As negociações entre a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e a Rússia sobre um possível corte de produção de petróleo por conta do coronavírus foram abandonadas sem acordo na sexta-feira (6), levando os preços do petróleo cru a uma queda de mais de 9%, para seu preço mais baixo em três anos.
A Rússia, que desde 2016 era aliada da Arábia Saudita e da Opep, a fim de ajudar a firmar o mercado de petróleo, rejeitou apelos por um corte de quase 4% na produção mundial de petróleo cru, o que exigiria novas reduções em sua produção, já que a queda acentuada na demanda por parte do setor de aviação e transportes resultou em baixa de mais de um terço nos preços do petróleo, de janeiro para cá, para perto de US$ 45 por barril.
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O fracasso quanto a atingir acordo traz a perspectiva de que alguns dos maiores produtores mundiais de petróleo abram as torneiras, em um momento no qual a demanda mundial por petróleo está caindo, o que prejudica companhias petroleiras como a BP e a ExxonMobil e causa apertos orçamentários em economias dependentes do petróleo, do Texas a Brunei.
A aliança entre a Arábia Saudita e a Rússia, que ajudou a estender a influência russa no Oriente Médio, também será solapada.
“A Opep e a Rússia estão contemplando o abismo”, disse Helima Croft, da RBC Capital Markets. “Pode ser o fim da aliança entre sauditas e russos, mas não está claro o que Moscou teria a ganhar se decidir atear fogo à casa”.
O alvo da Rússia e de outros países produtores pode ser o setor americano de petróleo de xisto betuminoso, que há uma década vem crescendo com rapidez suficiente para absorver a maior parte da expansão na demanda mundial, o que deixa a Opep e outros grandes produtores com uma proporção menor do mercado.
Alexander Novak, o ministro da Energia da Rússia, disse que não haveria restrições de produção sobre os membros do chamado grupo Opep+, quando o acordo vigente entre seus integrantes expirar, no final do mês.
Mas nem os membros da Opep e nem a Rússia estão imunes a quedas de preços, e a última tentativa de pressionar rivais por meio de uma alta da produção, em 2014, terminou em fracasso, dois anos mais tarde, porque o custo da medida se provou pesado demais.
O ministro do petróleo saudita, príncipe Abdulaziz bin Salman, meio-irmão de Mohammed bin Salman, o governante do reino para todos os fins práticos, disse depois da reunião que seu país forçaria o mercado a “adivinhar” se vai ou não elevar sua produção.
Alguns analistas duvidam que o reino deseje que os preços caiam muito mais.
“O mercado agora está diante do espectro de uma produção ilimitada”, disse Ann-Louise Hittle, do Wood Mackenzie. “No entanto, não acreditamos que a Arábia Saudita pressione muito por uma alta em sua produção”.
Os operadores disseram que continuarão a acompanhar as exportações e a produção saudita atentamente, nas próximas semanas. Um delegado da Opep disse que a colaboração entre a Opep e a Rússia deve continuar, o que incluiria monitoração do impacto da difusão do coronavírus.
Mas o colapso das negociações vai inquietar um setor petroleiro que se acostumou a ver Arábia Saudita e Rússia trabalhando juntas a fim de manter os preços relativamente estáveis, nos últimos anos. Os preços médios por barril têm ficado entre os US$ 65 e US$ 70, nos dois últimos anos, com os dois países cortando sua produção a fim de sustentar o mercado, diante da produção crescente dos Estados Unidos.
As ações das maiores empresas petroleiras e de gás natural europeias de capital aberto caíram acentuadamente, com a BP e a Royal Dutch Shell registrando mais de 5% de queda no dia. As duas perderam mais de um quinto de sua capitalização de mercado, de janeiro para cá.
A Arábia Saudita na prática ofereceu à Rússia um acordo inflexível, sob o qual desejava que o grupo Opep+ retirasse 1,5 milhão de barris ao dia adicionais do mercado, em resposta ao coronavírus, além da redução de produção já vigente de 2,1 milhões de barris ao dia.
A Rússia deixou claro que, embora pudesse apoiar a prorrogação do acordo vigente, não desejava cortes maiores. No final, a incapacidade de chegar a qualquer acordo indica que os 2,1 milhões de barris diários em cortes que o acordo vigente estipula serão eliminados no final do mês, quando ele expira.
O setor petroleiro está se preparando para uma potencial queda de demanda em 2020, pela primeira vez desde a crise financeira, e já viu os preços caírem em um terço, de janeiro para cá, para US$ 46 por barril.
A consultoria FGE Energy informou na sexta-feira que agora antecipa que a demanda por petróleo caia em 500 mil barris diários, este ano, ante projeções anteriores de alta de mais de um milhão de barris ao dia, por parte da maioria dos analistas.
Christyan Malek, do JPMorgan, disse que a Arábia Saudita havia deixado claro nos dias que antecederam a reunião que não estava preparada para realizar novos cortes sem a cooperação da Rússia, e que o país pode estar disposto a suportar um período de preços mais baixos.
“A Arábia Saudita está disposta a contemplar um cenário hipotético no qual, se a Rússia se recusar a seguir os cortes graduais, a consequência seria um momento ‘colha o que plantou’, para o mercado do petróleo”, disse Malek. “A produção de petróleo de xisto betuminoso [nos Estados Unidos] virtualmente pararia e os estoques cairiam”.
A Rússia também indicou que consegue viver com preços mais baixos para o petróleo, por algum tempo; os investidores nos Estados Unidos estão cada vez mais hesitantes em bancar a expansão dos produtores de petróleo de xisto betuminoso, que no geral não apresentam lucros e vêm dependendo de acesso a financiamentos que estão a ponto de secar.
Os analistas advertem que a manobra pode ser muito perigosa, dado o impacto do coronavírus sobre a economia mundial, agora que a doença ameaça se tornar uma pandemia global. A demanda da China, o segundo maior consumidor mundial de petróleo, abaixo dos Estados Unidos, caiu em até quatro milhões de barris diários, no pico das paralisações de empresas no país, e os operadores estão preocupados com a possibilidade de que paralisações de companhias nos Estados Unidos e Europa, mesmo que muito menores, resultem em corte profundo no consumo de petróleo.
Fonte: Folha SP