Durante décadas, ativistas ambientais fizeram piquetes nos prédios das empresas de petróleo e gás, bloqueios nas refinarias e se empenharam em interromper suas operações. Agora, o setor se depara com um novo tipo de ativismo: o dos próprios acionistas.
Nos últimos 12 meses, investidores ativistas direcionaram suas miras às superpetrolíferas ExxonMobil e Royal Dutch Shell, à gigante das commodities Glencore e ao grupo de energia escocês SSE. Outros investidores institucionais e de varejo também têm pressionado por mudanças, votando em números maiores do que nunca a favor de propostas ligadas ao clima nas assembleias de acionistas.
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O perfil e os objetivos dos investidores variam, mas todos justificam suas campanhas dizendo que consideram deficiente o planejamento feito pelas equipes executivas para a transição energética.
Em outubro, o fundo de hedge americano Third Point, que defende o desmembramento da Shell, criticou a petrolífera anglo-holandesa por ter “demasiadas partes envolvidas concorrendo [entre si]”, o que resultava em “um conjunto incoerente e conflitante de estratégias que tentavam agradar múltiplos interesses, mas não satisfaziam nenhum”.
A Elliott Management tem como alvo a SSE e sustenta que a empresa tem os ativos para lucrar com um futuro de baixas emissões de carbono, mas “continua a decepcionar”.
A chegada de investidores ativistas no setor de energia neste momento de turbulência mundial “não é surpresa”, de acordo com Nick Stansbury, chefe de soluções climáticas da Legal and General Investment Management, a maior gestora de ativos do Reino Unido.
“Os ativistas normalmente aparecem após longos períodos de fraco desempenho, quando detectam que ventos contrários estão se tornando favoráveis e onde veem uma porta aberta para entrar com outros investidores”, disse. “Esta é uma indústria que alocou mal o capital e gerou baixos retornos para os acionistas por um longo período de tempo.”
A campanha ativista mais bem-sucedida do ano foi travada pelo diminuto fundo de hedge americano Engine No. 1 contra a gigante ExxonMobil.
Em dezembro de 2020, quando enviou sua carta ao conselho de administração da ExxonMobil, a Engine No. 1 detinha apenas 0,02% da empresa. Passados seis meses, havia assegurado três assentos no conselho, incumbidos da missão de preparar a ExxonMobil para um futuro livre de combustíveis fósseis.
“Não nos vemos como ativistas realmente, mas como proprietários de ativos”, disse o fundador do fundo de hedge, Christopher James, ao “Financial Times”. “Um ativista normalmente quer fazer mudanças para gerar retornos de curto prazo. Um proprietário ativo está interessado no que os proprietários desejam.”
Embora a linguagem possa ser mais conciliatória que a dos típicos ativistas de Wall Street, que costumam chegar de assalto nas firmas, James tem altas críticas aos planos da maioria das grandes empresas de petróleo e gás.
“Essas empresas têm ciência da transição energética, estão falando a respeito [e] têm um plano, mas ele não se trata realmente de uma estratégia para criar valor”, disse.
A indústria de petróleo e gás contesta as críticas. As grandes petrolíferas europeias, por exemplo, anunciaram estratégias de transição energética neste ano, incluindo enormes investimentos em fontes de energia renováveis, e sustentam que isso lhes permitirá continuar como grandes fornecedores de fontes de energia por muitas décadas.
investidores se mantêm céticos e os valores relativos das empresas de petróleo e gás nos mercados acionários continuam defasados em relação aos de outros setores.
“Será cada vez mais crucial que essas empresas sejam muito empreendedoras e rápidas em reagir às mudanças políticas e regulatórias, e não tenho visto grandes conglomerados fazerem isso de forma eficaz”, disse um investidor ativista que acompanha o setor.
A
s gigantes que planejam investir alto em turbinas eólicas, energia solar e carregamento de veículos elétricos enquanto continuam a operar ativos de petróleo e gás precisarão ser ágeis o suficiente para concorrer contra empresas que atuam “puramente” em cada uma dessas áreas, segundo o investidor. “Isso é muito difícil.”
Além do desafio existencial que é a transição energética, as grandes empresas do setor também se deparam com uma comunidade de investidores que deixou de morrer de amores pelo modelo do conglomerado.
Em novembro, a General Electric anunciou que, enfim, se dividirá em três empresas, um dia depois de o conglomerado industrial mais conhecido do Japão, a Toshiba, sob pressão de investidores ativistas, ter comunicado que também estuda um desmembramento.
“São companhias de 100 anos, decidindo que administrar esses negócios com equipes executivas exclusivas, livres e sem obstáculos para rumar na direção estratégica correta, está no melhor interesse dos acionistas”, disse Oswald Clint, analista do Bernstein.
Ao contrário da Third Point, Clint defende a posição da Shell, de que é capaz de ter um melhor desempenho na transição energética como uma empresa integrada. Diz, contudo, que a equipe executiva ainda não fez o suficiente para explicar os benefícios da integração aos investidores.
“Os investidores acham difícil analisar [a empresa integrada] em modelos [matemáticos] e passam para algo mais simples”, disse.
O grupo de acionistas ambientais Follow This também se opõe à proposta da Third Point de dividir a Shell em duas empresas, uma com as operações antigas e tradicionais de petróleo e outra nova, dona dos ativos de gás e de baixas emissões, algo que o fundador Mark van Baal rotula de “ativismo de curto prazo”, que não ajuda na luta contra as mudanças climáticas.
Criada na Holanda em 2015, como uma plataforma para ajudar os investidores de varejo a pressionar as empresas de petróleo e gás a abandonar os combustíveis fósseis, a Follow This tem uma abordagem diferente em relação aos investidores ativistas multibilionários em Londres e Nova York.
Em 2020, encaminhou propostas formais de acionistas à Shell, BP, Equinor, Chevron e Phillips 66 para forçar cada uma delas a definir metas de redução de emissões em conformidade com o Acordo de Paris sobre o clima, de 2015. Uma das propostas mais bem recebidas, na Shell, recebeu apoio dos acionistas donos de 30% das ações em maio. Este ano, a Follow This estendeu a campanha a mais quatro empresas, incluindo a ExxonMobil e a ConocoPhilips.
“O engajamento não funciona, os votos funcionam”, disse Van Baal, criticando os investidores que, segundo ele, votaram ao lado da equipe executiva na esperança de alcançar mudanças por meio do diálogo.
A tática não está limitada à Follow This. Em 2021, foram apresentadas 16 propostas formais de acionistas relacionadas ao clima em empresas integrantes do índice referencial acionário FTSE 350, de acordo com uma pesquisa recente da “Thomson Reuters”. Em 2020, haviam sido apenas cinco.
Ainda não se sabe se o crescente ativismo dos investidores será benéfico para os acionistas. As campanhas na Shell, SSE e Glencore (na qual os sócios da Bluebell Capital, de Londres, pressionam a firma a desmembrar-se de seus negócios de carvão térmico) ainda estão apenas engatinhando. Na ExxonMobil, os diretores indicados pela Engine No. 1 já estão posicionados, mas só o tempo dirá se eles podem transformar a maior empresa de petróleo dos Estados Unidos a partir de dentro.
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Do ponto de vista do proprietário ativo de longo prazo, os ativistas podem ou não ser uma boa notícia”, disse Natasha Landell-Mills, chefe de gerenciamento da Sarasin & Partners, uma administradora de ativos do Reino Unido. “É tudo uma questão de motivação”.
Stansbury, da Legal and General Investment Management, também pediu cautela, embora reconheça que os melhores ativistas sabem identificar o que é “simples” de se fazer para melhorar o desempenho.
“Enquanto investidor de longo prazo, quando um ativista aparece, você precisa ter certeza de que ele está pedindo coisas que vão gerar valor a longo prazo e fazer o impacto ESG [questões ambientais, sociais e de governança] da empresa melhorar como um todo”, disse.
Enquanto o valor relativo das ações das grandes empresas de petróleo e gás continuar baixo em relação ao de outros setores, os ativistas não irão embora.
“Não são estratégias que vão cair no esquecimento”, disse Clint, acrescentando que a BP, rival da Shell, é outra “grande ação” que tem apresentado fraco desempenho. “A BP poderia estar suscetível a uma estratégia muito similar, sem dúvida.”
Fonte: Valor