A Solve vem chamando a atenção, desde 2019, para um problema estrutural no setor portuário brasileiro: a oferta de infraestrutura não tem acompanhado o crescimento da demanda. Esse descompasso acabou gerando muitos dos gargalos logísticos que vivemos hoje — como omissões de escalas, rolagem de cargas e cancelamento de viagens— além do aumento de custos (frete, pré-stacking, demurrage e detention) e da queda na qualidade dos serviços prestados a importadores, exportadores e demais elos da cadeia logística.
Desde a inauguração da BTP e da Embraport (DPW), em 2013 — quando o país movimentava pouco mais de 9 milhões de TEU — nenhum novo terminal de contêineres entrou em operação no Brasil. Pior ainda, alguns terminais outrora importantes não conseguiram acompanhar a evolução de tamanho dos navios e acabaram perdendo espaço no container ou mesmo encerrando atividades, como Rodrimar, Ecoporto, São Francisco do Sul e a própria Libra Santos, que por anos foi o maior terminal do país.
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Nesse período, a movimentação de contêineres cresceu em média 3,5% ao ano, chegando a quase 14 milhões de TEU em 2024. Mas, de acordo com dados da Antaq, o ritmo vem acelerando: só em 2024 o crescimento foi de 19,6%, e no primeiro semestre de 2025 já soma 10,2%.
Em termos absolutos, o aumento de movimentação em 2024 equivale sozinho à capacidade anual da Santos Brasil (2,6 milhões de TEU – maior terminal do país), e o crescimento acumulado de 2025 já supera a capacidade anual do porto de Pecém. E não se viu nenhuma inauguração de terminais desse porte recentemente.
Esse salto não é fruto do acaso, mas do sucesso comercial dos exportadores e importadores brasileiros. Para efeito de comparação, o mundo registrou crescimento de “apenas” 4,5% na movimentação de contêineres nesses mesmos períodos. O Brasil vem avançando a taxas muito superiores!
Hoje, o país conta com 20 terminais de contêineres em operação, distribuídos em cerca de 43 berços de atracação. Desde 2013, o que se viu foram apenas ampliações pontuais: expansão de berços, retroáreas e modernização de equipamentos. Esses esforços, porém, não têm sido suficientes para acompanhar a velocidade da demanda. Além disso, a limitação de calado em vários portos impede a operação plena dos navios maiores, reduzindo ganhos de escala e mantendo elevado o custo unitário de transporte.
Em outras palavras, se o Brasil deseja continuar celebrando recordes no comércio exterior, precisa começar a comemorar também recordes em investimentos e no ritmo de obras portuárias e dragagens. Desde 2012, o país não conta com um plano nacional de dragagem — apenas iniciativas isoladas, insuficientes para resolver o problema.
Como se trata de investimentos de capital intensivo e longa maturação — muitas vezes exigindo até uma década entre o licenciamento e a entrada em operação — a perspectiva para os próximos anos tende a ser desafiadora, mesmo que as exportações e importações não mantenham o ritmo acelerado atual.
A boa notícia é que tanto o governo quanto a iniciativa privada já começam a anunciar investimentos que poderão aliviar parte dessas pressões até que novos terminais — no plural — sejam devidamente licenciados, construídos e inaugurados.
Dragagem
• Santos – Foi publicado em 23 de agosto o edital para contratação da dragagem de aprofundamento do canal de navegação, que passará dos atuais 15 para 16 metros. A abertura das propostas está marcada para 26 de setembro. O passo seguinte, para chegar a 17 metros, dependerá do sucesso do futuro modelo de concessão dos serviços de dragagem e manutenção a ser “testado” em breve em Paranaguá;
• Paranaguá – O processo pioneiro de concessão da dragagem de aprofundamento e manutenção do canal de acesso está em andamento, com o edital lançado em 25 de agosto e o leilão marcado para 22 de outubro, na B3. O objetivo é ampliar o calado dos atuais 12,8 metros para 15,5 metros ao longo de quatro anos;
• Itapoá – Na Baía da Babitonga, será realizada a dragagem e retificação do canal de acesso, em uma PPP também inédita entre o Governo de Santa Catarina e o Porto Itapoá. A licitação já foi concluída, o vencedor homologado e as obras devem começar nas próximas semanas, com entrega prevista para o primeiro semestre de 2026. Com isso, o terminal poderá receber navios de 366 metros e até 16 metros de calado — um avanço em relação à situação atual, em que navios de 336 metros operam limitados a 11,5 metros de calado;
• Itajaí/Navegantes – O edital para concessão da dragagem e gestão do canal de acesso ao complexo portuário (nos moldes do que está sendo testado em Paranaguá) já foi enviado ao TCU. A iniciativa permitirá a entrada de navios de até 400 metros de comprimento.
Novos Terminais
• Suape – A APM Terminals está investindo R$ 1,6 bilhão na construção de um novo TUP. A operação está prevista para começar no segundo semestre de 2026, com um cais de 430 metros, dois guindastes do tipo STS e capacidade inicial para movimentar 400 mil TEU por ano;
• Imetame – Em Barra do Riacho (ES), a companhia está aplicando R$ 2,7 bilhões em um complexo de terminais privados, que será capaz de movimentar contêineres, grãos, carga geral e granéis líquidos. Também com início previsto para 2026, o terminal de contêineres terá 17 metros de profundidade e capacidade inicial de 300 mil TEU, podendo alcançar até 1,2 milhão de TEU em plena operação.
• Tecon Santos 10 – Conhecido anteriormente como STS 10, deve ser o maior leilão portuário do Brasil. O projeto, localizado na área do Saboó (antigas instalações da Rodrimar e Deicmar), prevê quatro berços para navios de até 366 metros e capacidade final de 3,5 milhões de TEU por ano em 2034, caso o leilão ocorra ainda em 2025. O processo está sob análise do TCU e só após aprovação o edital poderá ser publicado. Permanece, porém, a polêmica sobre a possibilidade de participação — ou não — dos atuais operadores de contêineres no Porto de Santos no certame, o que pode levar à judicialização e atrasos do projeto.
Expansões e Renovações Antecipadas
Nos últimos anos muitos terminais brasileiros investiram em capacidade, modernização de equipamentos, de cais e, em alguns casos, descarbonização das operações. Parte desses investimentos são decorrentes de renovações antecipadas de seus contratos de concessão.
• Santos Brasil (Tecon Santos, Tecon Imbituba, Vila do Conde e Terminais de graneis líquidos) – Antecipou de 2031 para 2026 a expansão de capacidade do Tecon Santos prevista na renovação antecipada da sua concessão para 3 milhões de TEU (atualmente a capacidade é 2,6 milhões de TEU) e R$ 75 milhões investidos em Imbituba entre 2024/25;
• Portonave – Está investindo R$ 1 bilhão em obras de reforço, modernização dos berços de atracação e aquisição de novos STS, preparando o terminal para receber navios de até 400m, com previsão de conclusão no 2º semestre de 2026. Vale mencionar que a maximização do uso desse investimento
depende da aprovação da concessão da dragagem e ampliação da bacia de evolução e do canal de acesso ao complexo portuário de Itajaí – em análise no TCU;
• Tecon Salvador – Tem uma linha de crédito de R$ 942 milhões do Fundo de Marinha Mercante para modernização do terminal. Atualmente, a capacidade instalada do terminal é de aproximadamente 553 mil TEU e, com esse recurso, chegará a 925 mil TEU em 2034;
• Itapoá – Anunciou a fase IV do projeto de expansão, com um aporte de R$500 milhões que pretende adicionar mais 120mil m² de pátio, adquirir o 8º STS e outros equipamentos. Mais adiante está no horizonte a expansão do cais de atracação dos atuais 800m para 1.200m e chegar a um total de 13 STS com uma capacidade anual de movimentação de 2,5 milhões de TEU;
• BTP – Após o acidente no berço 1 em janeiro de 2024 – que comprometeu sua capacidade ao longo de boa parte do ano passado – recebeu dois novos STS, com o que passou a contar com um total de 10 portêineres. Essa aquisição é parte do compromisso com o Governo Federal de investir R$ 1,9 bilhão,
por conta da renovação antecipada do contrato de arrendamento;
• DPW – Segue anunciando investimentos – sobretudo após a nova parceria com a Maersk – agora com o compromisso de aumentar a capacidade de 1,3 para 1,7 milhão de TEU até 2026;
• TCP Paranaguá – Após as recentes expansões que levaram a capacidade do terminal de 1,5 para 2,5 milhões de TEU, ainda haveria um montante adicional de investimentos (cerca de R$ 550 milhões) previsto para o período de 2024 a 2048;
• ICTSI Rio de Janeiro – Além de uma ampliação do cais em 100m em 2023, esse ano adquiriu o controle total do antigo estaleiro Inhaúma (área contígua ao terminal) para expansão da capacidade;
• Multi Rio - está investindo R$ 500 milhões, distribuídos entre o Terminal MultiRio e o Terminal MultiCar (veículos). No caso do MultiRio, esse pacote inclui dentre outras a ampliação do cais de 533m para 800m e aquisição de novos equipamentos o que permitirá o aumento da capacidade anual de 670 mil TEU para 1 milhão de TEU;
• Pecém - A APMT acaba de obter uma extensão de 15 anos da concessão do terminal de Pecém (de 2034 para 2049) e, em contrapartida, a empresa investirá cerca de US$ 35 milhões para ampliar a capacidade do terminal, incluindo a compra do quarto STS e a substituição gradual de equipamentos (RTGs e caminhões) a diesel por elétricos. A autoridade portuária, por sua vez, ampliará o píer dedicado a APTM de 600 m para 800m, com conclusão prevista para 2028. Com isso a capacidade anual passará de 0,65 MTEU para 0,85 MTEU;
O que se desenha é um cenário desafiador, mas repleto de oportunidades: a combinação de investimentos públicos e privados, a modernização de terminais, a expansão de calados e as dragagens estratégicas que, se bem coordenadas, podem transformar o setor portuário brasileiro, gerando ganhos de escala, redução de custos e maior confiabilidade para toda a cadeia logística.
Enfim, se todas as obras anunciadas forem concluídas nos prazos previstos e se importadores e exportadores, por meio de suas entidades, mantiverem o foco das autoridades nos investimentos estruturantes necessários para a próxima década, será possível vislumbrar, sim, uma boa luz no fim do túnel.
Somente uma união estratégica entre o setor público e o privado pode aliviar os gargalos atuais e, por que não, pavimentar o caminho para a consolidação de um verdadeiro hub portuário no Brasil — capaz de integrar de forma eficiente transporte, logística e comércio exterior, elevando o país a um novo patamar de competitividade global.
Robert Grantham e Leandro Carelli Barreto são sócios da Solve Shipping Inteligence