Nos últimos anos, a cobrança de demurrage ganhou novos reforços tanto pela regulação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) quanto pelo entendimento jurisprudencial. Esse movimento trouxe reflexos diretos na redação das cláusulas contratuais sob a égide do direito marítimo, exigindo maior objetividade, previsibilidade e alinhamento quanto às responsabilidades de cada parte.
A demurrage, também conhecida como sobrestadia, é a cobrança aplicada quando o navio ou o contêiner permanece no local de carga ou descarga por período superior ao tempo livre previamente estipulado entre as partes (o chamado free time), configurando, assim, uma indenização devida ao armador ou ao operador do contêiner.
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Em 2025, a Antaq consolidou diretrizes sobre a cobrança de sobrestadia em operações com contêineres. A premissa central é que a demurrage somente pode ser exigida quando o atraso decorrer de culpa, interesse ou escolha do usuário, sendo vedada a cobrança em hipóteses de falhas imputáveis ao transportador, como congestionamento portuário ou problemas operacionais.
O Acórdão nº 521/2025 da Antaq, publicado em agosto, aprovou novos entendimentos regulatórios a partir da interpretação da Resolução nº 62/2021, que disciplina os direitos e deveres de usuários, agentes intermediários e empresas atuantes nas navegações de apoio marítimo, portuário, de cabotagem e de longo curso.
A Resolução nº 62/2021 já tratava das condições para aplicação das regras e valores da sobrestadia de contêineres, da contagem do prazo livre, das responsabilidades do usuário, embarcador ou consignatário, bem como da importância da transparência na relação entre as partes. Ficou estabelecido que, desde o primeiro dia de sobrestadia, o transportador ou proprietário do contêiner deve informar a identificação do equipamento e o valor diário da cobrança aplicável.
No Acórdão nº 521/2025, o colegiado aprovou orientações relevantes, reafirmando que a cobrança de demurrage somente é legítima quando a permanência do contêiner além do prazo de livre estadia decorrer de interesse, opção, culpa ou risco de negócio do usuário.
Por outro lado, não haverá cobrança quando a utilização superior ao prazo gratuito resultar de atos, omissões ou falhas logísticas sob responsabilidade do transportador, do terminal indicado por ele ou do depósito de vazios. Nessas situações, bem como em casos de riscos atribuídos a essas partes, a contagem da sobrestadia deve ser suspensa, mesmo que já iniciada. O prazo de suspensão passa a contar da comprovação da primeira tentativa frustrada de devolução do contêiner, permanecendo suspenso até que o transportador restabeleça condições efetivas para o seu recebimento.
Além disso, eventos de caso fortuito ou força maior ocorridos durante o período de livre estadia também suspendem a contagem do free time.
Outro ponto reafirmado pelo Acórdão nº 521 é a ilegalidade da retenção de carga como meio coercitivo para a cobrança de sobrestadia. Essa prática só é admitida em hipóteses restritas, quando houver débitos referentes a frete ou avaria grossa, em conformidade com o artigo 12 da Resolução nº 62/2021 da agência.
Quanto à natureza jurídica da demurrage, o Superior Tribunal de Justiça fixou importantes balizas, reconhecendo sua natureza indenizatória, e não de cláusula penal. Esse entendimento reforça a força do valor pactuado e afasta a incidência da cobrança em casos de retenção por autoridades alfandegárias, uma vez que tais situações estão fora da esfera de controle do usuário.
O cenário atual impõe a necessidade de contratos redigidos com maior precisão e equilíbrio entre as partes. A convergência entre o entendimento regulatório da Antaq e a jurisprudência do STJ trouxe maior segurança jurídica no setor, estabelecendo critérios objetivos para a cobrança da demurrage. Em síntese, o tratamento jurídico da sobrestadia no Brasil passa a se fundamentar nos princípios da causalidade, transparência e previsibilidade, promovendo relações mais equilibradas e reduzindo significativamente o potencial de disputas e litígios entre transportadores e usuários.
Alessandra Montet é advogada atuante nas áreas de Direito Administrativo, Direito Societário ,Contratos, Direito Processual Civil,Direito Regulatório e Direito de Imigração do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados. Graduada em Direito pela Universidade Cândido Mendes-UCAM(2021). Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB (2024).