A modelagem das operações de transporte aquaviário e operação portuária, no contexto da exportação de commodities pelo Arco Norte, não é nada trivial, principalmente quando se adota também o modal fluvial numa determinada cadeia logística, cenário este no qual pode ocorrer a subcontratação de diferentes prestadores de serviços, dado que ocorre a movimentação das cargas em tombamentos durante os transbordos para as barcaças, além da elevação na operação portuária propriamente dita, para o embarque das cargas nos navios com destino ao exterior.
De uma forma geral, o Convênio SINIEF nº 006/1989 determina que o transportador aquaviário que subcontratar um serviço para outro transportador ao longo da cadeia logística deve adotar algumas providências, dentre elas a de emitir um CT-e (Conhecimento de Transporte Eletrônico) indicando, no campo “Observações” ou no Manifesto de Carga, as informações sobre a subcontratação, assim como o transportador subcontratado deve, ele próprio, também emitir o seu CT-e, incluindo também os dados do transportador contratante.
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Mas na modelagem da cadeia logística, costuma ocorrer também o afretamento das embarcações, além da subcontratação do serviço de transporte aquaviário e, como o afretamento tem por objetivo o uso, gozo e fruição da embarcação, com ou sem a prestação de serviços para determinada atividade náutica, essa modalidade não se confunde o transporte propriamente dito. Com efeito, o STJ tem entendimento consolidado no sentido de que os contratos de afretamento por tempo são complexos (locação mais serviços), de modo que não podem ser desmembrados para efeitos fiscais e não são passíveis de tributação pelo ISS, porquanto a atividade de afretamento não consta na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003 (REsp 1054144/RJ).
Mas há ainda a discussão quanto à possibilidade do faturamento conjunto do serviço de transporte com o de movimentação portuária. Afinal, do ponto de vista regulatório, nada impede que uma mesma empresa possa ao mesmo tempo exercer a atividade de empresa brasileira de navegação e de operadora portuária, ou ainda de autorizatária de terminais de uso privado (TUP) ou de estações de transbordo (ETC), prestando os serviços ao longo de uma mesma cadeia de logística tanto de transbordo, quanto de navegação e, também, de movimentação de carga no terminal portuário. Afinal, isso pode fazer todo o sentido econômico, na medida em que, ampliando a escalada da prestação de serviços, é natural que a empresa possa oferecer preços mais competitivos, prestigiando o princípio da modicidade.
Neste caso, em que a modelagem do negócio prevê a prestação tanto de serviços de transporte, quanto o de movimentação da carga nos terminais portuários, em tese, a escrituração fiscal é feita mediante a emissão de Nota Fiscal de Serviços (para a atividade de operação portuária propriamente dita) na qual incide o ISS e, também, a emissão de CT-e para os serviços de navegação com o respectivo recolhimento do AFRMM sobre o valor do frete, mas sem incidência de ICMS, considerando que as mercadorias transportadas são destinadas à exportação.
No entanto, o transportador aquaviário que também é operador portuário ou autorizatário, em tese, pode faturar o serviço de transbordo e de elevação como atividades acessórias ao frete da navegação no CT-e. Afinal, a Lei Federal nº 10.893/2004 (art. 5º, § 1º) estabelece que o AFRMM incide sobre o frete, o qual é definido como a remuneração pelo transporte aquaviário, e conceituado de forma muito assertiva como sendo o transporte da carga de porto a porto, incluídas todas as despesas portuárias com a manipulação de carga, anteriores e posteriores a esse transporte, constantes do conhecimento de embarque (ou CT-e).
A propósito, a Jurisprudência hoje alcançou um consenso de que a EC nº 33/2001, ao alterar a redação do art. 149, § 2º, III, a, da CF/1988, não impôs nenhuma limitação material às bases econômicas das contribuições interventivas. Desta forma, os Tribunais consideram legal a inclusão das despesas relativas à movimentação de mercadorias ao frete, para fins do cálculo do AFRMM (REsp 2038992/RS).
Atualmente, não há regulamentação específica da ANTAQ sobre essa modelagem verticalizada da prestação e serviços, em contraste àquilo que a ANTT já regulou na Resolução nº 6.031/2023 em relação ao transporte ferroviário, cuja definição abrange também o carregamento e transbordo. Mas diante da lacuna regulatória em relação ao transporte aquaviário prestado em conjunto com a operação portuária, esse modelo verticalizado de prestação de serviços pode suscitar alguma dúvida, em especial quanto ao recolhimento de ISS.
Mas isso não significa dizer que essa modelagem verticalizada faça com que a operação esteja automaticamente isenta de ISS. Afinal, a Lei Complementar nº 116/2003, em seu item 20.01 da lista anexa, prevê claramente a incidência de ISS sobre a prestação dos serviços de operação portuária, cuja definição na Lei Federal nº 12.815/2013 consiste na movimentação de mercadorias dentro do porto. Por isso, a precaução recomenda que uma modelagem verticalizada segura do ponto de vista fiscal e regulatório deve prever em contrato uma precificação adequada tanto para o transporte aquaviário, quanto para a movimentação de carga, de modo que seja possível reduzir os custos tributários com o ISS, em especial se a operação ocorrer em um TUP ou numa ETC devidamente autorizados pela ANTAQ.
Por outro lado, esse modelo verticalizado também pode trazer como consequência um maior custo com o AFRMM, mas que pode se constituir numa vantagem econômica significativa, na medida em que esses recursos arrecadados com o AFRMM farão parte de uma conta vinculada à empresa brasileira de navegação, os quais podem ser utilizados para pagar os financiamentos de construção naval obtidos junto ao Fundo da Marinha Mercante, funcionando na prática como um subsídio ao aumento da frota, o que consiste numa maneira inteligente de realizar o planejamento tributário.
Ana Clara Franke Rodrigues é sócia responsável pela área tributária da NFC Advogados, graduada em Direito pela UniCuritiba e em Farmácia Industrial pela UFPR e, é pós-graduada em Administração de Empresas pela ISAE-FGV e em Direito Empresarial e Processual Tributário pela PUC-PR.
Rafael Ferreira Filippin é sócio fundador da NFC Advogados, doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, mestre em Direito pela UFSC, especialista em Gestão e Direito Empresarial pela UNIFAE.