Participar de uma reunião em que pessoas se expressam com termos que não se encaixam no contexto discutido na pauta, como por exemplo: “terno”; “galinha”, “quarteio”, não é nada comum. Imagine então se esse é seu primeiro dia de trabalho e você é a única mulher sentada à mesa.
Naquele exato momento, percebi que estava navegando em águas desconhecidas e misteriosas. Senti um certo receio, mas a curiosidade por aprender o que se está por trás das marés e vencer os desafios foi maior.
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E desde então percebi que o mar quase nunca é calmo, principalmente para nós mulheres. Um dos maiores desafios das mulheres é a maternidade, pois muitas vezes está atrelada ao conflito entre a concretização de um sonho e a ascensão profissional. Por isso, acreditamos que devemos planejar o momento ideal, em que tenhamos segurança financeira e profissional para então gestar.
Mas as vezes é necessário corrigir a rota do navio e escolher uma boa tripulação para navegar. Recebi a promoção que tanto almejava quando estava grávida de seis meses. Sim, foi uma gestação trabalhando em um ritmo alucinante e com fortes emoções. Corroboro a frase da poderosa Cristina Junqueira, vice-presidente da Nubank: “Mulher é o mamífero mais produtivo do universo”.
No entanto, escolhas e renúncias fazem parte do cotidiano de mães que seguem carreira profissional. A antecipação do retorno da licença maternidade foi inevitável. No batizado do meu filho, que estava planejado para acontecer em um domingo com toda família reunida, fui surpreendida, às vésperas com um telefonema de um cliente informando o bloqueio indevido de milhões em sua conta. Isso significou muito trabalho no final de semana e minha participação junto à minha família, nesse momento tão importante, foi bastante restrita.
Certamente muitas mulheres se identificarão com essas histórias, pois essa é a realidade vivenciada e enfrentada por tantas, por vezes, simplesmente por serem mulheres.
Naveguei por águas turbulentas e por vezes quase naufraguei. Sofri com o sentimento de culpa por me achar despreparada para ser mãe. Sofri por me achar incompetente profissionalmente. Hoje percebo que não tenho que ser “mulher maravilha”, não deixo a culpa falar mais alto quando não consigo conciliar a maternidade e a carreira. Escolher se dedicar ao trabalho não me torna uma péssima mãe, e vice-versa. Isso porque, nós mulheres temos o dom de transformar fragilidade e insegurança em uma força avassaladora.
E mar calmo não faz boas marinheiras!
Entretanto, chegar a essa conclusão foi difícil, e ainda continua sendo. Foi necessário conversar com outras mulheres para entender que eu não era a única em meio ao oceano, e foi assim que percebi que ações que promovem o debate e a reflexões sobre temas que envolvem mulheres e suas carreiras profissionais ainda são incipientes, especialmente no setor portuário, em que vozes femininas representam uma minoria.
Sim, a presença feminina no setor portuário vem crescendo nos últimos anos, mas ainda de forma muito tímida. Não encontrei dados precisos do número de mulheres que atualmente seguem carreira no setor portuário, todavia, percebe-se nitidamente que existe uma grande disparidade. Em se tratando de mulheres que ocupam cargos de liderança sênior, o percentual é ainda menor, muito embora dados comprovem que as mulheres atingem em média um nível de instrução superior ao dos homens.
Infelizmente, para nós mulheres o gatilho da prova é mais rígido.
Em se tratando de Ogmos – órgão responsável pela gestão de toda mão de obra portuária nos portos, dos 26 Ogmos existentes no país, poucos têm ou tiveram a Diretoria Executiva composta por mulheres. O pioneiro foi o Ogmo de Imbituba/SC, que em 2007 indicou para diretoria executiva Maria Zilá de Sousa Gil, seguido pela sua sucessora, Jeanne dos Santos. Também, o Ogmo de Santos que foi dirigido no por seis anos pela Sandra dos Santos Gobetti e, atualmente, junto comigo do Ogmo de Paranaguá/PR, o Ogmo de Itaqui/MA, dirigido pela Ana Cláudia Barbosa.
Os números comprovam. As mulheres enfrentam um afunilamento hierárquico, ocupando apenas 13,6% dos cargos executivos, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Ethos[1], o qual mapeia o perfil social, racial e de gênero das quinhentas maiores empresas do Brasil.
O desafio em reduzir o gap da disparidade de gênero é grande e não é restrito ao setor portuário. Outro dado espinhoso, divulgado na 15ª edição do Relatório de Desigualdade Econômica de Gênero 2021, fornecido pelo Fórum Econômico Mundial, é que a pandemia da Covid-19 alongou em 36 anos a projeção de igualdade de gênero no mundo. Isso significa que a paridade deve ser atingida daqui a 135,6 anos.
E essa é uma realidade que não faz sentido se pensarmos em termos de crescimento de receita, vez que um estudo elaborado pelo IBM Institute for Business Value – Mulheres, Lideranças e Oportunidades Perdidas, revela que as empresas protagonistas comprometidas com a diversidade apresentam um faturamento maior que outras organizações do estudo.
Temos mais de um século de história para superar. Muitas empresas cientes de que a inclusão de gênero é uma vantagem competitiva, estão propondo ações concretas que visam garantir o equilíbrio de gênero em todos os níveis hierárquicos, cabendo a nós, mulheres, projetar ações que modifiquem a estrutura do setor, possibilitando uma maior inserção, assegurando o respeito aos seus direitos, suas opiniões e pensamentos.
Lutas em comum, vitórias em comum! Se todas nós passamos por momentos em que navegamos na intensidade das fortes tempestades, nada melhor que compartilhar nossas histórias e experiências, fortalecendo e encorajando mais mulheres para que se sintam motivadas e confiantes a explorar o mundo portuário.
O Dia Internacional da Mulher e todas as questões que o envolvem, mostra a necessidade de termos grupos e comunidades dentro setor portuário, como o objetivo de empoderar mulheres e impulsioná-las a navegarem nesse mar fascinante e cheio de oportunidades, porque faz tempo que estamos no mar e ele também é nosso!
Shana Carolina Colaço Bertol é advogada, formada em Direito pela Universidade de Marília/SP, pós-graduada em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Unicuritiba, com especialização em MBA Executivo de Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, Membro do Geports – Grupo de Estudos dos Portos do Sul e do Grupo de Estudos em Direito Portuário do TST. Atualmente exerce o cargo de diretora executiva do Ogmo/Paranaguá.