O desenvolvimento de usinas eólicas e solares ficou mais caro no Brasil. Essa realidade resulta do aumento dos preços de componentes usados na geração de energia renovável que, por sua vez, é reflexo dos impactos na cadeia logística global de commodities como resultado da guerra na Ucrânia. O cenário, no entanto, não deve frear o ritmo de crescimento dos setores, dizem especialistas. A recuperação do consumo depois da retração na pandemia e o conflito na Europa levaram a fortes aumentos nos preços de insumos usados na fabricação de peças usadas na geração renovável, caso do silício das placas solares fotovoltaicas e do aço das torres eólicas.
O vice-presidente de geração centralizada da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Ricardo Barros, afirma que as commodities com maior impacto no segmento de geração solar são silício, aço e cobre. “O aço usado no Brasil é de produção nacional, então o país está bem posicionado em relação a outras economias. Monitoramos também impactos [da guerra] na cadeia logística, que podem gerar riscos ou oportunidades na importação de equipamentos, em especial os módulos, que vêm principalmente da China”, diz.
PUBLICIDADE
A distribuidora de sistemas fotovoltaicos Win Solar, do grupo All Nations, por exemplo, tem buscado manter um estoque de produtos. De acordo com a diretora comercial da empresa, Camilla Nascimento, havia a expectativa de uma redução nos preços dos equipamentos este ano depois dos aumentos durante as restrições na pandemia em 2020 e 2021. Com a guerra, no entanto, isso não ocorreu. “Geralmente repassamos aumentos de preços dos novos produtos importados e mantemos os preços do que está no estoque. O receio é a questão logística, de uma eventual falta de produtos para importação para o Brasil, porque a Europa vai demandar mais da China. Estamos buscando nos manter bem abastecidos”, afirma.
A 2W Energia foca na geração eólica e vê a fonte como mais competitiva e consolidada que a solar. A empresa tem dois parques eólicos em construção, Anemus (138,6 megawatts) e Kairós (261 megawatts), com investimentos previstos em R$ 2,1 bilhões. “O custo da eólica ainda é melhor e a cadeia de produção, mais consolidada”, diz o chefe de investimentos da empresa, Walter Tatoni.
A AES Brasil segue no mesmo caminho. A CEO da companhia, Clarissa Sadock, disse em evento neste ano que o plano de negócio visa a diversificação do portfólio em energias renováveis de fontes não hídricas, mas que a prioridade no momento são os projetos eólicos, que estão com o custo mais baixo. “Hoje vemos a eólica mais competitiva, com um preço 30% mais barato do que a solar. Nestes dois anos de pandemia, o preço do frete aumentou absurdamente e vimos as commodities subindo de forma geral. As commodities dos aerogeradores [de turbinas eólicas] subiram 70%, enquanto a commodity do setor solar mais do que quadruplicou”, afirma.
A vantagem competitiva do setor eólico é um pouco maior pelo nível de nacionalização dos equipamentos, que hoje é de 80%, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Já o segmento fotovoltaico sente maior pressão das cadeias produtivas porque praticamente todos os equipamentos são fabricados na China.
Uma pesquisa da consultoria Greener divulgada no começo do ano mostrou que o preço de placas solares estava mais alto mesmo antes da guerra. Em janeiro de 2021, o custo havia subido 8% em relação a igual mês no ano anterior, puxado pelo aumento do frete e das commodities, além do câmbio. A nova realidade mudou a estrutura de custos do setor e tornou os investimentos mais variáveis.
A presidente da Abeeólica, Elbia Gannoum, ressalta que o efeito da alta de custos de componentes é geral e não afeta apenas a geração de energia. “A despeito de a régua de preços estar em outro patamar, outras fontes de energia também tiveram aumentos. A pressão das commodities afeta todos os setores da economia. Mesmo com essa pressão de custos, as energias verdes ainda vão continuar competitivas”, diz.
Especialistas dizem que a alta nos preços de combustíveis fósseis, acelerada pela guerra, tende a incentivar a adoção de fontes renováveis: “O maior risco é que, caso a guerra se prolongue, as elevações de preços dos combustíveis fósseis deixem de ser conjunturais para se tornarem estruturais, já que tais variações drásticas impactam profundamente a fabricação de bens, a oferta de serviços e o transporte de mercadorias e de pessoas, entre outras áreas”, afirma Giorgio Seigne, presidente da You.On, empresa de armazenamento de energia.
Gannoum, da Abeeólica, acrescenta que a situação da guerra colocou em xeque a velocidade da transição energética, mas que despertou também em diversos países a urgência de acelerar a adoção de novas fontes de energia. Na Europa, o incentivo a projetos renováveis tem surgido como alternativa para reduzir a dependência de combustíveis fósseis da Rússia.
“No curtíssimo prazo não há como aumentar a oferta de renováveis, vamos ter que usar combustíveis fósseis. Mas a médio e longo prazos, os países decidiram acelerar a transição energética. Diversos países fizeram pacotes de economia verde nos últimos anos, o que, por si só, cria uma pressão por demanda. Os preços tendem, com isso, a se equilibrar em um nível mais alto”, afirma a executiva.
Os fabricantes do setor também sentem os efeitos do novo contexto de custos. A Siemens Energy informou que vai buscar regionalizar os fornecedores, diminuindo a dependência de grandes transportes, como contêineres. A fabricante de equipamentos eólicos Vestas passou a buscar fornecedores locais no Brasil, depois de atrasos em entregas no ano passado. A WEG reforçou estoques estratégicos de matéria-prima.
“Ao longo de 2021 reforçamos os estoques estratégicos. Obviamente, isso teve um preço, que foi carregar o capital de giro na linha de estoques além da necessidade, mas nos dá certo conforto neste momento de incertezas”, explicou o diretor financeiro da WEG, André Rodrigues.
Fonte: Valor