais proibindo que os Ogmos ofereçam treinamentos aos empregados vinculados dos terminais, entendendo que a verba deva ser empregada exclusivamente para o treinamento de avulsos. Enfim, há ainda um longo caminho a percorrer, apesar do que já se fez até então”, reclama. Para reter talentos, a Wilson, Sons trabalha com incentivos educacionais, como patrocínio de graduação, pós-graduação, além de ter uma política de previdência privada. Em 2010, a companhia criou o projeto Conversa de Carreira para alinhar as expectativas profissionais dos próprios trabalhadores com as da empresa.

Em 2012, os processos de desenvolvimento e capacitação do Terminal Santos Brasil totalizaram mais de 151 mil horas de treinamentos, sendo 130,9 horas no treinamento de pessoal operacional e 20,1 de funcionários de áreas administrativas. O diretor de Recursos Humanos do Terminal Santos Brasil, Alcino Therezo Júnior, calcula que, na média, cada funcionário da área operacional passou no ano passado por 48 horas de treinamento, enquanto os administrativos passaram por 23 horas de curso.

Além de trabalhar com a formação de mão de obra para jovens carentes de comunidades próximas ao terminal portuário, a Santos Brasil possui um programa de Assessment, que sugere a elaboração de um plano de meta para a carreira dos trabalhadores. “A Santos Brasil também tem a proposta de descobrir novos talentos e oferecer a oportunidade de crescimento dentro da empresa, por meio de um processo de aprendizagem contínua”, revela Therezo.

A Triunfo Logística, uma das três empresas que operam no porto da cidade do Rio de Janeiro, criou em 2012 o Programa Intensivo de Qualificação Técnica Especializada, junto com a empresa paulista Incatep e o Ogmo-RJ. O investimento inicial girou em torno de R$ 1 milhão. A primeira turma foi a do curso de formação de operadores de guindastes — a área que mais demandava de mão de obra no momento. De acordo com Rogério Caffaro, diretor-geral da Triunfo Logística, a maioria dos estudantes não tinha experiência prévia na área portuária.

O curso, com aulas teóricas e práticas, ocorreu em uma pousada em Itaboraí (RJ), onde foi montada uma estrutura com guindastes e simuladores. “Nós as treinamos para operar no ciclo de carga e descarga. Nos últimos meses, a empresa investiu aproximadamente R$ 50 milhões em guindastes. Foi o segmento que mais recebeu aporte de dinheiro recentemente”, conta Caffaro. O foco em treinamento faz parte da nova fase da companhia, que, até quatro anos atrás, se dedicava exclusivamente ao transporte de produtos siderúrgicos, mas que vem ampliando o mix de mercadorias.

O executivo diz que a sugestão de um funcionário durante um trabalho difícil para a Vale em Vitória (ES) alguns anos atrás foi um dos pontapés para a companhia retomar o treinamento interno de operários. “É muito fácil ir até o mercado e buscar o funcionário que preciso, mas muitas vezes ele vem com vícios profissionais. Além disso, como o trabalho com o aço é sazonal, era difícil condições de criar uma boa política de qualificação”, ressalva.

Uanderson Santos da Silva, 30 anos, foi o funcionário que fez a sugestão a Caffaro. Vindo de uma família de trabalhadores portuários, ele está na companhia há seis anos. “Trabalho como operador de guindaste e empilhadeira mecânica. Em todo trabalho eu aprendo alguma coisa, inclusive com as pessoas que estão chegando agora”, afirma. Por causa do trabalho, começou a estudar logística na Unigranrio e faz planos de se aposentar. Luciana Braz, 38 anos, entrou na área por acaso, mas já pensa em fazer um curso superior na área de logística. Ela se formou recentemente em um dos cursos de qualificação da Triunfo ministrados em Itaboraí, e diz que não sente preconceito por parte dos colegas homens, e que, pelo contrário, recebe diversos incentivos para continuar no cargo. “No início fiquei assustada com o tipo de trabalho, mas já tomei gosto. Até comecei o curso de inglês”, comemora.

Jorge Luiz da Silva Carneiro, 25 anos, fez o tecnológico em Petróleo e quis se tornar um operador portuário na Triunfo por ter proximidade com a área que estudou. “Acredito que posso contribuir com uma visão criativa do setor”. Segundo Caffaro, os operadores trabalham em turnos alternados de 12 horas e 36 horas e inicialmente ganham R$ 1,2 mil na fase de treinamento e R$ 1,5 mil quando são contratados.

A Brasil Terminal Portuário (BTP), localizada em Santos (SP), ainda não entrou em operação, mas já está trabalhando para formar a mão de obra necessária para quando entrar em pleno funcionamento, ainda este ano. Com investimento de R$ 1,8 bilhão, a previsão é de que o terminal movimente inicialmente 1,2 milhão de TEUs e 1,4 milhão de toneladas de granéis líquidos. Para cumprir a meta, a BTP procurou o Ogmo-Santos e o Centro de Ensino Profissionalizante (Cenep) com o intuito de formar a mão de obra necessária.

“A cada 15 dias temos formado grupos de oito pessoas. Cerca de 64 já concluíram o treinamento. O nosso compromisso é formar 300 operadores portuários, mas não temos nenhuma reserva de vagas. Depois do treinamento entramos em contato com os alunos, de acordo com os nossos critérios de contratação”, assinala Joel Contente, diretor de Recursos Humanos da BTP. A companhia investiu até agora nesses cursos cerca de R$ 700 mil. “Estamos formando mais operadores do que o necessário para termos uma tranquilidade na quantidade de mão de obra disponível”, conclui o executivo.

Como a BTP, a Embraport, também em Santos, está trabalhando para treinar futuros operadores portuários. Os cursos são realizados em parceria com o Instituto de Capacitação Técnica Profissional (Incatep), de Santos e tem como objetivo capacitar profissionais para operar guindastes de cais e de pátio, contribuindo com a melhoria da mão de obra local. “Para algumas vagas específicas, como operadores de portêiner e de transtêiner, estamos oferecendo um intenso programa de qualificação em Callao, no Peru. Durante três semanas, os operadores ficam em contato com a operação de Callao e vivenciam a expertise dos funcionários que já manuseiam esse tipo de equipamento”, finaliza a companhia, em nota.



Yanmar

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