Diante da insuficiência crítica de mão de obra no segmento marítimo, a falta de equidade de gênero no setor ganha um peso relativo maior. Enfrentar as desigualdades é também propor o crescimento e a produtividade deste segmento. Levantamento feito em 2023 pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) indica que somente 17,5% do total de vagas no setor aquaviário brasileiro é, atualmente, ocupado por mulheres.
Nas últimas décadas, avanços graduais foram observados, mas, na maioria das companhias averiguadas na pesquisa da Antaq, observa-se que há um número muito inferior de mulheres. Apenas 2,7% das empresas informaram que mais da metade de seus empregados são mulheres. Somente as autoridades portuárias têm participação feminina acima da média geral dos setores, ainda assim não há representatividade no quadro de direção.
O Brasil não está isolado neste terreno e segue a tendência mundial de ocupações femininas de cargos no setor. De acordo com dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), as mulheres ocupam 18% das vagas no setor portuário global e nos nichos de movimentação de cargas e operações portuárias há uma queda acentuada na taxa de participação feminina.
Ao menos três fatores carregam, de modo isolado, o potencial de dificultar o caminho rumo à igualdade de gênero no setor marítimo: regras de processo seletivo claramente direcionadas a profissionais masculinos, violência e assédio no ambiente de trabalho e desigualdade salarial. Destaque-se que em mais de 30% das empresas pesquisadas pela Antaq foi verificada a desigualdade salarial entre gêneros. Juntos, todos esses fatores são uma força centrífuga que joga as mulheres para fora deste mercado específico.
É inegável que não se pode continuar assim. Portanto, é alentador constatar as recentes iniciativas para corrigir a baixa participação feminina no mercado de trabalho como um todo, atingindo todos os setores da economia, inclusive o segmento marítimo. A implementação do Decreto 11.795/23, regulamentando a lei de igualdade salarial 14.611/23, tornou obrigatório que empresas com mais de 100 empregados forneçam dados sobre remuneração, segregados por gênero e raça, por meio do Relatório de Transparência Salarial.
É fato conhecido que, embora a igualdade salarial entre mulheres e homens esteja prevista desde 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na prática ela não vinha sendo cumprida sob referida ótica. Temos, agora, um fato novo e relevante: as novas regras de transparência conferem uma força aos órgãos fiscalizadores com consequências antes inexistentes. Ressalte-se que as novas regras geram, inclusive, possibilidades de condenações de danos morais coletivos passíveis de serem questionados pelos sindicatos, quando verificada a discriminação entre homens e mulheres. Há também reflexos na esfera administrativa, impondo multas devidas ao Estado como consequência da inobservância da lei.
A lei, de fato, ainda precisa de algumas regulamentações, mas já traz regras claras do que é preciso fazer. E o que traz de novo são obrigações internas que exigirão um compliance trabalhista específico para zelar pela equiparação salarial. As lideranças empresariais foram tiradas, enfim, da zona de conforto.
Mas apesar destes sinais indeléveis rumo à construção de um mundo do trabalho mais igualitário e produtivo, o país ainda precisa avançar na formulação de novas e outras políticas públicas e proposições legislativas para que se possa acelerar a igualdade de gênero no mercado de trabalho. Enfrentar as desigualdades significa investir no crescimento econômico. Vale lembrar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou que, se as brechas de gênero no mercado de trabalho fossem reduzidas em 25%, o PIB mundial aumentaria em US$ 5,3 trilhões até 2025.
Uma lição emerge desta constatação da OIT para o setor marítimo: a formulação de políticas estratégicas para melhorar a participação feminina representa não somente acelerar a igualdade de gênero, mas enfrentar o déficit da mão de obra e contribuir para a retomada do crescimento da indústria naval brasileira.
Raquel Guedes é advogada trabalhista, sócia do escritório Lopes Pinto Advogados- LPLaw