Dezoito meses depois que a pandemia do coronavírus interrompeu as cadeias de logística, os preços do transporte de contêineres estão batendo recordes e enchendo os cofres dos armadores. A maior procura por bens duráveis e imprevistos como o engarrafamento no Canal de Suez ajudaram a inflar os preços no setor.
— Estamos praticamente sem navios e contêineres vazios, já que quase todos estão no lugar errado, ou seja, fora da Ásia — explica Alan Murphy, chefe da consultoria Sea Intelligence.
PUBLICIDADE
O Freightos Baltic Index, a referência para as principais rotas marítimas, mais do que triplicou em um ano, chegando a quase US$ 7 mil para uma viagem da China à costa oeste dos Estados Unidos.
A viagem para a Europa ultrapassa US$ 10 mil, em comparação com apenas US$1.600 na mesma data do ano passado.
Murphy não se lembra de tal situação. Pelo contrário, ele garante que os últimos dez anos foram ruins para o transporte marítimo.
— As companhias de navegação literalmente perdiam dinheiro cada vez que moviam uma caixa — lembra ele.
Armadores nunca foram tão bons
O início da pandemia, que primeiro resultou na quase completa paralisia do transporte marítimo global, não era um bom presságio, com a perspectiva de declínio na demanda.
Mas não foi isso que aconteceu. O apetite de consumo de americanos e europeus fez com que transferissem para bens materiais, importados da Ásia em contêineres, o dinheiro que os confinamentos os impediam de gastar em restaurantes, no teatro ou nas férias.
— Imagine a quantidade de televisores que você pode comprar se não for esquiar por uma semana com quatro pessoas — diz Paul Tourret, diretor do Instituto Superior de Economia Marítima da França (Isemar).
Esta situação tem sido reforçada pela falta de mão de obra para as operações de carga e descarga, alguns estivadores estão doentes, medidas sanitárias obrigatórias e imprevistos como o engarrafamento no Canal de Suez em março.
O Ever Given, com 400 metros de comprimento, um dos maiores navios porta-contêineres do mundo, encalhou na parte sul do canal, bloqueando-o por seis dias e causando turbulência nos mercados de transporte marítimo.
O indicente chegou a causar um congestionamento de mais de 400 embarcações. A embarcação está ancorada em um lago entre dois trechos do canal desde que foi removida em 29 de março.
Neste domingo, foi anunciado um acordo entre as autoridades responsáveis pelo Canal e os proprietários do navio, que pode resultar, finalmente, na sua liberação, já na próxima semana.
A empresa CMA CGM de Marselha, na França, registrou um lucro líquido de mais de US$ 2 bilhões apenas no primeiro trimestre de 2021, quarenta vezes mais do que no ano anterior.
A concorrente dinamarquesa AP Møller Maersk relatou um lucro líquido ainda maior nos primeiros três meses do ano de US$ 2,7 bilhões, 13 vezes o do ano passado, apesar do fato de que o primeiro trimestre é geralmente o período mais baixo para o setor.
Preços
Como destaca Tourret, o aumento nos lucros também é um meio para que se renovem as fortas e se acelerem os programas de gás natural liquefeito (GNL), que emite menor quantidade de CO2.
A CMA CGM encomendou 22 navios porta-contêineres em abril, dos quais mais da metade eram movidos a GNL.
O transporte marítimo é "um dos principais emissores de dióxido de enxofre", lembra Tourret, e o setor libera uma quantidade de CO2 "comparável à da Alemanha".
O preço do frete em contêineres depende da importância da demanda, mas também da capacidade de resposta da oferta.
Tourret ressalta que o preço das tarifas vai depender do comportamento dos armadores, se eles vão decidir travar uma guerra comercial ou não.
— Nenhum deles tem interesse em baixar os preços. Sua disciplina coletiva hoje é não cortar nada — frisa.
O delegado geral da associação profissional Armadores da França, Jean Marc Lacave, acredita, como muitos especialistas, que a normalidade não voltará até o primeiro trimestre de 2022.
— Acho que chegamos a um pico (...). Se a demanda continuar crescendo, os preços podem subir um pouco mais, mas estamos no topo da montanha — estima.
Fonte: O Globo