Depois do desastre natural no estado do Rio Grande do Sul no mês passado, a expressão "mudança climática" ganhou uma nova dimensão. Uma tragédia que afetou muitas pessoas no estado e trouxe também muitos impactos na agroindústria, colocando em risco o abastecimento do mercado interno com frutas, verduras, proteínas e, sobretudo, o arroz. Uma verdadeira tragédia!
Ainda que em proporções totalmente diferentes e de maneira muito mais silenciosa, neste ano, as mudanças climáticas também vêm causando muita dor de cabeça para os produtores brasileiros de frutas frescas. Excesso de chuva ou falta de frio são os inimigos n°1 dos produtores!
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O ano mal havia começado e a chuva chegou oito semanas mais cedo no estado do Rio Grande do Norte, causando muitos transtornos para os produtores de melão, exportado em grandes volumes para Europa.
Os melões, crescendo deitados no chão, ficam em contato com a terra molhada, causando manchas na casca e com isso, não passam nos controles de qualidade dos supermercados europeus. A exportação parou seis semanas mais cedo em 2024, seis navios frigoríficos que carregariam a fruta no Porto de Natal foram cancelados e, ainda, centenas de contêineres 40´rh deixaram de embarcar.
Naquele momento, os produtores de maçã de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul também já sabiam que a próxima safra (de março até junho) teria uma redução drástica. Faltou frio no inverno de 2023, necessário para congelar a flor que depois vira o fruto e, adicionalmente, choveu muito no verão de 2024, comprometendo ainda mais a qualidade da fruta.
Já faz 15 anos que a maçã brasileira perdeu importância no mercado internacional por causa desses fenômenos climáticos. Há 20 anos eram embarcados até 6.000 x 40´rh durante a safra, enquanto no ano passado foram 1.500 x 40´rh e em 2024 nem deve chegar aos 500 x 40´rh.
É verdade que parte dessa queda se deve ao embargo da Rússia às maçãs brasileiras em vigor desde 2018, contudo o principal motivo é a qualidade da maçã brasileira, que não atende aos padrões para vendas no mercado europeu, levando o produtor a procurar outros mercados no exterior ou vender mais no mercado doméstico. Depois da queda drástica na produção desse ano, o Brasil pode até passar a importar mais maçã para abastecer o mercado interno.
E não termina por aí!
A seca no interior de São Paulo também deve causar uma redução de 25% na safra de laranja em 2024 e prejudicar a produção de suco de laranja, exportado em grandes volumes em navios tanque para Europa, EUA e Japão. Os embarques em contêiner de suco de laranja concentrado e não-concentrado também deve cair.
Diante disso, o preço do suco já subiu mais de 50% no Japão, por exemplo, e o mercado anda muito nervoso.
Mundo afora as mudanças climáticas viraram o novo "normal" para os produtores de frutas e vegetais, tanto no hemisfério sul como norte, ou por causa do El Niño ou La Niña.
No Marrocos, a combinação de excesso de calor e falta de chuva no verão prejudicou muito os produtores de cítricos, provavelmente não conseguindo embarcar os volumes contratados pela UE, EUA e outros países.
Na Espanha as safras de manga e abacate diminuíram entre 60% e 80% por causa das secas. Chile e Peru também sofreram com excesso de chuva ou falta de frio no inverno e as safras de kiwi, manga e uvas foram prejudicadas.
E o armador que transporta todas essas frutas? Ele sofreu do mesmo jeito, também tendo um prejuízo grande!
Um exemplo: para atender um contrato de 500x40´rh durante um período de três meses, o armador planeja o fluxo de contêineres vazios com três meses de antecedência de vários continentes e com um alto custo operacional de reposicionamento desses equipamentos.
De repente o volume previsto evapora, porém os contêineres vazios já estavam viajando para atender a respectiva safra. O que vai fazer agora com esse equipamento? Não há outra opção a não ser novamente redirecionar para outros países onde haverá exportação de frutas ou outros produtos frigoríficos.
Um contêiner frigorífico faz, estatisticamente, menos de cinco viagens cheias por ano. Quando uma viagem é cancelada, o resultado financeiro do armador é impactado. O único conforto que resta é que normalmente quando a exportação de uma fruta específica não é realizada, outra ocupa o espaço (exemplo maçã brasileira).
Como esses eventos climáticos fogem ao controle humano, não há uma solução fácil ou imediata e, pior, deverão continuar afetando o resultado financeiro de produtores e transportadores (rodoviários e marítimos).
Henrik Simon é sócio da Solve Shipping Inteligence