Nas alturas do edifício em forma de Buda na ilha turística de Hainan, o HNA Group transformou-se em um dos compradores de empresas mais agressivos da China - e atraiu mais atenção para sua estrutura de controle e de financiamento.
Fundada como uma empresa aérea regional por defensores de reformas econômicas que conseguiram apoio do Banco Mundial, a controladora da Hainan Airlines foi se expandindo até ser tornar um conglomerado internacional, de capital fechado. Para alimentar seu crescimento, o grupo alavancou habilmente os recursos que possuía para financiar a compra de novos ativos - "uma cobra engolindo um elefante", como a história costuma ser comparada na China.
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A onda de US$ 40 bilhões em aquisições do conglomerado - mais recentemente tornou-se o maior acionista do Deutsche Bank ao acumular participação de 9,9% - rendeu críticas em muitas frentes. O HNA recentemente viu-se em meio ao fogo cruzado de uma tempestade política envolvendo Wang Qishan, o czar chinês anticorrupção, um dos políticos mais influentes do país. O pesado endividamento também atraiu preocupações da Standard & Poor's e de alguns executivos estrangeiros de bancos de investimento.
A estrutura empresarial do HNA é complexa. Seus US$ 145 bilhões em ativos agora incluem a maior empresa de serviços financeiros da Nova Zelândia, uma participação no Hilton Hotels e em companhias do setor de aviação em pelo menos 14 países. O grupo opera a terceira maior frota mundial de aeronaves para aluguel.
Na China, o HNA é dono de um conjunto de incorporadoras imobiliárias, de empresas de leasing, de quatro companhias aéreas regionais, de uma respeitada revista de finanças e de uma das maiores plataformas de empréstimos diretos entre consumidores, a JuBao Internet Technology. O grupo já levantou recursos por meio de ao menos 11 plataformas similares - em muitas das quais tem participações -, assim como por meio de créditos concedidos a suas cerca de 25 empresas de capital aberto.
No exterior, o HNA aliou-se a alguns parceiros politicamente bem conectados. O grupo investiu junto com Jeb Bush em uma empresa de combustível de navegação quando ele cogitava ser candidato presidencial nos Estados Unidos e comprou a SkyBridge Capital do gestor de fundo hedge Anthony Scaramucci, quando ele esperava juntar-se ao governo de Donald Trump.
Hoje o HNA tem 76% do capital nas mãos de apenas 13 pessoas - e todas elas, menos uma, são executivos atualmente no grupo, segundo documentos enviados aos órgãos reguladores. O fundador Chen Feng, um budista afeito a carros de luxo que é o rosto público do grupo, e o presidente do conselho de administração, Wang Jian, possuem participações em torno de 15% cada um, depois de muitos anos de complexas reestruturações que, na prática, fecharam o capital da empresa.
"A estrutura muito complexa e intricada de participações acionárias" do HNA impediu que qualquer um dos dois fosse incluído na lista anual Hurun, dos homens e mulheres mais ricos da China, segundo o fundador da Hurun, Rupert Hoogewerf. "Estamos tentando colocar Chen Feng lá, mas simplesmente não conseguimos encontrar nenhuma forma de mostrar que ele tem dinheiro suficiente."
O maior acionista individual do HNA é o mais misterioso: Guan Jun, que comprou do empresário Bharat Bhise, de Hong Kong, quase 29% do grupo em 2016. O HNA não quis divulgar por quanto a participação foi vendida e Bhise não retornou os pedidos por comentários.
Guan atua como copresidente do conselho, ao lado do filho de Chen, em uma plataforma de créditos diretos controlada pelo HNA, mas fora isso há poucos traços do homem que é dono de bilhões de dólares em ativos.
Ele começou a comprar participações em subsidiárias do HNA há sete anos, por meio de um veículo de investimentos que opera na sede do HNA em Pequim. O HNA, no entanto, diz que Guan é um "investidor privado", que não trabalha para o grupo.
Registros empresariais na China listam vários outros endereços comerciais para Guan. Um é o do Oriental Aphrodite Beauty Spa, um salão de beleza comum, localizado em um bairro residencial na região oeste de Pequim. Os atuais donos dizem que ele vendeu o salão há cerca de cinco anos. Outro endereço é de um escritório com as portas fechadas em um prédio decadente em Pequim. Sua residência, segundo documentos enviados às autoridades reguladoras em Hong Kong, é um apartamento comum na região sudoeste na capital da China, cuja atual ocupante diz ter se mudado há poucos meses.
Quando contatado por telefone celular, Guan disse apenas: "É inconveniente responder qualquer uma de suas perguntas."
Bhise não tem mais participação no HNA. Sua empresa Bravia Capital foi coinvestidora com o HNA em vários de suas maiores aquisições no exterior, incluindo a compra de US$ 1 bilhão em 2012 da SeaCo, a quinta maior companhia de contêineres marítimos do mundo.
Ele também é o homem que apresentou o HNA a seu investidor estrangeiro mais famoso, George Soros. Posteriormente, Soros vendeu sua participação de US$ 50 milhões na principal subsidiária da HNA, a Hainan Airlines.
É nessa companhia aérea que começa a história do HNA. É também um dos motivos pelos quais o grupo encontra-se preso em meio à atual disputa política. A herança empresarial do HNA começa com os experimentos de reformas econômicas iniciados no fim dos anos 80, quando Wang Qishan era um promissor jovem tecnocrata que ascendia à sombra de seu poderoso sogro, Yao Yilin, um veterano do Partido Comunista.
Agora, Wang é o poderoso czar na luta contra a corrupção, que vem encabeçando uma ampla luta para limpar as Forças Armadas, as forças de segurança e o Partido Comunista na China.
Nos últimos 30 dias, um empresário exilado, com conexões com o aparato de segurança estatal, fez acusações de que a família da mulher de Wang beneficiou-se irregularmente de laços com o grupo HNA.
Guo Wingui, ex-sócio de uma autoridade de segurança que foi presa, disse em tuítes ao longo do último mês que Yao Qing, sobrinho da mulher de Wang, tem uma participação sigilosa no HNA.
"As acusações relacionadas ao NHA simplesmente não são verdadeiras. Nem Wang Qishan, nem seu sobrinho por casamento, Yao, são acionistas no HNA Group", disse um porta-voz do NHA Group. Wang também não retornou os pedidos para comentar o assunto. Yao Quing não pôde ser contatado.
O que está claro é que Wang tem laços próximos com os homens que construíram a companhia que se tornou o HNA.
Nos anos 80, a China recebeu créditos baratos do Banco Mundial para ajudar a financiar as reformas econômicas do país, que se recuperava de 30 anos devastadores de ortodoxia comunista. Na época, Wang criou o China Agricultural Development Trust and Investment Co. (Catdic) para canalizar os créditos do Banco Mundial para o setor rural. Cheng Feng, fundador do HNA, trabalha sob seu comando. As avaliações do Banco Mundial sobre os empréstimos da época são efusivamente positivas.
Então chegou a repressão aos protestos pró-democracia em 1989 na Praça da Paz Celestial. Os países ocidentais impuseram sanções e as reformas econômicas da China foram afetadas pela reação política conservadora.
Um grupo de burocratas da Catdic, entre os quais Chen, buscou formas de driblar as sanções.
Essas pessoas mudaram-se para Hainan, uma ilha subtropical que na época era usada como local para experimentos de reformas econômicas, e pediram ajuda ao Banco Mundial. O auxílio da instituição foi canalizado por meio de um novo grupo, o Xingnan Group, segundo o livro de memórias "You'll Make It" (algo como "Você vai conseguir", em inglês) de Huang Xiaohe, um veterano da Catdic.
O Xingnan Group deu o capital inicial para a Hainan Airlines e recrutou muitos dos homens que hoje são seus principais executivos, incluindo o atual presidente do conselho de administração, Wang Jian, de acordo com o livro. Outros altos executivos do HNA incluem ex-membros governamentais de Hainan e o ex-chefe de empresas estatais de borracha, que estiveram entre as primeiras beneficiárias dos créditos do Banco Mundial.
A Catdic, paralelamente, não se saiu tão bem. Em 1996, com prejuízos de 5 bilhões de yuans (US$ 735 milhões), tinha dívidas de 12 bilhões de yuans e foi absorvida pelo China Construction Bank, então chefiado por Wang Qishan. Logo depois, ele solucionou o calote de US$ 2 bilhões da Guangdong International Trust and Investment Co. (Gitic), o que selou sua reputação como bombeiro político confiável e iniciou sua escalada às altas esferas do partido.
Fonte: Valor