Está em discussão no governo um projeto brownfield de arrendamento do chamado Tecon Santos 10, terminal localizado na margem direita do Porto de Santos e cuja área total é estimada em quase 622 mil metros quadrados. O valor do contrato de 25 anos é de mais de R$ 44 bilhões e prevê investimentos da ordem de R$ 5 bilhões no terminal. Sua importância para a logística brasileira é óbvia, mas o formato do leilão tem gerado muita polêmica.
O debate a respeito das “regras do jogo” para o leilão de arrendamento do Tecon Santos 10 ocorre via audiências públicas desde 2022. Diversos agentes já se manifestaram no processo. Na Audiência Pública nº 06/2022 da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), foram recebidas 538 contribuições. Na nova Audiência Pública nº 02/2025 realizada pela agência, foram recebidas 513 contribuições, além de um total de 45 documentos.
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Tenho acompanhado o caso desde 2022 e, na época, defendi publicamente, essencialmente, três pontos: (i) a integração vertical é uma tendência mundial que traz importantes eficiências; (ii) a análise concorrencial, focada então no cenário intraporto era demasiadamente restrita; e (iii) que havia mecanismos pelos quais as autoridades antitruste poderiam investigar possíveis práticas de self-preferencing. Uma das conclusões foi de que, diante daquele contexto, não fazia sentido restringir a competição além do já previsto na minuta de edital da Antaq.
Passados três anos da primeira audiência pública, o cenário mudou. De 2022 para cá, observou-se um processo de forte concentração no mercado brasileiro de contêineres: a soma das participações de mercado dos quatro primeiros players é superior a 75%. Além de elevado por si só, tal percentual é sinal de alerta no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no que tange ao risco de cartel. Por conta disso a autoridade antitruste costuma, com base no indicador “Concentration Ratio 4”, ou CR4, aprofundar a análise sobre a possibilidade de exercício de poder coordenado.
Destaca-se que tal concentração ocorre no cenário nacional, mais amplo que o intraporto adotado pela área técnica da Antaq na análise do Tecon Santos 10. Ou seja, por dois caminhos distintos – nacional ou intraporto – observou-se, nos últimos anos, uma consolidação do mercado de contêineres que justifica maiores preocupações concorrenciais.
É por esta razão que a recomendação sugerida pela Gerência de Regulação Portuária da autarquia foi um faseamento do leilão em duas fases: (i) em um primeiro momento, não poderiam participar os incumbentes no Porto de Santos (a saber: Maersk, MSC, DPW ou CMA CGM); e (ii) em um segundo momento, não havendo interessados na primeira fase, seria permitida a participação de incumbentes condicionada ao desinvestimento dos ativos que atualmente exploram.
Entendo que a solução proposta pela Antaq atende às preocupações concorrenciais existentes diante do atual cenário portuário brasileiro. Vale lembrar que em 2022, a agência já vislumbrava a necessidade de uma espécie de faseamento: a minuta do edital previa a restrição da participação da BTP (ou consórcio entre Maersk e MSC) em uma primeira etapa.
A adoção do desinvestimento dos incumbentes como condição para assumir o Tecon Santos 10 não garante a concorrência do mesmo modo que o faseamento. Como bem apontado pela área técnica da Antaq, tal opção tem o risco de não incrementar efetivamente o número de players em mercado tão relevante para o Brasil, podendo ocorrer mera consolidação do controle do terminal por antigo sócio ou mera substituição de agente econômico.
Em termos práticos, poderia ocorrer, por exemplo, de a MSC vencer o certame e transferir sua participação no terminal BTP à sua atual sócia Maersk, o que não resolveria a elevada concentração de mercado. Neste cenário, o CR4 superaria 80%. Ou seja, quem quisesse embarcar uma carga com qualquer operador portuário que não um dos quatro maiores, somente poderia recorrer a menos de 20% do mercado para fazê-lo.
Ao elencar o faseamento, a Antaq incentiva a entrada de um novo player, ou “Outsider”, cenário com o menor índice CR4 se comparado a um cenário no qual os incumbentes vençam e desinvistam seus ativos atuais. Em outras palavras: o faseamento incentiva o alcance do cenário com a menor preocupação possível a respeito de efeitos coordenados. Tal proposta mostrou-se necessária diante dos movimentos recentes no setor.
Desse modo, o modelo de faseamento proposto pela Antaq para o Tecon Santos 10 é coerente com o procedimento de 2022 e estimula a concorrência. Coerente porque antes já se vislumbrava um faseamento. E estimula a concorrência porque nem impede eventuais eficiências de verticalização, nem gera riscos de desinteresse pelo ativo, ao combinar as opções (ii) e (iii) aventadas pela área técnica da Antaq. Tive o prazer de apresentar esses pontos quando falei em nome da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) na audiência pública realizada no último 31 de julho pelo TCU sobre o Tecon Santos 10.
A concessão do Tecon Santos 10 com o devido estímulo à concorrência é uma oportunidade de ampliar a eficiência logística, atrair investimentos e consolidar o Brasil como hub estratégico na América Latina.
Gesner Oliveira é sócio da GO Associados, ex-presidente do Cade e professor da FGV