A pandemia da covid-19 veio para contestar vários conceitos, inclusive o da produção globalizada e pode reforçar a justificativa da segurança nacional para fortalecer o protecionismo, diz estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet).
Segundo o documento, a pandemia do novo coronavírus expôs vulnerabilidades das cadeias globais de suprimentos. Por conta da doença, empresas e países descobriram quão dependentes são de poucos fornecedores. Uma primeira estratégia consiste na busca da autossuficiência na produção de produtos estratégicos.
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Apenas oito países são responsáveis por mais de 45% das exportações mundiais de diversos produtos. Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
Uma segunda consiste na diversificação de fornecedores, com oportunidades para novos destinos de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE). A estabilidade das regras comerciais nas últimas décadas levou produtores a estabelecer redes de produção globais. Com isso, diferentes estágios de processos de fabricação foram instalados em países distintos, por vezes distantes dos consumidores dos produtos finais. O objetivo estava na redução de custos.
"Para tanto, estoques elevados eram vistos como excesso de gastos a serem combatidos por meio da otimização e maior encadeamento de processos produtivos. A atual pandemia mudou essa realidade. Essa expôs vulnerabilidades das cadeias globais de suprimentos médico-hospitalares", destaca a Sobeet.
O surto do vírus, de acordo com o levantamento, causou interrupções na produção em muitos continentes. A pandemia expôs fraquezas inerentes a um sistema que exige que todas as suas peças funcionem como um relógio. Junte-se a isso os crescentes contenciosos comerciais entre os EUA e a China.
"Enfim, as recentes restrições à exportação de suprimentos criaram incertezas sobre o futuro do livre comércio. Com isso, não é mais inconcebível que a globalização seja revertida. Pelo contrário. Agora a segurança nacional já pode servir de justificativa para o protecionismo. Diferentemente do passado, as empresas não têm mais garantias de que acordos tarifários acordados na Organização Mundial do Comércio (OMC) constituirão impeditivos para ações protecionistas por parte de países no futuro".
Mais que isso, o mecanismo de solução de controvérsias da OMC na prática já tem sua operação comprometida. Do ponto de vista dos países consumidores, ficaram mais claros os riscos de dependência excessiva de um único país fornecedor. "Muitos países descobriram quão dependentes são de suprimentos provenientes de poucos países. Na verdade, esse risco já existia. Só não havia sido devidamente observado anteriormente. De fato, esse risco não é desprezível", diz o documento da Sobeet.
Apenas oito países são responsáveis por mais de 45% das exportações mundiais de diversos produtos de elevado valor agregado, destaca. Na maior parte desses setores, considerados sensíveis e estratégicos, essa concentração de exportações por origem é crescente nos últimos anos. Vale observar que não só a China concentra parte relevante dessas exportações. Há também participação relevante de exportadores europeus, norte-americanos e asiáticos.
"Ou seja, nestes casos não cabe o argumento de dependência ou mesmo ameaça apenas por parte das exportações chinesas. Qual deve ser a estratégia dos países consumidores diante desse risco de dependência crescente de poucos exportadores? Há quem defenda que a melhor estratégia seja a busca da autonomia nacional na produção de produtos considerados estratégicos", afirma o estudo.
Para tanto, avalia o estudo, seria necessário proteger o fornecimento local. Em outras palavras, cada país deveria desenvolver sua capacidade produtiva doméstica para atender seu respectivo mercado interno para a produção de produtos considerados estratégicos, sugere. Assim, a eventual falha no suprimento dos poucos países exportadores poderia ser contornada, conforme a Soobet.
Fonte: Estadão