A Argentina tem colocado barreiras para emitir licenças de importação de produtos brasileiros. O assunto já é tratado por técnicos do governo Jair Bolsonaro como o maior foco de tensão na relação comercial com a administração do peronista Alberto Fernández.
Os argentinos têm retardado a emissão das chamadas licenças não automáticas de importação, quando a entrada do produto no país precisa de uma autorização mais burocrática para ser tramitada.
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As regras da OMC (Organização Mundial de Comércio) estabelecem um prazo máximo de 60 dias para que a autorização seja processada.
Porém, no fim de junho o Itamaraty já contabilizava 112 casos em que os argentinos superaram esse limite, de um total de 234 pedidos que aguardavam liberação.
Além do mais, interlocutores no governo disseram à Folha que em algumas ocasiões Buenos Aires demorou até 90 dias para dar uma resposta às solicitações de importadores.
"Há clara percepção, com base nas informações que recebemos do setor produtivo, de que os casos de atraso aumentaram desde o início deste ano", afirma o Itamaraty em nota.
"O Ministério das Relações Exteriores vê com crescente preocupação o aumento do número de atrasos na concessão de licenças não automáticas de importação pela Argentina. Casos pontuais, parecem ter-se convertido, nos últimos meses, em prática sistemática", diz a chancelaria brasileira.
O Brasil vê nos atrasos mais um sinal das credenciais protecionistas do governo Fernández e um obstáculo adicional na já conturbada relação com o principal parceiro do Mercosul.
O peronista já havia ampliado o número de produtos que precisam de uma licença não automática para entrar na Argentina.
De acordo com a CNI (Confederação Nacional da Indústria), na administração do ex-presidente Mauricio Macri esse tipo de licença alcançava 18% das exportações brasileiras, número que subiu para 52% com normativas do novo governo.
O tema também é seguido "com bastante preocupação" pelo Ministério da Economia, que disse à Folha ter recebido informações sobre mais de 750 licenças não automáticas pendentes de liberação até meados de agosto, "com prazos superiores aos usualmente observados e em montante equivalente a mais de US$ 139 milhões".
O descontentamento de auxiliares de Bolsonaro já extrapolou as conversas informais com os argentinos. Na última reunião técnica do Mercosul, no fim de junho, diplomatas brasileiros exigiram que as dificuldades constassem da ata da videoconferência.
"A delegação do Brasil se referiu às dificuldades que está enfrentando para a demora da obtenção de licenças não automáticas e solicitou à delegação da Argentina a agilização da aprovação das licenças e a melhora dos canais de comunicação com vistas a contribuir para a fluidez do comércio", diz o documento.
Ainda de acordo com a ata da última reunião do GMC (Grupo Mercado Comum), a delegação argentina "manifestou a importância da verificação de todos os requerimentos para o acesso desses produtos ao mercado argentino".
"Assim mesmo, indicou que arbitrará as medidas necessárias com os efeitos de agilizar a outorga das mencionadas licenças não automáticas."
A demora não é o único obstáculo que exportadores brasileiros têm enfrentado.
Empresários também apontam que os argentinos muitas vezes pedem informações adicionais para além das exigidas pelas regras do próprio país vizinho. Isso traz mais dificuldades e atrasa as operações.
As travas têm gerado maiores queixas entre exportadores em razão do forte impacto da pandemia no fluxo comercial entre os dois países.
Com um comércio bilateral calcado em produtos industrializados, o Brasil viu suas exportações para a Argentina despencaram 26,7% entre janeiro e julho deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado.
A explicação para o aumento das barreiras comerciais no país vizinho —disse um interlocutor que segue o assunto de perto— está na recente queda de reservas cambiais da Argentina, que, além de enfrentar a paralisação da economia ocasionada pela Covid-19, passa por um processo de renegociação de sua dívida com credores internacionais.
Com as reservas em baixa, a Argentina se sente vulnerável a choque externos e tem tentado ter maior controle sobre a entrada de produtos importados em seu território.
Questionado sobre o tema em entrevista realizada na quarta-feira (12), o novo embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, disse que seu governo está ciente da preocupação.
"Está tomada a decisão de destravar qualquer dificuldade que esteja no caminho. Mas as cifras [da relação comercial] são contundentes, 93% das licenças são aprovadas. Foi tomada a decisão de agilizar e facilitar isso", disse.
"Além do mais, na medida em que a Argentina normaliza o flanco externo, com a renegociação da sua dívida, passa a ter toda a disponibilidade de fortalecer o intercâmbio comercial. Estou aqui para agilizar isso e tenho certeza de que não haverá nenhum problema", afirmou Scioli.
Procurada, a CNI disse que os setores mais afetados pelo regime argentino de licenças não automáticas são os de automóveis, plásticos, máquinas elétricas e vestuário, entre outros.
"Essas licenças precisam ser reduzidas e precisa haver celeridade e segurança jurídica na liberação", afirmou em nota a entidade, que diz também compreender as circunstâncias macroeconômicas que a Argentina enfrenta.
O Ministério da Economia, por sua vez, afirmou que nas gestões juntos às autoridades argentinas o governo tem ressaltado que a solução para problemas econômicos e para o aprofundamento da integração regional passa pela expansão do comércio bilateral, "e não pela restrição de comércio por meio de controle e administração das operações de importação".
Fonte: Folha SP