A reforma tributária brasileira não é mais uma promessa distante: ela já começou. Aprovada e com cronograma definido, sua implementação tem início já no próximo ano, em 2026, e se estende até 2033. Essa mudança vai muito além da simplificação de impostos, ela impacta a estratégia logística que não será mais focada no aspecto tributário, mas sim na eficiência logística propriamente.
Por décadas, a chamada “guerra fiscal” moldou cadeias produtivas e redes de distribuição. Empresas decidiram onde produzir e armazenar não apenas pela eficiência operacional, mas pelos incentivos tributários oferecidos por alguns estados. Essa lógica está chegando ao fim. A exclusão gradual dos incentivos fiscais entre 2029 e 2032 marca uma virada de chave. Estados brasileiros, que antes reconhecidamente ofereciam incentivos fiscais extremamente competitivos, serão duramente afetados.
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Sem incentivos estaduais, a estratégia logística passa a seguir a lógica macroeconômica do país, baseada na concentração das cadeias produtiva e consumidora. Isso significa que empresas precisarão repensar suas redes de produção e distribuição, aproximando-se dos grandes polos de fabricação e consumo, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A mudança não é apenas tributária, é estrutural. Cadeias inteiras precisarão ser redesenhadas:
- Fábricas instaladas em regiões incentivadas terão de avaliar se permanecem onde estão, se migram para locais mais próximos ao consumo ou para a Zona Franca de Manaus, que permanece vigente até 2073.
- Centros de distribuição, muitos deles posicionados em estados que ofereciam benefícios fiscais, tendem a se deslocar para o eixo Sudeste, mais próximos aos grandes centros econômicos e financeiros.
- Importadores, que hoje nacionalizam cargas em portos com incentivos, deverão priorizar portos mais próximos ao consumo, alterando a dinâmica dos corredores logísticos.
- Atividades “e-commerce”, que utilizam incentivos estaduais para importação e distribuição, tenderão a reavaliar a capilaridade de sua malha logística.
- Até mesmo as conhecidas “Trading Companies” precisarão repensar sua estratégia operacional tributária, pois a extinção gradativa dos incentivos fiscais estaduais lhes impactará diretamente.
Nesse novo cenário, a competitividade não estará mais baseada em aspectos tributários, mas sim em eficiência logística. O “Custo Brasil” volta ao centro da agenda e dentro dele, a logística é peça-chave. Empresas que conseguirem redesenhar sua malha, com base na multimodalidade e de forma integrada, terão vantagens estratégicas. Combinar modais – rodoviário, ferroviário, cabotagem e até aéreo – será essencial para reduzir custos e aumentar resiliência.
Nessa nova dinâmica, a cabotagem assume papel central. O Brasil é um país litorâneo, com mais de 8 mil quilômetros de costa e 70% da população vivendo a até 200Km do mar. A cabotagem, transporte marítimo entre portos nacionais, já se mostra uma solução competitiva ao reduzir em até 30% os custos logísticos em longas distâncias, além de emitir menos CO2, em relação ao modal rodoviário. Com serviços semanais conectando Norte, Nordeste, Sudeste e Sul, oferece também previsibilidade e, com a reforma, ganha ainda mais relevância.
Empresas que antes triangulavam cargas por estados incentivados poderão nacionalizar ou fabricar próximo ao consumo e usar a cabotagem para distribuir com eficiência.
A transição para uma logística mais eficiente, contudo, não será simples. O Brasil ainda enfrenta gargalos estruturais que limitam a competitividade. O Porto de Santos (SP), por exemplo, já opera com alta utilização, o que significa que qualquer aumento de demanda pressiona custos e reduz eficiência. Sem investimentos robustos em infraestrutura – mais ferrovias, rodovias, terminais intermodais e capacidade portuária –, a nova lógica logística corre o risco de esbarrar em velhos problemas. E esses investimentos levam tempo. Empresas que aguardarem a reforma “acontecer” para agir podem perder espaço para concorrentes que se anteciparem.
Por outro lado, nem tudo mudará de forma radical. Hubs logísticos bem-posicionados geograficamente continuarão exercendo papel estratégico. Portos com infraestrutura consolidada, como Itapoá (SC), seguirão competitivos por sua capacidade e localização privilegiada para atender os estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Em outras palavras, a reorganização da malha não elimina a importância de ativos já consolidados; ela apenas redefine como eles se conectam a uma rede que precisa ser mais integrada e eficiente.
As decisões sobre onde produzir e distribuir não são apenas números em uma planilha. Elas carregam histórias, empregos e vínculos com comunidades locais. Uma fábrica, ou até mesmo um centro de distribuição, por exemplo, não se movem com facilidade. Eles estão conectados a trabalhadores, fornecedores e à economia regional. Por isso, a reorganização da malha logística precisa considerar não apenas custos, mas também impactos sociais e a vocação de cada território. Ao mesmo tempo, uma logística mais eficiente não beneficia apenas as empresas. Quando cadeias são otimizadas, o custo logístico cai e isso se traduz em produtos mais acessíveis para milhões de brasileiros. Reduzir o “Custo Brasil” significa não apenas aumentar a competitividade das empresas, mas também ampliar o poder de compra da população e integrar mercados que hoje pagam mais caro simplesmente pela distância.
A reforma tributária não é um evento distante, ela já teve início. E, como toda mudança estrutural, exige planejamento antecipado. Empresas que se adaptarem primeiro terão vantagem competitiva e acreditamos que a logística é um vetor de crescimento para o Brasil.
Luiza Bublitz é presidente da Aliança Navegação e Logística