A disparada do dólar no Brasil - que já supera os R$ 5,80- em um ritmo muito mais intenso que em outros mercados emergentes acende um sinal de alerta entre analistas de mercado sobre as repercussões desse movimento na economia. Mesmo que, no momento, o repasse cambial não seja significativo para a inflação, um grupo de economistas avalia que a volatilidade do mercado local, que tem sido exacerbada pela política monetária e por riscos fiscais e políticos, pode amplificar as incertezas em um contexto difícil para o país.
“Não há um nível mágico para a taxa de câmbio que nos leve a ter ou não preocupação com repasse [para inflação], mas a intensidade da depreciação é preocupante. Mais que o nível, é a velocidade da mudança que preocupa, ainda mais num ambiente de altas incertezas externas e domésticas”, alerta o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski. Para ele, a volatilidade da moeda “dificulta o planejamento dos agentes econômicos e possíveis decisões de investimento que poderiam ajudar a estabilizar o quadro econômico pós-pandemia”.
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Ontem, o dólar fechou em alta de 1,33%, aos R$ 5,8192. Com isso, o real acumula desvalorização de 31% em 2020, no que configura a perda mais acentuada entre as divisas com maior negociação no mundo. Para efeito de comparação, o rand sul-africano e o peso mexicano - que compõem o ranking dos piores desempenhos no ano - registram queda menos intensa, de 24% e 21%, respectivamente.
Analistas atribuem parte da depreciação do câmbio à forte queda de juros no Brasil. Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central surpreendeu os analistas com um corte mais agressivo que o esperado da Selic. A taxa foi reduzida de 3,75% para 3%, em uma decisão que contou ainda com indicações de mais um movimento de afrouxamento monetário em junho.
“Ainda que o cenário econômico atual justifique uma postura mais ‘dovish’ da autoridade monetária, estamos ficando inquietos com seu impacto na dinâmica do real”, afirmam os estrategistas Gabriel Gersztein e Samuel Castro, do BNP Paribas, em relatório enviado a clientes. Eles explicam que a estabilidade da moeda é um fator crucial para as condições financeiras e dizem que “um dólar anormalmente forte anda de mãos dadas com contrações de empréstimos bancários transfronteiriços [em dólares americanos] e investimentos de capital”.
Além disso, como os financiamentos em dólares são sensíveis à taxa de câmbio, flutuações no mercado podem afetar os segmentos na economia que são muito dependentes de crédito, prejudicando a confiança dos negócios e do consumidor. “Ter uma moeda tão fraca em uma economia fechada, impulsionada principalmente pelo consumo, pode não necessariamente ser um bom presságio no futuro”, dizem os profissionais do BNP.
Secemski, do Barclays, cita comentários feitos neste ano pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que uma economia emergente, como a brasileira, “não pode prescindir do importante fluxo de capitais estrangeiros, dada sua baixa taxa de poupança doméstica comparada com outros países”.
Esse ponto é visto com atenção pelo estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli, que diz acreditar que o dólar pode chegar a R$ 6,50 e, depois, voltar para R$ 5,50, “à medida que a perspectiva global melhore e o ruído político for parcialmente resolvido”. Para ele, o real tem mostrado ser “a principal vítima da política monetária ultra-acomodatícia” implementada pela autoridade monetária.
Por outro lado, o professor da FGV Marcelo Kfoury avalia que o dólar alto é muito mais uma manifestação do problema do que uma causa em si. Ele afirma que uma série de fatores explicam o salto da divisa americana, desde queda do diferencial de juros até a baixa do preço de commodities. No entanto, a maior fonte de risco é a situação fiscal.
“A redução de juros é benéfica se vier acompanhada de responsabilidade na parte fiscal. O risco não está no Banco Central, o risco está nos entornos do Ministério da Economia”, explica o ex-chefe do departamento de pesquisa econômica do BC. Ele afirma que o juro baixo ajuda na renegociação de dívidas por empresas e consumidores. Mas, se a situação fiscal sair do controle, o ambiente de juro baixo terá de ser revertido. E colocaria em risco uma fuga de capitais do país.
Na mesma linha, o economista-chefe da Garde, Daniel Weeks, diz que o câmbio não é um grande problema para a política monetária neste momento. Para incomodar o cenário de inflação, por exemplo, o dólar teria de ganhar ainda mais força e superar a marca de R$ 6,50, o que, para ele, só aconteceria em um cenário de desastre na política fiscal. Ele refuta a ideia de que juros baixos no país podem resultar em fuga de capitais e defende que a depreciação do câmbio deve conduzir a um novo equilíbrio nas contas externas. “Juro baixo leva a uma realocação dos portfólios das famílias. Isso já vem ocorrendo. Mas fuga de capitais diz respeito a esse movimento levado ao extremo. Acho que pode ocorrer, não pelo juro baixo, mas pela situação fiscal.”
Para o economista, a depreciação da taxa de câmbio para R$ 6 já gera equilíbrio no balanço de pagamentos. “Vamos praticamente zerar a conta corrente”, diz. Além disso, avalia que o pré-pagamento de dívida das empresas no exterior, que somou cerca de US$ 30 bilhões ano passado, acabou por ora. Weeks reconhece que investimentos diretos podem cair na margem e que, de fato, houve grande saída de recursos de portfólio, mas “parece que o grosso já passou e agora a saída” se estabilizou. “Parece que estamos muito mais perto do nosso câmbio de equilíbrio, dado que ele, junto com a forte recessão, vai mostrar uma enorme correção no balanço de pagamentos”, diz.
Fonte: Valor