Comércio: Ministério disse que advertiu empresas, mas que interesse em missão comercial não diminuiu
O governo brasileiro está incentivando o aumento das relações comerciais com o Irã, mas também advertiu as empresas nacionais com filiais nos EUA que elas podem sofrer sanções por parte dos americanos. Mesmo assim, numa situação tão delicada, os empresários brasileiros não se mostram intimidados.
Uma missão comercial organizada pelo governo brasileiro chegou ontem ao Irã para uma visita de três dias que se estenderá depois ao Egito e ao Líbano. A primeira escala da viagem é a mais polêmica e ocorre num momento em que o Brasil tem sido pressionado a apoiar novas restrições ao Irã por conta de seu programa nuclear.
Para as empresas interessadas em fazer negócios com os iranianos, o momento também é delicado porque, segundo o próprio governo brasileiro, elas podem vir a ser alvo de retaliações dos EUA. Washington lidera a campanha por sanções mais duras no âmbito da ONU contra o Irã e mantém em vigor uma série de regras unilaterais que limitam o comércio com o país islâmico. Os EUA e outros países ocidentais acusam Teerã de desenvolver um programa nuclear para fins não pacíficos, o que o Irã nega.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que coordena a missão, diz que empresas brasileiras com presença nos EUA podem, por conta dessas restrições, sofrer sanções do governo americano se tiverem negócios com o Irã.
Em entrevista ao Valor na semana passada, o secretário de Comércio Exterior do ministério, Welber Barral, disse que essa informação foi levada às companhias e associações empresariais que participaram de uma reunião preparatória para a viagem. Segundo ele, isso não abalou o interesse dos brasileiros em tomar parte da comitiva.
Entre as empresas brasileiras que, segundo informa o site da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), acompanham o ministro Miguel Jorge nos três países estão Odebrecht, Andrade Gutierrez, Cemig, Queiroz Galvão, Brasil Foods, Cargill, Parmalat, Bombril e Usiminas. A missão comercial brasileira antecede em algumas semanas a visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará ao Irã, em maio.
O interesse das empresas não se dá sem motivo.
O Irã se transformou num mercado importante para alguns tradicionais exportadores brasileiros nos últimos anos. Quatro setores representam cerca de 75% da pauta de exportações: carne bovina, milho, derivados de soja e açúcar. Somadas, as vendas desses itens atingiram US$ 900,2 milhões entre janeiro e dezembro do ano passado. Os exportadores de carne são os mais beneficiados atualmente pela demanda do país persa.
"É impressionante o crescimento das vendas para o Irã. Eu nunca vi nenhum país aumentar tanto as importações de carne quanto eles e em tão pouco tempo", diz Otávio Cançado, presidente da Abiec. Em 2005, o Brasil exportou 7 mil toneladas de carne; no ano passado, o volume saltou para 61 mil e este ano a meta do Irã é comprar 140 mil toneladas, segundo Cançado. Só até março mais de 40 mil toneladas já foram vendidas para os iranianos. "Um representante do governo do Irã no Brasil nos disse que Teerã quer fazer do Brasil seu principal fornecedor de carne", diz Caçado. O Irã já é o segundo maior destino da carne bovina brasileira para exportação, encostando na Rússia. Há dois anos não figurava nem entre os dez mais importantes, segundo a Abiec.
Cançado interpreta esse súbito aumento como uma resposta do governo do presidente Mahmoud Ajmadinejad à postura que o governo brasileiro vem adotando na questão do programa nuclear iraniano aliado ao fato da qualidade e bons preços da carne brasileira.
O Irã é desde 2006 o principal destino do milho exportado pelo Brasil (em 2009 foram 1,7 milhão de toneladas).
Com 70 milhões de habitantes, o país é um dos mais importantes mercados da Ásia Central. Mas novas restrições poderiam dificultar investimentos estrangeiros e o comércio com o país. Hoje, a ONU já veta a venda ao Irã de material que possa ser empregado no programa nuclear e mantém três bancos iranianos numa lista negra para operações internacionais.
Os EUA impõem sua própria agenda de restrições unilaterais e de um modo geral barram pessoas físicas e jurídicas americanas de terem negócios com o Irã - estejam essas pessoas nos EUA ou em outros países.
"Os EUA têm uma lei bastante complexa para o comércio exterior e no caso do Irã há uma série de restrições. Empresas brasileiras, por exemplo, que têm filial nos EUA podem não obter permissão do governo americano para abrir mais filiais nos EUA se tiverem negócios com o Irã", disse Barral. Segundo ele, grandes empresas conhecem bem as particularidades e as possíveis implicações associadas ao mercado iraniano.
O risco de "sanções administrativas" unilaterais por parte de Washington - ou seja, que não são impostas pela ONU - vale, segundo Barral, para companhias que mantenham laços não só com o Irã, mas com outros dois países: Cuba e Coreia do Norte.
Um diplomata brasileiro confirmou ao Valor o risco potencial das empresas brasileiras. "Empresas que dependem de financiamento dos EUA ou que têm fortes parceiros comerciais nos EUA podem ter, potencialmente, algum problema. Cada empresa tem de avaliar se vale a pena para elas investir no mercado iraniano", disse. "O governo brasileiro não recomenda nem sugere nada sobre o que elas devem fazer. As empresas já sabem dessa situação."
O Brasil tem sido pressionado pelos EUA e outros países, principalmente europeus, a apoiar no Conselho de Segurança da ONU sanções mais duras contra o Irã. Brasília insiste em uma solução pela via diplomática.
Fonte: Valor Econômico/Marcos de Moura e Souza, de São Paulo
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