Se conseguir chegar à direção-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), o brasileiro José Graziano da Silva vai trabalhar para ajudar as autoridades internacionais a estabelecer uma regulação no mercado global de commodities, profundamente afetado pela inflação nos últimos meses com a disparada dos preços dos alimentos. Em entrevista ao Valor, o ex-ministro extraordinário de Combate à Fome do governo Lula, candidato do Brasil no processo sucessório da FAO em junho deste ano, afirma que a "financeirização" dessa atividade precisa ser disciplinada.
Para Graziano, o encarecimento dos alimentos é hoje um problema estrutural que não se resolve no curto prazo. Segundo ele, a FAO vinha chamando a atenção para a questão e cobrando o aperto das regras desde o estouro da bolha de preços em 2007. Especulação, redução dos estoques mundiais e questões climáticas são os vilões, diz. "Em mercados desregulados, isso faz aumentar a volatilidade: quando o preço está subindo a financeirização empurra mais para cima e quando está descendo, empurra mais para baixo. Em 2007, a FAO falou que [a crise dos alimentos] ocorreria de novo se nada fosse feito, e praticamente nada foi feito em termos de novas regulações desses mercados."
Nas semanas que antecederam a reunião de ministros de Finanças do G-20, que começa hoje em Paris, o tema rendeu discussões acaloradas entre Brasil e França. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, chegou a cogitar a criação de estoques internacionais e mecanismos para tabelar os preços das commodities. As propostas foram prontamente rechaçadas pelas autoridades brasileiras, que são contrárias à ideia de fixar preços e receiam que a formação de estoques receba subsídios.
Ao pregar maior regulação no setor, Graziano garante que não vai contra a orientação do governo brasileiro. "Para se ter liberdade é preciso ter regras, dizer o que pode e não pode fazer, senão vira uma bagunça que somente beneficia uns poucos especuladores", comenta. Ele revela que discutiu o assunto na semana passada no Ministério da Agricultura francês e na sede da FAO, em Roma. Segundo ele, Paris não fechou sua posição e analisa estudos da FAO sobre o assunto. "Limite dos derivativos, estoques virtuais e mecanismos financeiros para poder intervir em momentos de muita alta e muita baixa estão sendo discutidos", explica.
Apesar de a polêmica envolver a FAO, Graziano ressalva que decisões nesse campo cabem à Organização Mundial de Comércio (OMC). A função da FAO é prestar assistência técnica para a implementação de políticas na área agrícola e de segurança alimentar, além de municiar os 191 países-membros com dados e conhecimento. A consolidação de informações produzidas pela FAO e outros órgãos internacionais é um dos pilares da campanha de Graziano, juntamente com outros quatro tópicos: erradicação da fome, expansão sustentável da produção de alimentos, fim da reforma institucional e reformulação financeira.
Uma das promessas de Graziano é mudar o perfil de financiamento da FAO, com espaço para maiores doações dos países do hemisfério Sul, que passariam a ganhar mais benefícios da cooperação multilateral da FAO. "Os países desenvolvidos são os grandes doadores da FAO, mas sabemos que nos próximos anos eles vão enfrentar sérias restrições fiscais. Grandes doadores como a Espanha cortaram ajuda nos últimos anos e isso deverá ser uma tendência", diz Graziano.
O agrônomo brasileiro, que está licenciado da direção da FAO para a América Latina e Caribe para disputar a eleição, também busca apoios com a promessa de terminar a reforma da organização, que já dura dez anos. O foco das mudanças institucionais pretendidas por Graziano é a descentralização e a desburocratização. "É preciso dar mais poder aos escritórios regionais, sub-regionais e os próprios países. Hoje se o Brasil quiser fazer uma doação, ele precisa mandar o dinheiro para Roma, e esse dinheiro volta para ser gasto no Brasil."
Outro desafio de Graziano é posicionar a FAO para contribuir com a expansão da produção de alimentos de forma sustentável. Segundo ele, até 2050 alguns setores da agricultura precisarão aumentar 70% e até 100% a capacidade produtiva. "O impacto disso sobre o ambiente já é conhecido, principalmente com a pecuária. Temos que achar um jeito de juntar tecnologias hoje disponíveis e menos agressivas: o cultivo direto do solo, por exemplo, sem arar."
Indicado para substituir o atual diretor-geral da FAO, o senegalês Jacques Diouf, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Graziano conta com o engajamento da presidente Dilma Rousseff em sua campanha. Ela tem mencionado a candidatura do ex-ministro criador do programa Fome Zero em todos os seus contatos bilaterais e elevou a campanha ao nível de prioridade da diplomacia brasileira.
Fonte: Valor Econômico/Luciano Máximo | De Brasília
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