As medidas adotadas pelo governo chinês para frear a propagação do corona vírus deram um verdadeiro “nó logístico” na China. Na esteira do prolongamento do feriado do Ano Novo Lunar, do isolamento de algumas das mais importantes províncias para o comércio exterior chinês e das quarentenas impostas a pessoas com suspeita de contaminação, uma série de fábricas, escritórios, transportadoras, caminhoneiros, terminais portuários e até rebocadores ficaram semanas sem trabalhar, ou trabalhando de forma precária, fazendo com que centenas de milhares de contêineres se acumulassem em território chinês, sem conseguir chegar ou sair dos portos. Um bom exemplo da dimensão do impacto dessas medidas sobre o transporte marítimo de contêineres foi o porto de Ningbo – que em 2019 movimentou em média 75 mil TEUs por dia – chegou a movimentar apenas cinco (5) TEUs no dia 16 de fevereiro, de acordo com a SISI – Shanghai International Shipping Institute.
Com os contêineres se acumulando nos terminais portuários, os armadores, por sua vez, começaram a cancelar dezenas de viagens planejadas, tendo em vista que não conseguiam descarregar as cargas a bordo ou carregar os contêineres retidos por toda a China. Desde o feriado chinês foram canceladas 186 viagens nas rotas ASIA<>EUROPA e ASIA<>EUA, das quais 77 cancelamentos diretamente relacionados ao coronavírus, segundo levantamento realizado pela Sea-Intelligence.
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Diante de todo esse cenário, e tendo em vista que quase 1/3 das cargas movimentadas no mundo tem como origem ou destino a China, bastaram algumas semanas para que esse nó logístico também começasse a se espalhar para os demais continentes. Um levantamento realizado pela consultoria alemã Container xChange – focada em fluxos internacionais de contêiner – demonstrou que na primeira semana de março/20 havia 47% mais contêineres em Xangai e 33% menos contêineres em Hamburgo do que no mesmo período do ano passado. Ainda de acordo com a Container xChange, a situação em Los Angeles e Chicago é ainda pior. Com isso, os contêineres que estão “sobrando” na China estão começando a fazer falta em outros países.
A boa notícia é que nos últimos dias de fevereiro houve um ponto de inflexão na propagação da doença e muitos trabalhadores, notadamente os caminhoneiros, começaram a voltar aos seus postos. E aqui cabe destacar a enorme capacidade de ação/reação dos chineses, a exemplo do hospital construído em nove dias – obviamente que sem entrar no mérito dos métodos utilizados para tal ou, tão pouco, sem fazer qualquer apologia ao regime político daquele país. Do ponto de vista logístico, o importante é que há bons indícios de que o pior já passou e, inclusive, já há terminais em Shanghai movimentando cerca de 10% mais do que na média de 2019 e, com isso, nas próximas semanas os chineses devem conseguir “desatar esse nó”.
Efeitos para o Brasil
Conforme observado no gráfico abaixo, as importações brasileiras em contêiner da Ásia vinham bem até a primeira semana de fevereiro de 2020, com navios saindo de Cingapura mais cheios do que início do ano passado, apesar de um incremento de capacidade nessa rota da ordem de 5% em relação a 2019, devido a um "upgrade" do serviço da PIL (de quinzenal para semanal).
Mas a partir da semana 7 a situação nos portos chineses se agravou e, ao contrário do ocorrido no ano passado, quando as quatro viagens da semana 9 foram canceladas em razão do feriado na China, esse ano contabilizamos nove Blank Sailings entre as semanas 5 e 11. É bem verdade que um desses Blank Sailing foi em razão de um navio que antecipou sua rotação.
Ou seja, das quatro embarcações que saem semanalmente da Ásia rumo aos portos brasileiros, num período de sete semanas desde o Ano Novo Chinês (que esse ano ocorreu na semana 5 – última semana de janeiro) houve nove viagens a menos que as 28 planejadas. E, para piorar a situação, a partir da semana 7, além dos cancelamentos, as utilizações dos navios que partiram da Ásia também começaram a despencar, a ponto de dois navios que deixaram Cingapura na semana 9 reportarem níveis de utilizações em torno de 65%.
Felizmente o gráfico também demonstra um ponto de inflexão no final de fevereiro e os navios que zarparam de Cingapura na primeira semana de março (semana 10) já apontam para uma recuperação importante nos níveis de utilização.
Mas se por um lado as coisas na China parecem caminhar para uma normalidade a partir de março, os reflexos desse nó logístico por lá começaram a chegar por aqui exatamente no início de março, quando começaram a chegar aos portos brasileiros os navios que partiram da Ásia na fatídica semana 7.
Num primeiro momento, essa “diminuição forçada” da capacidade nessa rota tende a impactar mais diretamente os importadores brasileiros (montadoras, autopeças, zona franca de Manaus, eletroeletrônicos, componentes e o comércio popular) que estão recebendo menos produtos do que encomendaram.
Já num segundo momento, tendo em vista que as linhas de contêiner operam em ciclos regulares, os mesmos navios/contêineres que deixaram de vir da Ásia desde a semana 7 são os mesmos que deveriam partir do Brasil com destino a Ásia a partir da semana 12 e, portanto, a estimativa da SOLVE é que essa queda da capacidade, associada a escassez de equipamentos, se traduza em uma redução das importações/exportações chinesas da ordem de 30% a 40% nos meses de março e abril, podendo essa escassez de equipamentos também impactar em outras rotas .
Segundo dados da SECEX, quem depende do transporte aéreo já sentiu os efeitos de forma mais imediata: as importações brasileiras oriundas da China em aviões caíram 50% em fevereiro, quando comparadas a jan.20, e 25%, quando comparadas a fev.19. E isso explica as férias coletivas e os cortes de produção anunciados por algumas gigantes dos eletroeletrônicos que dependem de componentes chineses.
Mantendo nosso monitoramento diário da movimentação dos navios, temos observado uma melhora significativa no quadro, inclusive segunda-feira (9) já foi possível notar que alguns armadores estão literalmente acelerando seus navios na rota Ásia > Brasil a fim de compensar parte do tempo e da capacidade perdida, sendo provável até que esses 9 blank sailings na saída da Ásia se transformem em apenas 6 blank sailings na saída do Brasil.
Ou seja, o importante agora é, a exemplo dos transportadores e embarcadores do modal aéreo, ao invés de procurar culpados — que nitidamente é essa epidemia — começar a preparar planos de contingência para as próximas 4 semanas (no caso dos importadores) ou 6 semanas (no caso dos exportadores), de maneira que se possa minimizar os efeitos dessa “diminuição forçada” da capacidade.
Leandro Barreto é sócio da Solve Shipping Intelligence