A Caterpillar valeu-se de subsidiárias na Suíça e nas Bermudas para driblar o pagamento de cerca de US$ 2 bilhões em impostos dos EUA de 2000 a 2009, engordando seus lucros mediante "fraude em suas declarações fiscal e financeira", segundo ação judicial de um executivo da Caterpillar.
A empresa, maior fabricante mundial de equipamentos de construção, vendeu e mandou peças para todo o mundo de um depósito em Illinois, mas atribuiu indevidamente pelo menos US$ 5,6 bilhões de lucros dessas vendas a uma unidade em Genebra, segundo processo aberto por Daniel J. Schlicksup. Ele foi gerente de estratégia tributária mundial da Caterpillar entre 2005 e 2008.
Schlicksup, 49 anos, iniciou seu processou no Tribunal Distrital dos EUA em Peoria, Illinois, em 2009, alegando ter sido transferido para um cargo que limita suas oportunidades de carreira, porque queixou-se a superiores de que a "Estrutura Suíça" estava em conflito com as regras tributárias americanas. Ele pede uma ordem judicial que lhe restitua seu antigo emprego e previna qualquer retaliação. Ele também reivindica opções de compra de ações que, alega ele, foram erroneamente retidas, bem como honorários advocatícios e indenizações punitivas.
Seu processo, que qualifica a estrutura de "evasão tributária", foi iniciado após um pedido de manutenção de seu emprego que registrou junto ao Departamento do Trabalho dos EUA nos termos das disposições da Lei Sarbanes-Oxley, segundo revelam os documentos encaminhados ao tribunal. A lei proíbe retaliações contra delatores em empresas. Schlicksup recusou os pedidos de entrevista.
Jim Dugan, um porta-voz da Caterpillar, disse que a empresa não praticou nenhuma irregularidade, e em documento ao tribunal seus advogados disseram que a transferência de Schlicksup não foi um rebaixamento de função. Dugan não quis comentar as alegações específicas do processo, dizendo que a Caterpillar "cumpre a legislação e regulamentação tributárias".
Empresa diz que não praticou nenhuma irregularidade e que cumpre a legislação e regulamentação tributárias
Poderá ser difícil provar que a empresa recolheu impostos a menos nos EUA, disse Reuven Avi-Yonah, diretor do programa internacional de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, em Ann Arbor. "Em acordos judiciais anteriores, funcionários da Receita Federal americana tiveram sucesso apenas parcial na recuperação de valores devidos, e US$ 2 bilhões seria um montante extraordinariamente elevado", disse Edward Kleinbard, professor de Direito da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, e ex-advogado tributarista empresarial na Cleary Gottlieb Steen & Hamilton.
A Caterpillar, de Peoria, que registrou um crescimento de lucros superior a 250% em cada um dos dois últimos trimestres, é uma entre várias multinacionais americanas que estão pedindo ao Congresso o fim do imposto de renda empresarial sobre lucros auferidos no exterior. A empresa registrou lucro antes dos impostos de US$ 3,7 bilhões no ano passado sobre uma receita de US$ 42,6 bilhões, 68% dos quais vieram do exterior.
O lucro da Caterpillar na Suíça está sujeito a uma tributação de 10%, segundo um documento legal encaminhado no caso e fornecido à Bloomberg por O'Day, o advogado de Schlicksup.
A tributação combinada federal, estadual e local em Genebra é de cerca de 24%, mas empresas frequentemente recebem isenções, segundo o Escritório de Desenvolvimento Econômico de Genebra.
A companhia disse no documento que um dos propósitos da estrutura suíça é reduzir os impostos. Ela também concorda que "a Caterpillar paga mais impostos à Suíça e menos aos Estados Unidos do que pagaria sem a estratégia", afirma o documento.
Por volta de 1999, a controladora nos EUA transferiu a função de "comprador global" de peças sobressalentes de fabricantes terceirizados, de si mesma para a unidade suíça, segundo um memorando preparado em 2006 pela PricewaterhouseCoopers , a firma de contabilidade de Nova York que elaborou a estratégia.
A subsidiária de Genebra, a Caterpillar SARL, ou CSARL, não tinha funcionários na área de peças sobressalentes e não trabalhava com a venda ou embarque de peças, alega Schlicksup no processo. As peças são encaminhadas para revendedores de todo o mundo, a partir de um depósito em Morton, Illinois, a cerca de 16 quilômetros a sudeste da sede da Caterpillar em Peoria, segundo o processo, que também descreve o negócio de peças sobressalentes como a linha mais lucrativa da companhia.
"Para transferir o lucro para a Suíça, a Caterpillar fingiu transferir a administração e o controle de uma grande parte de seu segmento de negócios mais lucrativo para a Suíça, mas na verdade a administração e o controle desses negócios continuam nos Estados Unidos", disse Schlicksup em uma declaração de 88 páginas que entrou como parte do processo.
"Tudo é feito da mesma maneira que antes, exceto que, no papel, agora é a CSARL que está fazendo isso, e não a Caterpillar. Mas na prática a Caterpillar está fazendo tudo", disse O'Day numa entrevista. A unidade suíça nominalmente compra as peças dos fornecedores, mas ela mantém seu estoque no depósito de Morton, nos EUA, de onde os funcionários da Caterpillar as despacham e enviam faturas.
O processo de Schlicksup, que está na fase de recolhimento de provas, alega que a estrutura suíça é imprópria porque não tem um propósito de negócio legítimo além de reduzir a conta tributária da Caterpillar. "Eles não montaram a estrutura física mínima para dar a ele uma substância econômica", disse O'Day.
No geral, os tribunais vêm tomando partido de contribuintes que usam subsidiárias estrangeiras, segundo Stephen Shay, professor da Harvard Law School em Cambridge, Massachusetts, e ex-secretário assistente do Tesouro americano para assuntos tributários internacionais. "Você não precisa de muita substância na unidade estrangeira para que ela seja aceita sob as regras atuais e, francamente, isso é um problema."
Para sobreviver a uma contestação, um contribuinte precisa mostrar que as transações entre a subsidiária e sua controladora foram feitas com o intuito de realizar lucro, sejam quais forem as consequências fiscais, e tiveram o potencial realista de criar lucro", disse Avi-Yonah, da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan.
"As vendas de peças foram claramente lucrativas, de modo que a questão é se um tribunal ficará satisfeito com isso, ou vai perguntar se o direcionamento das vendas via Suíça precisou ter sua própria substância econômica separada", acrescentou Avi-Yonah. "Suspeito que a resposta provável é que a transação satisfaz a substância econômica como um todo, mas é difícil dizer isso sem o conhecimento de mais fatos."
Ainda assim, se o estoque é mantido nos EUA, isso levantaria dúvidas se a Caterpillar está obtendo receita tributável a partir disso, segundo Avi-Yonah.
O'Day disse que o Serviço de Receitas Internas (IRS, a Receita Federal dos EUA) e os tribunais de impostos descobrirão que a subsidiária suíça não lida com as próprias transações de peças sobressalentes e, portanto, não cumpre o padrão.
Embora a estrutura suíça tenha deslocado receita para Genebra, a Caterpillar fez a firma de contabilidade Ernst & Young elaborar uma "estratégia Bermuda" complementar voltada a retornar algum dinheiro aos EUA sem pagar impostos sobre isso, segundo um memorando da PricewaterhouseCoopers de 13 de novembro de 2006 e sumários internos de impostos da empresa de 2006 e 2007 preparados pelo então chefe de Schlicksup, Robin Beran, chefe de tributação mundial da Caterpillar. Os documentos constam como provas do processo.
Pela lei atual, as empresas americanas podem adiar impostos federais sobre a renda na maior parte dos lucros no exterior desde que o dinheiro continue no exterior. A receita externa trazida aos EUA está sujeita a tributação de 35% - com créditos pelos impostos internacionais pagos. O Congresso estuda uma redução temporária de impostos que diminuiria o imposto para 5,25%.
Porta-vozes da PricewaterhouseCoopers e Ernst & Young disseram que suas firmas não comentam questões de seus clientes.
Schlicksup, advogado e contador com mestrado em lei tributária, tentou por dois anos, a partir de 2007, persuadir altos executivos da Caterpillar de que o plano suíço poderia estar infringindo a lei dos EUA, segundo e-mails colocados como provas em seu processo. Funcionário da Caterpillar desde 1992, ele ficou preocupado após pesquisar a questão da "substância econômica" no fim de 2006, segundo afirmou em declaração encaminhada em seu processo.
Seus chefes, o assessor jurídico da Caterpillar e diretores de conformidade e ética, consideraram suas preocupações infundadas, segundo mostram os e-mails. "Dan, acho que isso realmente não é um problema", escreveu Beran, em 19 de janeiro de 2007, segundo e-mail que consta do processo.
Em e-mails subsequentes a vários executivos, Schlicksup escreveu que a Caterpillar não tinha reservado dinheiro suficiente para o caso de a Receita Federal dos EUA rejeitar a estratégia suíça. Em resposta, Debra Kuper, chefe do departamento jurídico, lhe disse que os executivos tinham analisado suas preocupações. Eles estariam "satisfeitos de que o problema foi enfrentado adequadamente e administrado de forma apropriada", escreveu ela. "Essa questão, portanto, está encerrada."
Debra, atualmente vice-presidente e assessor jurídico da AGCO, de Duluth, Geórgia, preferiu não comentar.
Finalmente Schlicksup resumiu suas preocupações num memorando de 15 páginas enviado em maio de 2008 a Rapp e Douglas R. Oberhelman, atual executivo-chefe da Caterpillar. Ele advertiu para o que ele qualificou de "grave fraude contra os acionistas" envolvendo receita superestimada, segundo a declaração que protocolou na Justiça em dezembro de 2009.
Os executivos não responderam, de acordo com o processo.
Depois disso, em agosto de 2008, um executivo de recursos humanos disse a Schlicksup que ele poderia se transferir para a divisão de TI da Caterpillar ou deixar a empresa.
O novo cargo envolvia monitorar a implementação de um sistema de computação que ele desconhecia totalmente, diz seu processo, por um salário inferior e um bônus menor. Schlicksup qualificou-o de rebaixamento.
Depois de uma reunião com o departamento de recursos humanos da Caterpillar, seu salário foi restabelecido, segundo o processo, embora ele diga que uma transferência para uma área alheia à de sua especialidade o torna pouco passível de promoção.
Em setembro de 2008, o novo chefe de Schlicksup, o diretor de informática John Heller, lhe deu a versão preliminar de um acordo de recuperação de seu salário. O documento exigia que Schlicksup deixasse de acusar a Caterpillar de qualquer "conduta ilícita, antiética ou imprópria".
Schlicksup exigiu mudanças, como um pagamento que o indenizasse por promoções perdidas. Heller respondeu num e-mail que a empresa não estava mais interessada num acordo. Schlicksup continua empregado na divisão de serviços de informática da Caterpillar, disse O'Day.
(Fonte: valor Econômico/Colaborou Jesse Drucker/Peter S. Green, Bloomberg | De Nova York)
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