"Até recentemente eu começava as minhas manhãs verificando o rendimento dos bônus italianos", diz Ed Yardeni, que trabalha como estrategista financeiro em Wall Street. Não é mais assim. Agora, ele verifica primeiro o preço do petróleo Brent.
Na semana passada, quando os preços do petróleo subiram para mais de US$ 125 por barril, maior patamar desde a guerra civil na Líbia em 2011, a atenção dos investidores mudou nitidamente de direção: da crise na Grécia para a ameaça representada pelo petróleo mais caro.
Se continuar em alta - e a Vitol, maior comercializadora de petróleo independente do mundo, já alertou para a possibilidade de a cotação atingir US$ 150 - então, qualquer perspectiva imediata de recuperação econômica, especialmente na Europa, ela provavelmente perderá força.
Há vários motivos para a alta d preço do petróleo, sendo que o mais importante é a tensão cada vez maior em relação ao programa nuclear iraniano.
As sanções planejadas pela União Europeia (UE) e as ameaças do Irã, de cortar o fornecimento a alguns países europeus, vêm preocupando os operadores do mercado de petróleo.
O petróleo do tipo Brent chegou a recorde, em euros e em libras, na semana passada. Na sexta, atingiu o maior valor em nove meses, de US$ 125,32, impulsionado por um informe da agência de supervisão nuclear da Organização das Nações Unidas (ONU) apontando um grande aumento na produção de urânio de alto grau de enriquecimento pelo Irã.
"O petróleo encaminha-se para um ponto crucial", afirma Michael Lewis, chefe de análise de commodities no Deutsche Bank, em Londres.
O aumento nos preços do petróleo, justamente quando os EUA começam a dar sinais de sair do atoleiro econômico, é ameaçador para a economia mundial. Quase todas as recessões anteriores dos EUA foram precedidas por grandes aumentos no custo das fontes de energia. O valor da gasolina nos EUA aproxima-se da marca psicológica dos US$ 4 por galão (3,785 litros), nível que provavelmente enfraquecerá a confiança dos consumidores.
Para o economista James Hamilton, da Universidade da Califórnia, em San Diego, que estudou o impacto do preço do petróleo na atividade econômica, "todas as 11 recessões do pós-guerra [nos EUA], menos uma, estiveram associadas a aumentos no preço do petróleo, com a única exceção sendo a de 1960".
A Europa poderia sofrer impacto maior que os EUA. Apesar de todos os esforços das refinarias da região para assegurar fornecimentos alternativos, a alta desta semana afetará países como Grécia, Itália e Espanha, cujas economias já estão fragilizadas.
Didier Houssin, diretor de mercados de energia e de segurança energética da Agência Internacional de Energia (AIE), o órgão dos países ocidentais de supervisão do setor, disse em conferência nesta semana que os preços elevados do petróleo já agem como um freio ao crescimento econômico.
O "fardo do petróleo", que indica o custo do produto em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), está perto dos níveis de 2008, quando o petróleo chegou ao recorde, em dólares, de US$ 147.
O Deutsche Bank estima que, mesmo se os preços do petróleo continuarem no nível atual pelo resto do ano, esse indicador aumentará para 5,5%, acima dos 4,8% verificados em 2008 e o maior nível desde 1983.
A alta acentuada do petróleo decorre dos vários casos de interrupção no fornecimento, assim como dos temores quanto ao impacto que as sanções europeias e americanas terão nas exportações iranianas.
A forte demanda por petróleo na Ásia, particularmente no Japão, aumentou ainda mais a tensão no mercado.
Colin Fenton, chefe de análise de commodities no JPMorgan, em Nova York, diz que a onda de valorização é "guiada pela economia e tem raízes reais". A parcela no preço resultante dos temores com o Irã representa apenas "alguns dólares por barril", diz.
O Sudão do Sul parou de extrair cerca de 300 mil barris por dia de petróleo com baixo índice de enxofre, um dos mais cobiçados. Inquietações políticas e greves reduziram a produção em cerca de 250 mil barris diários no Iêmen. A Líbia está extraindo cerca de 1 milhão de barris por dia, o que ainda está bem abaixo do patamar pré-guerra civil, de 1,6 milhão de barris. Na Síria, a produção caiu cerca de 150 mil a 200 mil barris por dia, afetada pela agitação política no país.
Essas interrupções no fornecimento pressionaram o mercado físico - em que as entregas realmente ocorrem e não se negocia o petróleo apenas como investimento - a ponto de surpreender executivos de tradings de commodities na Suíça e muitos analistas experientes.
Paul Tossetti, da empresa de consultoria PFC Energy, em Washington, diz que o mercado físico está "apertado e parece que poderia ficar mais apertado".
O envelhecimento da infraestrutura e dos campos petrolíferos também influencia a alta. A produção de petróleo no Mar do Norte está em queda, e a da Venezuela também vem caindo de forma acentuada.
A demanda na Ásia cresceu, em grande parte porque as geradoras de energia no Japão recorreram ao petróleo como alternativa à energia atômica, depois do terremoto e do tsunami de 2011 e do desastre nuclear na usina de Fukushima.
O analista David Wech, da empresa de consultoria JBC Energy, afirma que o Japão consumiu um total de 635 mil barris diários de petróleo e derivados para gerar de energia em janeiro, mais que o dobro em comparação com um ano atrás.
A AIE, por sua vez, estima que o consumo mundial de petróleo aumentará 830 mil barris diários neste ano, acima da alta de 740 mil barris verificada em 2011.
"Permanece a perspectiva de duas velocidades", destacou a AIE em seu informe mensal mais recente, no qual antecipa "crescimento robusto na demanda por petróleo" nos países emergentes e continuidade do declínio do consumo na maioria dos países desenvolvidos.
Caso o petróleo encaminhe-se aos US$ 150 por barril, a elevação poderia ter vida curta, se houver repetição do verificado em 2008, quando a recessão levou de novo os preços para baixo. Isso, contudo, serviria de pouco consolo.
(Fonte: Valor Econômico/Por Javier Blas | Financial Times)
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