O embate comercial entre uma empresa produtora de soja do Brasil e uma indústria processadora da Rússia poderá criar um "desconforto" diplomático entre os dois países. O caso envolve a Primavera Alimentos, sediada em Palmas, capital de Tocantins, e a Primorskaya Soya, de Vladivostok, que reclama o atraso da entrega de uma carga de 25 mil toneladas da oleaginosa por parte da companhia brasileira.
Em 2013, Yuri Popov, diretor-geral da Primorskaya Soya, esteve no Brasil em visita a áreas de produção da Primavera. Participou, inclusive, de reuniões com representantes do governo de Tocantins, que teriam assegurado a solidez da empresa, conforme relato de Eduardo Benetti, sócio-fundador da BGR Advogados, que representa a empresa da Rússia no país. "E, para um russo, o endosso de uma autoridade tem um peso gigantesco, é cultural".
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Assim, em outubro daquele ano, Popov firmou com a Primavera um contrato no valor de US$ 12,75 milhões para a aquisição de 25 mil toneladas de soja não transgênica - já com a expectativa de que esse volume chegasse a 150 mil toneladas por ano. Para acelerar o processo, afirma Benetti, o russo abriu mão do uso de carta de crédito e pagou parceladamente US$ 7,65 milhões do total até abril de 2014, quando a carga seria embarcada e o valor restante teria de ser pago. Mas o embarque não aconteceu. "Houve algumas renegociações, que por enquanto não resultaram em nada", diz o advogado.
Mas, para Moacir Vieira de Almeida, um dos sócios da Primavera, não houve atraso, mas uma "divergência comercial". Segundo ele, a Primorskaya não cumpriu o acertado na negociação. "Houve mudanças no contrato por parte dos russos. Era para eles emitirem uma carta de crédito, mas não o fizeram. Também deveriam pagar o valor todo da carga antes da entrega, e pagaram apenas uma parte", afirma.
A Primorskaya Soya é uma empresa tradicional do extremo leste da Rússia, com capacidade de processamento da ordem de 140 mil toneladas anuais de soja convencional (o grão transgênico não é permitido na Rússia). A companhia tem entre seus acionistas a Rusagro, uma das maiores empresas de commodities agrícolas daquele país, com capital aberto na bolsa de Londres.
Os recursos necessários ao negócio com a Primavera Alimentos foram tomados junto a um banco russo pela Rusagro, que até então detinha uma participação minoritária na Primorskaya. A esmagadora de Vladivostok deu sua unidade industrial em garantia, e, como o negócio não se efetivou, a Rusagro acabou tomando o controle da empresa, com 75% das ações hoje em seu poder.
Segundo Almeida, à época da entrega do contrato, a Primavera já estava com boa parte da soja que seria enviada aos russos em um armazém portuário, mas acabou reencaminhando o produto a outros clientes. "Pagamos US$ 600 mil pelo navio [que levaria a soja]. Temos que sentar e ver esse prejuízo que tivemos também. Queremos uma negociação amigável, mas não achamos o procedimento deles correto", diz ele.
A página da Primavera na internet detalha que a família de Almeida produzia soja desde o fim da década de 1960 em Goiás, e no início dos anos 2000 decidiu rumar para Tocantins, que dava os primeiros passos para se fortalecer como nova fronteira agrícola.
A página informa, ainda, que a empresa tem sob seu controle uma extensão de terras bastante expressiva, de cerca de 350 mil hectares. Entretanto, conforme Almeida, essa área inclui terras "não abertas" - ou seja, ainda sem preparo para o plantio.
Segundo o produtor, a Primavera semeou 48 mil hectares na última safra (2014/15), distribuídos pelos Estados de Tocantins, Maranhão, Bahia e Mato Grosso - todos os terrenos em nome dele próprio. A produção totalizou 112 mil toneladas de soja (das quais 38 mil não transgênicas), o que sugere uma produtividade de cerca de 2,3 mil quilos (39 sacas) por hectare, aquém da média de 3 mil quilos (50 sacas) do país.
O plantio em áreas recém-abertas explica esse nível de produtividade mais baixo, diz Almeida. "Nas áreas de grande produção, nossa média é de 3 mil a 3,2 mil quilos por hectare".
Entretanto, o advogado da Primorskaya contesta Almeida. Benetti diz ter localizado apenas uma propriedade de 1,28 mil hectares em nome do produtor, em Tocantins, e que a Primavera e seus sócios estão envolvidos em dezenas de processos cíveis. Ainda segundo ele, dois acordos prévios negociados com a empresa não foram cumpridos. "Soubemos que há clientes chineses em situação parecida. Eles não tiveram prejuízos financeiros, mas não receberam a soja contratada", afirma.
Tamanho imbróglio culminou em um processo arbitral proposto em abril de 2015, que corre na corte de Londres. Com a força da Rusagro, a Primorskaya também trabalha junto a parlamentares russos para o envio de uma carta ao Ministério da Agricultura brasileiro cobrando providências. A ministra Kátia Abreu, coincidentemente, é de Tocantins.
No ano passado, o Brasil exportou 547,1 mil toneladas de soja para a Rússia, pouco mais de 1% do total de 45,69 milhões de toneladas da oleaginosa enviada ao exterior, indicam dados da Secex/Mdic. Apesar do volume modesto, a Rússia é um importante parceiro comercial do país em outros segmentos, como no de carnes - é o maior comprador de carne suína e um dos principais em carne bovina -, o que sugere não ser bem-vindo qualquer "soluço" nas relações bilaterais.
Ainda de acordo com Benetti, o caso já causa um certo desgaste à imagem do Brasil como fornecedor de soja para a Rússia. "A demora em uma solução chama a atenção de potenciais compradores. As informações que temos é que algumas empresas russas que queriam vir ao Brasil fazer negócios estão reavaliando essa estratégia", diz o advogado.
Fonte: Valor Econômico/Por Mariana Caetano | De São Paulo