O transporte marítimo internacional de cargas, sobretudo em contêineres, está passando por um momento delicado, impulsionado por tensões geopolíticas, eventos climáticos extremos, acidentes, greves, entre outras adversidades, que rapidamente se transformam em enormes desafios operacionais mundo a fora. Com muitos navios atrasados, portos saturados, berços congestionados, falta de espaço nos terminais para abrigar volumes adicionais de escalas canceladas, contas de demurrage em alta, dificuldades na abertura de gates, entre outros problemas, algumas empresas estão recorrendo a soluções logísticas alternativas, para garantir alguma cadência às suas operações.
Nos últimos meses têm se tornado mais claro para profissionais do setor não apenas a dimensão dos reflexos dessas adversidades globais sobre a logística nacional, como também a fragilidade do sistema portuário brasileiro, claramente evidenciada pelo caos gerado esse ano pela perda temporária de um berço de atracação em Santos (devido ao incidente ocorrido em janeiro na BTP e que levou o terminal a operar por sete meses com apenas dois de seus três berços), ao mesmo tempo que a Portonave também reduziu sua disponibilidade de berços para iniciar as obras de modernização do seu cais (visando receber navios maiores).
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Alternativas Logísticas
Os transtornos gerados por essa sequência de eventos adversos globais e locais tem levado alguns importadores e exportadores a revisitarem suas estratégias logísticas. Um exemplo claro foi a iniciativa da CantuStore, que afretou um navio (juntamente com outro embarcador) e comprou contêineres na Ásia para trazer pneus para o Brasil. Claro que essa medida foi economicamente viabilizada pela disparada dos fretes nessa rota entre junho e julho, mas também ajudou a reduzir em 25% o tempo de trânsito, que proporciona um impacto positivo importante sobre o custo de inventário. A busca por soluções alternativas também tem sido praticada pela Cofco, uma das maiores traders de algodão do Brasil, que começou a testar o Porto Itapoá como alternativa ao Porto de Santos, que historicamente vinha concentrando a quase totalidade dos embarques dessa mercadoria. A Brado também levou algodão para embarcar no Porto de Itaguaí, numa operação conjunta com a MRS, Sepetiba Tecon, Maersk e Cargill. A MSC igualmente vem oferecendo rotas alternativas para o algodão, partindo de Salvador e Itaguaí.
Com a produção nacional da pluma em alta e a demanda internacional crescendo, esses planos de contingência têm se mostrado cada dia mais imprescindíveis. Além disso, o Porto de São Sebastião, após 60 anos sem operar com café, voltou a movimentar essa carga nos porões de navios breakbulk. Mais de 8.000 toneladas de café foram exportadas para a Alemanha, reforçando a importância das alternativas logísticas em momentos turbulentos.
Antecipação, Planejamento e Flexibilidade como Diferencial Competitivo
Evidente que os movimentos mencionados não se aplicam a todas as cargas ou embarcadores, tampouco teriam escala para substituir as linhas regulares ou os tradicionais terminais de contêiner. Contudo demonstram a importância da capacidade de antecipar cenários, planejar “fora da caixa” e flexibilizar rotinas para enfrentar esses momentos. No limite, essas soluções alternativas podem até ajudar tirar pressão do sistema e agilizar uma retomada à normalidade nos embarques. A agilidade na capacidade de adaptação tem se provado cada vez mais fundamental em um setor tão dinâmico e volátil como experimentado pelo transporte marítimo nos últimos anos, podendo até vir a se transformar em um importante diferencial competitivo para as empresas que o praticam.
Compra da Santos Brasil pela CMACGM
Claro que seria leviano afirmar que esse movimento da CMACGM tenha se dado exclusivamente em função das turbulências atuais, como também seria ingênuo pensar que isso não exerceu qualquer influência nessa decisão. Há tempos circulavam rumores de que a Santos Brasil seria a “noiva” mais cobiçada entre os ativos portuários brasileiros e que muitos pretendentes a estavam “cortejando”, mas foram os franceses que decidiram pagar o “dote” (R$ 13,4 bilhões) aos controladores e acionistas. Na prática, a Santos Brasil não deverá do dia para a noite passar a movimentar exclusivamente volumes da CMACGM e da Mercosul Line, não apenas porque há contratos de janelas com outros armadores que deverão ser honrados como também porque atualmente a Santos Brasil é maior que a demanda da CMACGM. De qualquer maneira, é fato que no médio/longo prazo esse movimento deixará os franceses numa situação menos desconfortável em momentos turbulentos.
A despeito das discussões sobre verticalização (que conforme o próprio CADE já declarou pode ser benéfica sob certas circunstâncias), esse movimento também deverá ajudar a destravar novos investimentos portuários no Brasil, sobretudo o STS 10. No final do dia o que todo armador quer é capacidade para operar rapidamente e ficar o mínimo de tempo possível atracado, o que também é bom para os embarcadores. Dado que a participação da CMACGM no mercado brasileiro ainda não seja das maiores (atrás da Maersk, MSC e Hapag Lloyd no longo curso e da Aliança e LogIn na cabotagem), esse movimento também pode dar uma boa “oxigenada” na concorrência entre armadores, o que também seria benéfica para exportadores e importadores locais. Nesse sentido, Rodolphe Saade CEO da CMACGM, postou no LinkedIn uma mensagem dizendo que: “...esta aquisição é um passo fundamental na expansão de nossa presença na América Latina. Também fortalece nossa parceria com o Brasil, apoiando seu crescimento e conectividade na região.”
Evidente que o negócio ainda está sujeito à aprovação das autoridades brasileiras, contudo, dado que a empresa não controla ou possui participação relevante em nenhum outro terminal de contêiner do Sudeste/Sul do país, a expectativa no mercado é que não haja grandes problemas (ao contrário do que poderia ocorrer no caso da MSC ou da Maersk, por exemplo). Em suma, já há sinais importantes de que o caos logístico pode arrefecer no Brasil e no mundo nos próximos meses, mas isso não deveria levar as empresas a se acomodarem e voltarem ao automático. Os últimos anos mostraram que tudo pode mudar (e muito rápido) na navegação! Até porque essa possível melhora está diretamente ligada à duração da greve dos estivadores da costa leste e golfo dos EUA iniciada em 1º de outubro. A última vez que uma greve como essa aconteceu foi no longínquo ano de 1977 e, portanto, as consequências (congestionamentos, retenção de contêineres, cancelamentos de viagem, dificuldades para retirar/depositar contêineres, disparada dos fretes etc) para a logística mundial ainda são incalculáveis. Contudo, se não acabar rápido pode gerar reflexos ainda mais nocivos do que o “fechamento” do Canal de Suez para as cadeias logísticas globais.
Thiago Lopes atua como Head of Business Development na Solve Shipping
Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence