O tema descarbonização tem sido tratado em diversos aspectos e fóruns. Este espírito aberto de amplo debate é positivo, mas também faz com que fatos ou dados sejam utilizados de forma indevida ou imprecisa. Uma pergunta interessante é quem somos nós na pauta ambiental mundial e, em especial, na questão de emissão de carbono.
Desde a chegada dos portugueses ao Brasil, e ao longo dos anos, tivemos ciclos da cana de açúcar, do ouro, do algodão, do café, da borracha, todas elas atividades extrativistas, com impactos ambientais negativos que hoje tentamos recuperar. Atualmente temos como forte elemento da economia brasileira, a exportação de produtos como minério de ferro, soja, milho e açúcar, citando apenas os mais marcantes. Ou seja, continuamos sendo exportadores de comodities, com atividades extrativistas e de exploração da terra. E essas exportações, quase em sua totalidade, se realizam pelo mar, através do transporte marítimo.
A logística, aliás, é indispensável na atividade econômica do país ou entre os países. No comércio internacional, temos a atuação de dois modais de transportes altamente regulados internacionalmente: o aéreo, regulado pela ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional), e o marítimo, pela IMO (Organização Marítima Internacional), ambas agências da ONU. No transporte rodoviário ou ferroviário internacionais não existe órgão regulador internacional e as regras são desenvolvidas de forma bilateral ou multilateral entre os Estados envolvidos.
A IMO, desde, pelo menos, 2004, vem buscando tratar do tema descarbonização, mas enfrenta grandes dificuldades, dentre elas o fato de que as maiores frotas operam em bandeira de países que têm tratamento diferenciado pelo Protocolo de Quioto. O Acordo de Paris trouxe mais pressão no tratamento do tema, já que envolve compromissos que os países signatários assumem para a descarbonização, caso do Brasil. São compromissos assumidos, e não Normas, diferentemente da IMO, que estabelece Normas aplicáveis ao transporte marítimo, que são introduzidas no ordenamento jurídico dos países. Quem não for signatário, não aderir ou ratificar as decisões, sofre as sanções nelas previstas. No caso da Convenção e demais Normas da IMO relativas à descarbonização, a sua não observação poderá impactar até mesmo no transporte marítimo doméstico.
Na IMO, busca-se soluções para a redução das emissões pelos navios. O Brasil produz e pode ser um grande produtor de biodiesel, mas a IMO e os países desenvolvidos não o levam em consideração essa opção. Será medo de ser dependente de nossa produção? Alegam que faltará comida, mas isto é tema da IMO ou da FAO? A ABIOVE, que tem um importante papel na defesa do biodiesel, possui excelentes trabalhos mostrando que isto é falácia.
Como podemos ver, o almejado combustível alternativo, seja ele qual for, parece ser mais uma questão político-econômica do que técnica. Os países que não têm condições de produzir esse combustível alternativo desde seus insumos, querem dominar a produção final, colocando como reféns os produtores dos insumos. E o etanol e o biodiesel parecem ser uma grande oportunidade para o Brasil.
Na Agência os debates estão extremamente acalorados e, felizmente, com intensa participação da delegação brasileira, hoje composta de diversos especialistas. Na próxima reunião do Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho - MEPC, que ocorrerá em Londres, em setembro, é esperada a continuação da discussão sobre a criação de uma taxa por tonelada das emissões dos navios. Será um componente econômico muito importante, que certamente encarecerá a atividade e é pouco discutida com a sociedade. Alguns grupos, inclusive com participação de brasileiros, a apoiam. Estamos dispostos a pagar esta taxa que será revertida para um fundo a ser utilizado para o desenvolvimento de novas tecnologias de navios e combustíveis? Será que teremos acesso a estes recursos para pesquisa e desenvolvimento como proposto? Ou será que compraremos a tecnologia desenvolvida com estes recursos por algum outro país, pagando duplamente.
O fato é que o transporte marítimo é intensamente utilizado nas transações entre países, e como exportadores de comodities, acréscimos no custo são severamente impactantes e podem até mesmo causar desequilíbrio entre concorrentes do fornecimento do mesmo produto. Também é o modal que menos emite, porém, pela alta demanda, tem uma representatividade de cerca de 3% de todas as emissões de carbono.
Outro ponto importante, como dito anteriormente, é que as Normas da IMO impactam também a cabotagem. No transporte interno de granéis sólidos e líquidos, em face dos grandes volumes transportados, é quase inviável a utilização de outro modal, ou seja: se houver aumento de custos, isto acabará sendo repassado à carga. Nas cargas conteinerizadas há a opção de migrar para o transporte rodoviário, que, comprovadamente, é mais poluente que o marítimo. Aí fica a pergunta: contribuiremos para a descarbonização dessa forma? Outro ponto que merece destaque é que todos os insumos ou tudo o que consumimos passou pelo transporte marítimo em algum ponto da cadeia de produção. Portanto se encarece o transporte marítimo, encarece o produto.
A dificuldade de atribuir a quem cabe arcar com os custos de reduzir as emissões é um ponto crucial, sendo que os armadores vêm fazendo altíssimos investimentos na modernização da frota, seja pelo aumento da eficiência operacional, seja pela construção de navios, no uso de combustíveis de transição ou teste de novos combustíveis. Mas impor taxa pelo consumo de combustível é onerar duplamente, e desincentiva ao uso de novas soluções.
Voltando nossos olhares para o Brasil, como cada setor está fazendo suas reduções? Temos um levantamento das emissões para ter como base do que estamos reduzindo? A melhor distribuição da matriz logistica nacional, com maior uso da cabotagem, não seria uma medida que reduziria as emissões?
Temos que estar atentos, pois soluções globais podem não ser adequadas para nosso país, ainda que o compromisso da descarbonização esteja na nossa pauta.
Finalmente, mas não menos importante, a sociedade vem sendo motivada a reduzir as emissões, mas por iniciativa própria, faltando uma política de redução de emissões e programas que incentivem a sua redução, seja no tocante aos custos, mas também na conscientização.
Com esta taxa, seremos um país mais limpo? A que custo? Estamos prontos para pagar?
Luis Fernando Resano é Diretor executivo da Abac, Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem
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