Do verbo "to comply with", "compliance" significa estar em conformidade com o arcabouço normativo interno e externo pertinente à organização. Para tanto, as empresas devem implementar mecanismos de controles internos para prevenir, detectar e mitigar riscos a que estejam expostas no desenvolvimento de suas atividades.
A publicação da Lei nº 12846/13, também conhecida como Lei Anticorrupção, que instituiu a responsabilização objetiva, administrativa e civil da pessoa jurídica, colocou no radar do mundo negocial do Brasil a necessidade de implementação dos programas, ou, como preferem alguns, dos sistemas de "compliance".
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O Art. 1º desta lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
"Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente."
Escândalos como o Mensalão e Operação Lava Jato, envolvendo a alta cúpula do poder estatal, bem como empresas multinacionais em um sistema de distribuição de propinas e acidentes ambientais com os rompimentos das barragens nas cidades de Mariana e Brumadinho, localizadas no estado de Minas Gerais, deram destaque ao assunto, colocando-o no radar de instituições governamentais e da comunidade empresarial.
De acordo com Miguel e Coutinho (2007), a crise do chamado 'mensalão' — pretenso esquema de propinas pagas regularmente a parlamentares federais, com dinheiro público desviado, para que votassem a favor do governo — foi, provavelmente, a mais estrondosa da história da República. Para parte dos doutrinadores sobre o tema, no Brasil, este teria sido o estopim a trazer à baila a necessidade de sistemas de "compliance".
O assunto, também, é amplamente regulamentado internacionalmente. Nos Estados Unidos, a primeira legislação sobre o assunto data de 1977. O Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) é aplicável a todas as pessoas e empresas que venham a cometer direta ou indiretamente ato de corrupção que tenha ligação com o território norte americano. Na Inglaterra, a Uk Bribery Act, lei de combate e prevenção à corrupção que passou a vigorar em 1º de julho de 2011, cuja violação pode levar à aplicação de multas altíssimas e a 10 anos de prisão, pune as empresas, balanceando a responsabilidade das corporações e o interesse público.
Cumpre lembrar, ainda, que o Brasil já ratificou três tratados internacionais que tratam do assunto, a saber: Convenção Interamericana contra a Corrupção aplicável aos países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA); Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); e Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC), conforme informa o site gespublica.gov.br.
Com a adoção de um sistema de integridade, a empresa busca trazer ética e transparência para seus negócios, envolvendo seus clientes internos e externos. No momento em que vivemos a era das responsabilidades, as empresas do setor portuário precisam se adequar a esta nova realidade e, por conseguinte, não podem se abster de colocar em prática programas efetivos de "compliance".
Sua interface com o mundo dos negócios, a nível internacional, impõe que as empresas do ramo busquem se adequar para atenderem às exigências do próprio mercado e às determinações legais e regulatórias que permeiam a atividade portuária.
Baseado em pilares, um programa efetivo de "compliance" possui três macro áreas: direitos humanos e trabalhista; aspectos ambientais e socioeconômicos (transparência financeira, corrupção, fraude).
Um programa de "compliance" deve observar os pilares necessários à sua elaboração, pois apenas com a efetividade comprovada uma empresa que seja responsabilizada poderá ser alcançada pelas benesses da Lei nº 12846/13, dentre elas a redução de multa porventura imposta. A existência harmônica dos pilares que comprovem o comprometimento da alta administração, a instância responsável pelo programa de integridade, a análise de perfil e riscos do negócio, a estruturação de regras e instrumentos de controle e estratégias de monitoramento contínuo, será imprescindível para se mensurar a eficiência do programa.
Tais preceitos básicos se aplicam às organizações do setor portuário. Empresas que pretendam se manter sustentáveis neste mercado internacionalizado e dinâmico precisam utilizar o programa de "compliance" como mecanismo de autorregulação, executando-o como forma de estabelecer uma cultura empresarial baseada na ética e no cumprimento de normas.
Nas lições de Maurice E. STUCKE, In "Search of Effective Ethics & Compliance Programs", cit. P. 777-778. Tradução Livre, “Além de evitar prejuízos, uma firma pode almejar uma cultura organizacional ética para o seu próprio bem, para uma vantagem competitiva estratégica, ou para evitar ser competitivamente prejudicada. Uma recente pesquisa ética empresarial revelou que ‘uma cultura baseada em valores não se afasta de alta performance, mas na verdade gera uma vantagem competitiva’."
Ainda, de acordo com o autor: “Uma cultura ética pode ajudar firmas a atrair e reter consumidores, investidores e empregados. Uma cultura ética pode aumentar a significação das tarefas dos empregados e o bem-estar (na medida em que os empregados extraem maior sentido moral dos seus trabalhos), o que pode aumentar a lucratividade. Ao sinalizar a ética e confiabilidade da firma, um programa ético efetivo pode tornar a firma mais atrativa para potenciais adquirentes e "joint ventures"".
Assim, seja por adequação às exigências do mercado ou por necessidade de atenderem às diversas normas regulatórias que envolvem a atividade portuária, as empresas que operam no setor não possuem outra alternativa a não ser se adequarem a tal demanda, colocando em seus orçamentos os valores necessários para viabilizarem a criação de um sistema de "compliance" efetivo e eficiente, no qual seja possível mensurar o comprometimento da organização com um ambiente negocial ético e transparente.
Débora Rodrigues Costa Oliveira é formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e advogada na Companhia Docas do Rio de Janeiro, lotada na Gerência de Instrumentos Contratuais Compliance Officer - CPC-A