É provável que a Vale já estivesse produzindo potássio em Sergipe, não fosse uma renhida disputa comercial, às vezes ideológica, com a Petrobras, particularmente nos últimos três, quatro anos. Para tocar o projeto, a Vale, uma ex-estatal, precisava que a Petrobras, dona da concessão da mina Taquari-Vassouras, prorrogasse por mais 30 anos o contrato de arrendamento da mina, o que enfim ocorreu ontem, após intervenção direta da presidente Dilma Rousseff. A crônica da exploração do potássio sergipano conta um pouco da história de duas gigantes brasileiras.
Nos idos dos 70 a Petrobras ainda cuidava de mineração, por meio da Petrobras Mineração (Petromisa), estatal criada no governo do presidente Ernesto Geisel e extinta no governo Fernando Collor, em março de 1990. A Petrobras ficou com a concessão da mina de potássio em Sergipe, que arrendou para a Vale num contrato válido até 2017. No início do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Vale procurou o governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), amigo, compadre e aliado político de Lula.
À época, o presidente da Vale era Roger Agnelli, executivo que projetou internacionalmente a empresa, mas também colecionou trombadas com o governo do PT e com a Petrobras. A Vale, privatizada havia dez anos (1996) no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, comunicou que desenvolvera e patenteara tecnologia específica para extrair o potássio da carnalita, a opção ao esgotamento das reservas de Sergipe, que estão próximas do esgotamento. Montara inclusive uma usina piloto para testara viabilidade econômica do projeto, num investimento de US$ 100 milhões,
Disputa entre Vale e Petrobras atrasou projeto sergipano
O Projeto Carnalita é um investimento estimado, na fase inicial, em US$ 2 bilhões, podendo chegar a US$ 4 bilhões, em até 30 anos. Deve começar a produção em 2014. Mas para tanto, a Vale precisava que a Petrobras renovasse o contrato de arrendamento. Do contrário, o investimento não faria sentido.
Dilma foi a Sergipe ontem para a assinatura desse contrato, que teve signatários diferentes daqueles que participaram das negociações inconclusivas: em vez de José Sérgio Gabrielli, pela presidência da Petrobras assinou Maria das Graças Foster. No lugar de Agnelli, a caneta do novo executivo da Vale, Murilo Ferreira.
"Negociei com dois presidentes da Vale, dois presidentes da Petrobras e dois presidentes do Brasil", gabava-se ontem Marcelo Déda, após a assinatura do novo contrato de arrendamento.
Quando soube do projeto da Vale, Déda tratou de mapear os problemas. "Não queria ser instrumento de uma ou de outra". Os técnicos do governo de Sergipe avaliaram que o projeto era estratégico para Sergipe, o menor Estado da federação, fornecedor de 90% do potássio consumido no país.
Déda teve dois aliados inesperados. A conjuntura internacional, na qual o Brasil despontava como grande produtor e exportador de alimentos, e Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura, indicado pelo PMDB, entre março de 2007 e março de 2010, quando deixou o governo para co correr às eleições. O ministro conseguira colocar na agenda econômica do então presidente Lula a redução da vulnerabilidade brasileira - um grande exportador de commodities - na área de fertilizantes (o país importa 70% do que consome). Com o Projeto Carnalita, a Vale prevê duplicar a quantidade de potássio produzida no país, passando a 1,2 milhões de toneladas ao ano. Em 30 anos, pode triplicar.
Quando o assunto entrou na agenda do governo federal, Déda bateu às portas de Lula. O presidente o autorizou a procurar a Petrobras para conversar. O governador procurou as duas empresas e fez um mapa do litígio. De início, a Petrobras suspeitou que a Vale tentava entrar na área petroquímica, por causa de uma empresa de fertilizantes que comprou no Sul do país. A Petrobras, então, ameaçou voltar à mineração (terreiro da Vale), que deixara em 1990.
O foco da discussão deveria ser a renovação do arrendamento, pois a Vale queria uma garantia jurídica para convencer seus acionistas a tocar um investimento de 30 anos. Nesse meio tempo, a Vale entrou num gigantesco projeto de US$ 4 bilhões para a exploração de potássio na província de Mendonza, na Argentina. Desta vez foi o governo que passou a desconfiar que a Vale queria "sentar em cima" do potássio de Sergipe - o único produtor nacional; há reservas identificadas na Amazônia, mas de difícil exploração.
A velha guarda da Petrobras, mais nacionalistas e mais estatizante voltou a defender a volta da Petrobras à mineração. Como pano de fundo, a ideologia: a Vale era agora uma empresa privada. A reação da velha guarda e uma entrevista de Agnelli criticando Lula e a Petrobras jogaram por terra a negociação, que voltou a estaca zero. Elas só foram retomadas no governo Dilma, que chamou os dois presidentes e deu um prazo para que eles resolvessem (Gabrielli ainda estava na Petrobras, mas Agnelli já fora substituído por Murilo Ferreira)
Além da prorrogação, a Vale precisava que a Petrobras lhe garantisse o fornecimento de 700 mil metros cúbicos de gás natural. Gabrielli e Graça Foster assinam, em Aracaju, um documento que assegura o fornecimento de matéria prima para g erar energia ao projeto, mas manteve na estaca zero a questão do arrendamento. Lula ainda formou uma comissão e estabeleceu prazos, mas as eleições consumiram o ano de 2010.
Dilma convocou as duas empresas e deu prazo a elas para resolver o assunto. Tudo corria bem quando chega-se a um impasse técnico: em um terço da área há ocorrência de petróleo e carnalita, de modo que a exploração de um pode prejudicar o outro inclusive com riscos para a segurança. Vale e Petrobras decidiram assinar um protocolo: vão estudar alternativas técnica de exploração conjunta ou um cronograma de exploração. De todos os envolvidos na disputa, ontem Dilma não citou apenas um nome. O de Agnelli.
Fonte: Valor Econômico/Raymundo Costa
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